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Tamanho único

Sempre me aborreceu esta história dos tamanhos únicos. Cada vez que quero comprar um chapéu nunca encontro um tamanho que me sirva. É o que dá ser cabeçudo (literalmente). Mas ao invés de me zangar ou tentar enfiar um chapéu que me ficaria apertado procuro soluções alternativas.


Isto dos tamanhos únicos e dos chapéus porquê, perguntam-se? Porque invariavelmente ao longo da história da humanidade vamos tendo modas, ou fenómenos de tendência para a média em relação a vários aspectos importantes. Além de uma pressão para o pensamento único e centralizado em torno de uma pessoa ou conjunto de pessoas, típico de ditaduras ou de outros regimes políticos semelhantes. E esta tentativa de desacreditar ou descredibilizar a ciência e o trabalho cientifico também não é novidade. Ainda que nos dias actuais cause uma maior estupefação atendendo ao número de pessoas escolarizadas.


Nas últimas semanas voltamos a ouvir e ler um maior número de noticias sobre a interligação entre as vacinas e o autismo. E apesar de ter havido no passado um desmentido público sobre o artigo causador desta celeuma. Ainda assim, são muitos aqueles que regozijaram com o reacender do tema. Parece que estiveram em estado de criogenia durante estes últimos 15 anos e voltaram ao activismo em prole da desinformação e noticias falsas.


No campo do autismo estas e outras tentativas não são novas, ainda que todas elas de extrema perigosidade. Nomeadamente quando percebermos a determinada altura que há quem proponha a ingestão de lixivia para a cura do autismo. E que há todo um conjunto de pessoas adultas a acreditar no processo e a experimentar com os seus filhos com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.


Nos últimos 10 a 15 anos também temos assistido a um crescendo do movimento que tem questionado o aumento dos diagnósticos de Perturbação do Espectro do Autismo. Havendo mesmo que não tenha tido problemas em afirmar publicamente que se tratava de uma situação epidémica. Dizendo até que nos dias de hoje qualquer pessoa poderia ser autista. Para além dos que já diziam e continuam a afirmar que lendo os critérios de diagnóstico de autismo qualquer pessoa na sociedade tem um pouco de autismo. E que mais recentemente culminou com as afirmações de Trump e do seu secretário da saúde RFK Jr. sobre este mesmo aumento inusitado de diagnósticos de autismo e que necessita de ser investigado qual situação epidémica, ao ponto de justificar a consulta dos registos médicos das pessoas autistas para poder fazer uma catalogação mais séria (de acordo com as suas perspectivas).


É fácil ficarmos inflamados com estas e outras afirmações e posições. Assim como quem está do outro lado da trincheira a arremessar estas mesmas afirmações erradas também se parece inflamar. E o facto de muito dos acontecimentos actuais e da nossa vida quotidiana se passar no mundo virtual, redes sociais e online, também não facilita e traz-nos a todos maiores desafios, mas também responsabilidades.


Ao vermos vídeos nas redes sociais a dizer: Cinco sinais de que é autista. Sendo que o vídeo é mais curto do que algumas consultas médicas a que alguns de nós vai. Parece criar a ideia em vários de nós que é suficientemente fácil percebermos se somos ou não pessoas autistas. E ainda que seja importante haver uma maior partilha de informação sobre estes e outros aspectos na sociedade. Ainda assim, é importante pensarmos de forma responsável como é que esta mesma partilha pode influenciar todo este fenómeno que aqui falamos. E sublinho que estou a falar de pensarmos e não de andar a fazer uma caça às bruxas (como algumas pessoas pensam e afirmam). Até porque adicionalmente a este aspecto muito se tem falado sobre o auto-diagnóstico e a importância do mesmo, assim como o seu reconhecimento e valor.


Além destes mesmos vídeos, também temos ouvido falar das longas listas de espera para a avaliação de diagnóstico no autismo (neurodesenvolvimento de uma maneira geral também). Sendo que em Portugal parece que não se passa nada disto. Ainda que isso possa ter mais a ver com o facto da DGS não ter noção da realidade das pessoas autistas e não desenvolver nenhum método para perceber o que se passa com as pessoas autistas (assim como também se parece passar com outras condições).


E como tal ficamos com a ideia de que tem havido um aumento significativo de diagnósticos de pessoas autistas. Mas estes mesmos números têm significados diferentes para pessoas diferentes (i.e., pessoas com suspeita de autismo, profissionais de saúde, sociedade, etc.). Se para vários de nós estes números pode representar um receio, até mesmo um alarme. Até porque desatam a pensar e questionar se o seu filho/a podem ter um diagnóstico de autismo. Assim como também já tem sido falado e afirmado para a perturbação de hiperactividade e défice de atenção. Havendo vários de nós, inclusive profissionais de saúde com responsabilidade na área da saúde mental a afirmar que andamos a diagnosticar à toa as crianças com PHDA e ainda mais a medica-los com psicoestimulantes. Enquanto que outros de nós estes mesmos números parece representar algo que vai ao encontro daquilo que é a sua identidade, seja individual, mas também grupal, ou até mesmo representar um qualquer superpoder. Até porque vão ouvindo falar de determinado conjunto de pessoas mundialmente conhecidas e famosas que foram diagnosticadas com perturbação do espectro do autismo e que parecem ser génios, sobredotados, ricos, etc. Mas então, qual é a verdade sobre o número de pessoas autistas? E o que é que isso significa? Mas como tal, para podermos saber o que dizer, precisamos em primeiro lugar de definir o que se está a contar e a dizer como sendo autismo.


Para que alguém seja diagnosticado com autismo, é necessário que apresente determinado conjunto de características. Nomeadamente, que apresente um conjunto de de dificuldades persistentes na interacção e comunicação social. Claro que esta designação parece ser suficientemente subjectiva e que para muitas pessoas que a leem possa caber dentro de si várias coisas no seu e no comportamento dos outros. E que também por isso, aquilo que é a definição e as características apresentadas nos manuais de diagnóstico (DSM e ICD) possam também ser responsáveis por alguma desta celeuma. Contudo, é importante sabermos e dizermos que a leitura dos manuais de diagnóstico não nos autoriza a fazermos diagnóstico. É preciso muito mais do que isso para fazer e atribuir um diagnóstico, seja de autismo ou qualquer outro. Além de que a expressão dos comportamentos e das características de diagnóstico no espectro do autismo podem variar e apresentar uma enorme heterogeneidade. Seja para a interacção e comunicação social. Assim como para os interesses restritos e comportamentos repetitivos, que fazem parte de um segundo grupo de características necessárias para atender aos critérios.


Os investigadores e clínicos que se têm debruçado para poder compreender este aspecto do crescimento do número de diagnóstico de autismo, têm identificado oito vezes mais novos casos de autismo em 2018 do que em 1998, o que caracteriza esta subida como sendo significativa. Contudo, um aumento no número de pessoas diagnosticadas com autismo não é o mesmo que um aumento no número de pessoas que são autistas. Porquê? Nomeadamente, porque a rede que abarca o autismo foi ampliada. Veja-se por exemplo, o caso dos diagnóstico feitos com as raparigas e mulheres. Mas também tem havido um efeito de ciclo e à medida que mais pessoas são diagnosticadas com autismo, mais pessoas tomam conhecimento da condição, o que contribui para o aumento dos números. Além da internet e das redes sociais que têm desempenhado um papel importante nisso, assim como as especulações sobre as razões por trás do rápido aumento dos diagnósticos (e.g., sejam as vacinas, mas também aquilo que comemos, bebemos ou respiramos).


No entanto, como vimos, os dados sugerem que o aumento dos diagnósticos pode ser explicado por uma definição mais ampla de autismo, e não por um aumento na quantidade de casos subjacentes. Além disso, trabalhos de investigação sólidos mostram que o autismo é, em grande parte, um produto dos genes herdados dos pais (i.e., cerca de 40% da explicação do autismo parece ser genética).


Contudo, parece que ainda assim, vão sendo muitos aqueles que dizem não acreditar, desacreditar nestas ideias sustentadas no trabalho cientifico. Além de dizerem que afinal de contas a realidade é outra, tal qual eles a afirmam, ainda que não tenham nenhuma base cientifica e muito menos sólida, sustentada e verificável para o afirmar.


São tempos difíceis pensamos. Seria como eu continuar a acreditar que por mais força que fizer para colocar um chapéu na minha cabeça isso vai acontecer! Porque não vai. E já agora, também não me apetece mandar fazer um chapéu à minha medida. Prefiro antes ir encontrando solução à medida que vou andando, umas mais criativas do que outras. E em relação a estas e outras questões do autismo, elas não são novidade e continuam a ter um impacto devastador e negativo na vida de milhares de pessoas. Causando inclusive a morte de um maior número de pessoas autistas por falta de assistência médica e psicológica, sendo que esta comunidade já apresenta um número tão grande e preocupante de taxa de suicídio entre outros indicadores.


Para além de continuarmos a escrever estes e outros textos e a gritar nas redes sociais e não só estas e outras questões. Precisamos de pensar num método de responsabilização para estes e outros tipos de afirmação, sejam elas negligentes ou premeditas de acordo com a filosofia e orientação de quem as afirma.


 
 
 

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