O recrutamento inclusivo começa a ser uma realidade cada vez mais falada não apenas na área dos Recursos Humanos e junto dos profissionais de saúde que trabalham com pessoas com determinado nível de incapacidade, mas também junto da população em geral. São cada vez mais as empresas com uma política de recrutamento inclusivo e como tal cada vez mais colaboradores têm como colegas alguém com algum nível de incapacidade, seja física ou intelectual. Ainda há muito para fazer mas somos cada vez mais a perceber a importância da neurodiversidade também no local de trabalho.
A neurodiversidade, ou a diferente forma que o nosso cérebro tem para processar a informação não existe apenas nos últimos 15-20 anos. É verdade que o conceito tal como é usado surgiu há cerca de 15 anos atrás. Contudo, a diferente forma do nosso cérebro processar a informação sempre existiu. Seja quando observamos essas diferentes comparando homens e mulheres, pessoas com estruturas de personalidade diferente ou com um perfil cognitivo acima, abaixo da médio, homogéneo versus heterogéneo. Se pensarmos bem e olharmos para o nosso percurso enquanto colaboradores numa determinada empresa a realizar um determinado conjunto de actividades e tentarmos lembrar dos nossos colegas conseguimos pensar num conjunto variado de maneiras como cada um deles tinha ou tem de trabalhar, certo? Como tal, a neurodiversidade e o recrutamento inclusivo que aparecem à boleia das perturbações do neurodesenvolvimento e de outras condições neuropsiquiátricas e não só não são da sua inteira exclusividade, ainda que assim o pareça.
E penso nisto porque cada vez que vou fazer alguma palestra sobre neurodiversidade em contexto real de uma empresa ou num espaço mais académico continua a surgir esta ideia do conceito - neurodiversidade e recrutamento inclusivo associado às pessoas com algum nível de incapacidade. E sempre que tento levar o debate para um plano mais amplo sinto alguma dificuldade em alguns sectores dos interlocutores, sejam das empresas mas não só. Ainda assim, pensa-se que é importante fazer diferente também no próprio processo de recrutamento e selecção e mais especificamente no processo de recrutamento inclusivo. Não sou da área da psicologia social nem de recursos humanos. Contudo, para além de formação na área e algum conhecimento prático, tenho acumulado a experiência de acompanhar jovens adultos e adultos com Perturbação do Espectro do Autismo. E como tal a questão da integração sócio profissional, fazer um curriculum vitae, preparar para uma entrevista, treinar competências sociais em contexto real de trabalho, pesquisa de ofertas de trabalho, ser despedido, etc. São tudo um conjunto de realidades que estão presentes nas consultas em determinado momento do processo de acompanhamento. E isso faz-me reflectir conjuntamente com os meus clientes mas também com os meus colegas de trabalho, como é o caso da Andreia Silva no PIN.
Esta reflexão no entanto precisa de sair para o exterior e reflectir uma mudança no próprio processo de recrutamento e selecção. Seja na situação da entrevista em si, mas até mesmo antes, na própria criação do anuncio de emprego para colocar no jornal ou online. Por exemplo, se eus quero contratar alguém com uma Perturbação do Espectro do Autismo é importante que o anuncio criado seja claro, conciso e objectivo e não seja gerador de dúvidas. Ou seja, se eu colocar alguma competência pretendida e a seguir escrever "exclusivamente" é provável que muitos candidatos com PEA não se candidatem porque fizeram uma interpretação literal do próprio anuncio. Ainda que os mesmos tenham a formação pretendida. A entrevista precisa de ter outros moldes, como por exemplo poder ser adaptada para uma situação individual ao invés de ser em grupo atendendo a um conjunto de características e dificuldades na interacção social de muitas pessoas com PEA. Ou deixar de ter um painel de júri que causa numa boa parte das vezes a qualquer um de nós uma ansiedade extrema. As perguntas colocadas devem ser objectivas e sem interpretação dúbia. O vestuário da pessoa com PEA pode ser expectável que seja mais peculiar sem que isso tenha uma interpretação negativa, etc.
Mas os próprios instrumentos de avaliação usados numa avaliação psicológica numa situação de recrutamento inclusivo também deve poder reflectir a pessoa e as características da pessoa que estamos interessados em recrutar. E neste caso especifico se a pessoa a contratar tem uma Perturbação do Espectro do Autismo é importante que a empresa ou o profissional a realizar o recrutamento e selecção possa ter o conhecimento necessário ou então seja assessorado por um profissional que tenha esse mesmo conhecimento. As competências necessárias ao desempenho da função mas também as competências da própria pessoa com PEA precisam de ser bem definidas. Não é estranho pensar que algumas características nas pessoas com PEA possam ser entendidas como sendo negativas num primeiro momento e que após um reflexão as mesmas possam ser avaliadas como positivas e geradoras de mudança e uma mais valia para a empresa e o desenvolvimento da função em questão.
No presente momento verifica-se que as empresas de Tecnologia e Informação (TI's) são aquelas que estão mais avançadas no processo de recrutamento inclusivo e no recrutamento de pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) mais especificamente. É exemplo disso a Microsoft, Google, Fujitsu, HP, SAP, etc., mas também outras empresas da área como a Auticon que é constituída única e exclusivamente por pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo. Algumas outras empresas na área da Consultoria, Gestão, Engenharia, etc., também têm estado a avançar no processo. As boas práticas tem sido cada vez em maior número e os resultados demonstrados por muitas destas empresas é de que têm aumentado os seus lucros, nível de absentismo e melhoria global da qualidade de vida dos seus colaboradores, sejam autistas ou não autistas. Isto parece ser uma verdadeira situação win-win em que todos têm a ganhar. As residências ainda são muitas mas cada vez mais tendem a não ter argumentos.
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