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Foto do escritorpedrorodrigues

Prova cega

Quando pensamos em determinados produtos tendemos a associar a um determinado pais ou região. Por exemplo, se pensarmos em pizza, Itália é um dos primeiros nomes que nos ocorre. Da mesma forma que se disserem sopa da pedra nos irá fazer lembrar de Almeirim. Não é uma ciência exacta mas ocorre com determinada prevalência. O mesmo se pensou em 1976 quando se realizou a histórica prova cega de vinhos em Paris e que para surpresa de todos os presentes, os vinhos do vale da Napa (Califórnia) superaram os vinhos franceses. Quando pensamos na Perturbação do Espectro do Autismo também é comum muitos de nós associarmos à ideia das pessoas autistas serem contra a utilização de substâncias psicoactivas ou álcool. Seja porque pensam que os odores associados a estas substâncias provocam uma sensação negativa e de repulsa nas pessoas autistas. Ou porque pensam em alguns relatos conhecidos de algumas pessoas autistas que referem não compreender porque é que as pessoas, normalmente jovens vão para as festas para se embriagar e fumar. O certo é que na prática clínica observarmos com determinada frequência a utilização abusiva de álcool em pessoas autistas ou que apresentam traços do Espectro do Autismo e que não têm o diagnóstico. E isto parece ocorrer principalmente quando pensamos em pessoas adultas com idades a partir dos 40 anos de idade e que se encontram no Espectro do Autismo mais funcional. Não é novidade, inclusive em pessoas com outras condições como por exemplo com Perturbação de Ansiedade Social, a utilização do álcool como mecanismo de desinibição em contexto social. A minha ansiedade sempre existiu, refere Paulo (nome fictício). Fosse em criança quando estava na escola, mesmo com as coisas mais pequenas. Mas também na adolescência quando estava em situações de grupo, a ansiedade esteve sempre lá, continua. É como ter uma dor de barriga sempre constante, as mãos molhadas do suor, um calor estranho que invade o nosso corpo e os pensamos todos numa velocidade vertiginosa, refere. Foi na adolescência que descobri o álcool. Sempre houve determinadas fragrâncias que me atraíram, principalmente as adocicadas. O primeiro golo que dei parecia ser o néctar mais incrível que alguma vez tinha provado, refere. Naquele dia perdi a conta dos golos que dei. As pessoas que ali estavam comigo diziam-me que nunca tinha visto ninguém a beber como eu. Eu não percebia o que isso queria dizer, mas pensei que seria uma coisa fantástica. E normalmente as pessoas não me diziam coisas fantásticas, acrescenta. O meu corpo começou a ficar mole. Normalmente estava tenso. Sei disso porque sempre me doeu os músculos devido a toda esta minha rigidez. E as pessoas diziam que eu parecia um robot a andar, ainda que não percebessem que era devido à minha rigidez muscular. A sensação de descontração foi única, singular. Ainda hoje me consigo recordar dessa primeira sensação, diz olhando para o chão com alguma vergonha. Foi como se tivesse visto o mar pela primeira vez, diz. Na altura não sabia de nada acerca do meu autismo. Na verdade na altura não sabia de grande coisa a não ser dos meus interesses e de que gostava que os outros pudessem deixar que eu andasse perto deles. Aquela sensação boa foi de tal forma que continuei, continuei e não parei, refere apertando as mãos ao mesmo tempo. As quantidades foram aumentando e a descontração foi continuando até determinado momento. Mas depois começaram a surgir outras coisas, outras sensações. No dia seguinte sentia-me afundado, mais do que o meu normal. Mas ninguém notava. Eu já era essa pessoa normalmente. Mais fechada, mais reservada, tímida, pouco conversadora e que não partilhava quase nada com os outros. E por isso as pessoas não devem ter desconfiado de que este afundar na verdade era o efeito secundário dos sintomas depressivos. Fiquei mais tarde a saber que o consumo de álcool em excesso provoca estas sensações porque é um depressor do Sistema Nervoso Central. Mas eu naquela altura parecia apenas saber que a forma de combater toda aquela situação era continuar a beber. Parecia não ter outra solução. Facto que as pessoas pareciam não desconfiar visto que em muitas outras coisas eu também costumava fazer algumas coisas sempre da mesma forma. Chamavam-lhe teimosia. Por isso também não pareciam estranhar. Vim mais tarde a perceber que o facto de ter maiores dificuldades em encontrar soluções diferentes para as situações da vida tem a ver com a minha dificuldade ao nível das funções executivas e que isso é algo que ocorre com determinada frequência na Perturbação do Espectro do Autismo. Assim como a minha teimosia, que afinal tem a ver com a minha rigidez comportamental e inflexibilidade cognitiva e que isso também tem a ver com o meu diagnóstico e que na verdade me confere uma sensação de segurança e de previsibilidade na vida. Mas que quando associado a esta questão do álcool tornou-se uma situação bastante complicada. A minha vida começou a desabar. E as pessoas também pareciam não notar, até porque a minha vida sempre pareceu um projecto algo estranho. Foi no seguimento do meu diagnóstico de autismo que apenas aconteceu aos 34 anos é que percebi que tinha um problema com o álcool, conclui.


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