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Quebrar o gelo

Muitos já terão dito esta frase e inclusive procuraram-na pôr em prática. Ainda que nem sempre bem sucedida, mas não deixa de ser uma boa técnica. E lembrem-se que as coisas não estão totalmente dependente de nós. Quando pensamos em quebrar o gelo, por norma há mais uma pessoa envolvida no processo. E nem sempre essa pessoa está colaborante.


Mas apesar de podermos usar os afamados desbloqueadores de conversa que o Nuno Markl nos trouxe. Tantas outras vezes muitos não se sentem capazes de os pôr em prática, até porque não sentem que tenha uma auto-eficácia percebida capaz para o fazer. Entre outras questões. E no caso das pessoas autistas as situações sociais são vividas com um nível de ansiedade aumentado e em muitas sentem que não têm um guião social para desempenhar.


Uma estratégia que ainda vai sendo usada por muitas pessoas, sejam fora mas também dentro do Espectro do Autismo é a utilização do álcool. Ou seja, o consumo de álcool é visto como um desinibidor do comportamento. E apesar de não fornecer à pessoa competências sociais, vai poder levar a que esta possa não estar tão ansiosa e preocupada com a sua actuação, ao ponto de conseguir pôr em prática o seu guião social.


Depois de duas ou três cervejas já ninguém me trava, diz o João (nome fictício). Antes de ir para a discoteca bebo cerca de meia garrafa de vodka e só assim é que consigo, diz a Andreia (nome fictício). Estas e muitas outras frases já foram ditas e/ou ouvidas por muitos de nós. E no Espectro do Autismo também se vão igualmente ouvindo.


Mas é preciso igualmente ir falando acerca daquilo que são as consequências derivadas destes mesmos comportamentos ao longo de um determinado período de tempo. E do impacto que estes têm na saúde física e psicológica da pessoa. Mas também é fundamental poder compreender o significado que este comportamento tem para a pessoa, assim como quais os preditores psicológicos que podem estar na base destes mesmos comportamentos até para podermos intervir com mais precocidade, rapidez e eficiência nestes fenómenos.


E se formos escutar a informação divulgada pela SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, ficamos com a noção de haver variáveis suficientes para nos preocuparmos todos. Por exemplo, de 2015 para 2018 observou-se um aumento de 11,9 litros para 12 litros de álcool consumido. Sendo que os homens consomem cerca de 19,4 litros e as mulheres 5,6 litros. E chamo a atenção de que estamos a falar de pessoas com idades igual ou superior a 15 anos.


Considerando que a filiação social tem um papel significativo a desempenhar no uso de álcool, os problemas de saúde mental que incluem depressão e ansiedade são provavelmente implicados no uso indevido na população em geral, onde o álcool pode tornar-se uma estratégia de lidar com tais problemas. Mas também é sabido que os níveis de ansiedade e depressão nas pessoas autistas é bastante significativo, acima inclusive do observado na população em geral.


Enquanto o consumo de álcool entre a população em geral é amplamente documentado e estudado, pouco se sabe sobre o uso de álcool em pessoas autistas. O consumo de álcool tem sido historicamente considerado raro entre adultos autistas. Sendo assumido que o facto de haver determinado conjunto de dificuldades nas pessoas autistas em contexto social. E como tal de terem menor contacto social, então são um grupo de pessoas menos propensas ao consumo de álcool. Assim como o facto de algumas pessoas autistas apresentarem maior rigidez e inflexibilidade de pensamentos e comportamentos. Também por isso se pensa que poderão haver mais pessoas autistas a recusar o consumo de álcool. Contudo, também se tem verificado que o facto da pessoa autista não sair com determinada frequência, isso não significa que não faça determinados consumos de álcool. Sendo que mesmo se pode aplicar a qualquer outra pessoa. Além disso, o padrão de comportamento mais rígido também pode funcionar como factor de manutenção do comportamento de consumo. Tal como em muitas outras situações é fundamental poder compreender melhor estes e outros fenómenos no autismo. Mas pensar que as problemáticas presentes na Sociedade afectam de forma muito semelhante todos nós, e como tal será importante estar atento.


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