Muitos daqueles que já conduziram um veículo conhecerão este conceito - ponto cego. É usado para designar partes externas do veículo que o condutor tem visibilidade muito reduzida ou não tem qualquer visibilidade. Sendo importante antes de iniciar a marcha poder ajustar os retrovisores externos e internos para obter uma melhor visibilidade. Também por isso muitos já passaram pela experiência de afirmarem que não havia nenhum veículo a ultrapassa-los quando de repente o foram, causando grande susto ou até risco de acidente, certo? Muitas vezes nas experiência de vida de todos nós também encontramos evidência deste ponto cego. Afirmamos com grande certeza termos visto ou ouvido determinado fenómeno e insistimos em determinadas ideias sendo que algumas delas foram sendo construídas em cima de algum enviesamento. No Espectro do Autismo isto tende a acontecer com determinada frequência. Principalmente porque continua a haver vários pontos cegos que não conseguimos ainda visualizar e como tal não os conseguimos ainda compreender. Mas também porque não parecemos estar a ajustas os retrovisores externos e internos quando navegamos no autismo. Uma destas situações é o facto de irmos observando um número significativo de casos de pessoas autistas e que apresentam impacto significativo devido à sintomatologia depressiva apresentada. Podemos sempre pensar que muitas das características presentes na pessoa autista e as várias experiências traumáticas vividas ao longo da vida podem levar a determinar a existência desta sintomatologia. Mas também podemos pensar que devido à existência de inúmeras comorbilidades psiquiátricas presentes no Espectro do Autismo, a Depressão é uma delas. Contudo, são vários os clínicos e investigadores que se têm procurado debruçar ao longo destes últimos anos sobre a presença de outras explicações possíveis. Às vezes trabalho com adultos que não conseguem expressar em palavras os seus sentimentos e pensamentos. Não é que eles não queiram - é mais porque eles não sabem como. Aquilo que na literatura vai sendo designado de cegueira emocional (trad. emocional blindness) e que encontra a sua expressão clínica no termo Alexitimia, definida como a incapacidade de reconhecer emoções e as suas subtilezas e texturas. A Alexitimia é um grande obstáculo para a capacidade de uma pessoa de conhecer a sua própria experiência ou compreender as complexidades do que os outros sentem e pensam. Alguns dos exemplos possíveis de observar numa pessoa que apresente esta característica são: dificuldade em identificar diferentes tipos de sentimentos; compreensão limitada do que causa os sentimentos; dificuldade em expressar sentimentos e em reconhecer pistas faciais de outras pessoas; imaginação limitada ou com características de maior rigidez; estilo restrito ao nível do processamento do pensamento; hipersensível a sensações físicas; sensação de maior desligamento das outras pessoas. Ao fazer uma leitura rápida destes exemplos muitos ficarão com impressão de estarmos a falar de uma pessoa autista, certo? Ou de uma pessoa autista e que apresenta em co-ocorrência uma depressão, correcto? O certo é que a depressão é um quadro clínico que ocorre com maior frequência na população em geral e o mesmo acontece também na Perturbação do Espectro do Autismo. Assim como a Alexitimia que verificamos existir com determinada frequência nas pessoas autistas. Alexandra (nome fictício) acaba de tirar mais algumas fotografias do seu rosto. Montou uma laboratório de fotografia em casa. Não foi difícil visto ter sido um dos seus principais interesses ao longo da vida. Já lá vão vinte e cinco anos desde que recebeu a primeira máquina fotográfica. Na altura tinha cinco anos e tinha insistido durante três dias seguidos depois de ter visto a máquina na loja onde os pais costumavam ir para revelar as suas fotografias. Desde então Alexandra nunca mais deixou a máquina, seja aquela que lhe foi oferecida aos cinco anos e todas as outras que foi adquirindo. Sempre tive um interesse especial por rostos, refere Alexandra quando lhe pergunto qual o seu maior interesse na fotografia. Em criança estavam sempre a perguntar-me se eu não percebia as pessoas! E quando perguntei como queriam que soubessem, disseram-me que bastava olhar para a cara das pessoas! Passei anos a procurar perceber o que as caras das pessoas podiam querer significar, acrescenta. Fui coleccionando fotografias de algumas pessoas. Umas conhecidas como o meu irmão e os meus pais, mas também de outras pessoas estranhas. Sempre que as revelava procurava escrever o que tinha acontecido naquela situação. Ainda hoje continuo sem compreender o meu irmão. A partir de certa altura pensei que podia aplicar o mesmo método a mim. Principalmente para saber como me sentia. Continuava a escrever o que tinha acontecido e acrescentava o que se passava no meu corpo. Tinha fotografias de quando o meu coração batia mais rápido. Ou de quando o meu estômago estava mais apertado. Ia juntando todas aqueles que podiam estar na mesma categoria. Foi a única forma que consegui para dar algum sentido aquilo que ia acontecendo no meu mundo, desabafa.
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