A saúde sexual da fruta
- pedrorodrigues
- há 4 dias
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Não, não há uma saúde sexual da fruta como sendo uma disciplina cientifica no curso de Agronomia. E também não vos irei falar de quais os frutos que poderão ajudar a aumentar a libido. Contudo, tal como não há uma saúde sexual das frutas. O mesmo também parece acontecer para as pessoas autistas. Só que no caso destes últimos não faz sentido.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde em 2002, a saúde sexual é um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social em relação à sexualidade; não é meramente a ausência de doença, disfunção ou enfermidade. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade e das relações sexuais, bem como a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis e seguras, livres de coerção, discriminação e violência.
Mas muito se tem evoluído no pensamento sobre a saúde sexual nestes últimos vinte e cinco anos. E por isso, desde 2012 que o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças nos EUA, que se refere que a saúde sexual é um estado de bem-estar em relação à sexualidade ao longo da vida que envolve dimensões físicas, emocionais, mentais, sociais e espirituais. A saúde sexual é um elemento intrínseco da saúde humana e baseia-se numa abordagem positiva, equitativa e respeitosa da sexualidade, das relações e da reprodução, livre de coerção, medo, discriminação, estigma, vergonha e violência. Inclui: a capacidade de compreender os benefícios, os riscos e as responsabilidades do comportamento sexual; a prevenção e os cuidados com as doenças e outros resultados adversos; e a possibilidade de realizar relações sexuais. A saúde sexual é afectada por contextos socioeconómicos e culturais - incluindo políticas, práticas e serviços - que apoiam resultados saudáveis para indivíduos, famílias e suas comunidades.
Contudo, apesar de todo este desenvolvimento continuamos pensar onde fica a saúde sexual das pessoas autistas dentro do grupo das pessoas com deficiência. Até porque verificamos que os jovens autistas ainda estão sujeitos ao estigma da deficiência. Devido a este estigma, as pessoas com deficiência são vistas como assexuadas, sem sentimentos e desejos sexuais, ou como sexualmente inadequadas. Esta percepção explica provavelmente porque é que a maioria destes jovens ainda não recebe uma educação sexual abrangente. Muito poucos programas e recursos têm como objetivo ensinar e ajudar os jovens com deficiência a desenvolver relações saudáveis e a manterem-se seguros.
As pessoas autistas não são diferentes em termos dos seus interesses e desejos sexuais em comparação com os neurotípicos. No entanto, as suas experiências sexuais parecem ser afectadas pelo seu conjunto único de desafios, tais como sensibilidades sensoriais, dificuldades de comunicação e barreiras sociais que podem complicar as relações românticas e sexuais.
Aproximadamente 1 em cada 100 crianças em todo o mundo foi diagnosticada com uma PEA. Sendo que os números mais recentes nos EUA falam de 1 em cada 31 crianças. Estima-se que a prevalência do autismo entre os adultos seja de uma em cada 75 pessoas, e nos serviços psiquiátricos de internamento, estima-se que se situe entre 2,4% e 9,9%. As pessoas autistas enfrentam desafios únicos nas relações românticas e sexuais, tais como sensibilidades sensoriais e dificuldades de comunicação. Embora partilhem desejos sexuais típicos, estes desafios podem complicar as suas relações e aumentar o risco de vitimização.
As pessoas autistas enfrentam frequentemente desafios nas relações interpessoais, incluindo a comunicação, cognição social e o processamento emocional. Estes desafios podem estender-se a aspectos da intimidade e das relações sexuais. Sendo que estes desafios precisam de ser pensados como existindo em ambos os sentidos, das pessoas autistas em relação às não autistas, mas também o seu contrário. Estas experiências podem ser atribuídas a dificuldades na comunicação, comportamentos estereotipados, défices na teoria da mente, dificuldade em expressar emoções, problemas de processamento sensorial, défices nas capacidades motoras e problemas de auto-consciência. Tais desafios no que diz respeito às relações interpessoais podem também ser atribuídos à falta de correspondência entre ambiente - pessoa e não à falta de capacidades nas pessoas autistas.
O interesse cientifico nesta área tem revelado que os adultos autistas sem deficiência intelectual têm um nível de interesse e comportamento sexual semelhante ao dos adultos sem autismo, apesar das concepções erróneas comuns. No entanto, a qualidade desta relação é afectada por menos experiência de relacionamento, mais orientação parental, maior utilização de materiais online e menos educação para a saúde sexual na escola. Podem ter dificuldades em iniciar e manter relações românticas, problemas com a intimidade, evitar o comportamento sexual devido à hipersensibilidade, e pais superprotectores. Embora as pessoas autistas apresentem comportamentos sexuais típicos, elas podem ser mais propensas a comportamentos sexuais atípicos e desviantes em comparação com as pessoas não autistas.
Por exemplo, tem sido demonstrado que a orientação não heterossexual nas PEA é mais prevalecente do que na população neurotípica. Esta diferença é particularmente acentuada nas mulheres autistas. Além disso, a assexualidade, que é uma falta de interesse sexual por qualquer género, é mais expressa em pessoas autistas.
Verificam-se comportamentos sexuais atípicos no autismo, mas esses comportamentos não são necessariamente prejudiciais. As taxas de comportamentos parafílicos, tais como a excitação por cheiros (olfactofilia), pés (podofilia) e animais (zoofilia), são mais elevadas em pessoas autistas. Por exemplo, a existência de padrões repetitivos de comportamentos restritos, défices nas interações sociais, co-ocorrência com a deficiência intelectual, interesses em parte dos objectos, condicionamento precoce a estímulos atipicos são frequentemente entendidos como etiologias prováveis. E os desafios na interacção social, dificuldade intelectual e as lacunas na educação influenciam os comportamentos sexuais em crianças autistas. Outros comportamentos sexuais igualmente prevalecentes no espectro do autismo incluem hiper masturbação, masturbação pública, gestos românticos inapropriados, excitação inapropriada e exibicionismo. Apesar destes comportamentos poderem ser olhados como problemáticos é importante poder enquadrar e contextualizar face ao perfil de funcionamento dos próprios. Além destes comportamentos poderem ser trabalhados em termos da sua adequação.
A falta de compreensão sobre o desenvolvimento sexual normativo, a educação sexual insuficiente, as necessidades de apoio do autismo e outras questões relacionadas podem contribuir para estes comportamentos. Além disso, os comportamentos sexuais nas PEA, como a masturbação em público e a fxação, resultam de uma educação e compreensão deficitária. Por conseguinte, proporcionar uma educação sexual adequada pode ajudar a reduzir estes comportamentos e a procurar encontrar formas mais saudáveis e adaptadas de sentir e expressar o prazer.
As pessoas autistas também podem ser mais susceptíveis de ter problemas com o uso de pornografia. Algumas pessoas autistas podem desenvolver tendências obsessivas em relação à pornografia, coleccionando-a e categorizando-a em vez de apenas a verem, o que pode levar inclusive a implicações legais. Isto é devido a uma variedade de razões descritas na literatura, incluindo diferenças na comunicação social, sensibilidades sensoriais, comportamentos repetitivos, problemas de regulação emocional, desafios de interpretação, solidão e falta de educação sexual abrangente. Podem inclusive ser mais susceptíveis de ver pornografia infantil porque têm dificuldade em reconhecer a idade e as expressões faciais das crianças neste contexto.
Os comportamentos sexuais inadequados ou desviantes, que podem causar danos a si próprio ou a outros, requerem uma análise mais aprofundada. A investigação sugere que as pessoas autistas podem estar sobre-representados entre aqueles que se envolvem em comportamentos sexualmente inadequados. Vários estudos indicam que as pessoas autistas podem apresentar vários comportamentos ofensivos, incluindo comportamentos sexuais ofensivos, que estão associados a traços de autismo. As mulheres autistas, apesar de reportarem menor desejo sexual do que os homens autistas e do que as pessoas no geral, ainda assim se verifica que têm maior actividade sexual que os homens autistas. O que leva a pensar no porquê e nas razões por detrás deste achado. Nomeadamente, os estudos têm procurado chamar a atenção para a maior propensão a serem vitimas de abuso sexual.
Como tal, a saúde sexual das pessoas autistas pode e deve ser mais e melhor considerada ao longo da vida e junto dos vários agentes responsaveis no acompanhamento da pessoa autista. Em criança e até ao atingir da maioridade a responsabilidade nomeadamente na tomada de decisão em relação ao tema da saúde sexual recai sobre os pais. Contudo, é fundamental que possa ser olhada como um direito dos próprios. E como tal, os pais poderem ajudar a orientar nas escolhas mais saudáveis, não deixando de respeitar a sua identidade. Mas também um apelo aos profissionais de saúde mental, que para além dos aspectos relacionados com o sofrimento psicológico, sintomatologia, etc. É fundamental poder pensar na saúde sexual como um pilar fundamental do desenvolvimento saudável da pessoa autista. Em conjunto podemos e devemos promover e solicitar mais e melhores espaços de partilha, sensibilização e formação para a saúde sexual, nomeadamente adaptada às pessoas autistas.

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