Pratiquei vários anos atletismo e dentro deste várias modalidades. Lembro-me que a prova de 4 x 400 metros estafetas era complexa. Não somente pela velocidade imprimida, mas também pela necessidade de trabalho em equipa e mestria na entrega do testemunho. Foram várias as vezes que treinei até alcançar uma certa proficiência, ainda que até lá o tenha deixado cair várias vezes. Anos mais tarde penso novamente nisso mais em relação a outra questão com igual complexidade - o planeamento do processo de transição da pessoa com Perturbação do Espectro do Autismo para a vida adulta. E se muitos pensam que isso pode começar aos 18 anos, experimente treinar apenas algumas vezes e fazer uma prova de estafetas. Não aconselho, seja por causa da cãibras na prova mas também pela probabilidade de insucesso no processo de transição. Aqui ficam algumas ideias para uma melhor prática. Aproveite aquelas que lhe fizer mais sentido e proponha você próprio algumas outras. A corrida é você que a vai ter de fazer, ainda que nós estejamos cá para o acompanhar.
Como alguém que acompanha jovens adultos e adultos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) esta questão do processo de transição é uma constante. Ainda que possa correr em tempos diferentes consoante estejamos a falar da perspectiva dos pais, dos próprios, professores, técnicos ou Instituições. Pensar nesta transição não envolve apenas o pensar no curso que vai tirar ou universidade a escolher. Há muitas outras angústias envolvidas. Nomeadamente o sentir que os filhos se vão tornar adultos um destes dias é uma sensação avassaladora. E adicionalmente a isto a angustia aumenta exponencialmente quando adicionamos a pergunta - O que o futuro lhes reserva? Quais as opções de emprego disponíveis? Quais as opções de ensino superior que estarão acessíveis? Que apoios existem para jovens adultos e adultos autistas? Eles virão a ser autónomos e independentes? Esta corrida de 4 x 400 metros estafetas parece nunca mais ter fim.
Há muito para se pensar e preparar, mas com as orientações e o planeamento certos, a transição para a vida adulta será muito mais fácil e, o mais importante, com o maior sucesso possível e que vai ao encontro do projecto de vida do próprio. Há muitas ressalvas que sinto serem importantes aqui fazer. Começo por dizer que a palavra sucesso parece ser grandemente distorcida e vista exclusivamente por um prisma quando a mesma tem vários. Com sucesso não tem necessariamente de significar que a pessoa tenha que frequentar o ensino superior ou tirar determinado curso especifico. Ainda que frequentar o ensino superior é uma garantia de maior sucesso e preparação da pessoa para o mercado de trabalho. Mas a frequência de um curso profissional adaptado à pessoa e ao mercado de trabalho também o pode ser. E aqui é fundamental o envolvimento do próprio no planeamento do projecto de vida. E deixar de uma vez por todas a ideia de que são crianças ou jovens e que como tal não pensam nisso. Ou de que o facto de serem do Espectro do Autismo é preciso fazer todo um conjunto de escolher por si e que não serão capazes. Por último gostaria de chamar a atenção que uma transição para a vida adulta mais fácil não significa que a vida vai ser um mar de rosas e que não existirá dificuldades. Porque haverá, elas sempre lá estiveram e vão continuar, na vida de todos nós. E precisamos de estar mais capazes de as conseguir antever, identificar e ter uma estratégia para lhes responder de forma adequada.
Quando falamos com os pais de um jovem com Perturbação do Espectro do Autismo no processo de transição para a vida adulta, a questão que sobrevêm é - Quais são os desafios que podemos vir a ter em frente? E se por um lado devemos ajudar os pais e o próprio a pensar em alguns desafios próprios e específicos à sua pessoa e condição. É fundamental poder dizer que há vários desafios semelhantes na sua vida que terão de ser enfrentados tal com na vida de uma pessoa com um desenvolvimento típico. Quais? Onde é que o meu filho vai morar? Onde é que ele vai trabalhar? E como ele poderá viver uma vida feliz e saudável com significado e propósito?
Como todos os pais nesta circunstância, há uma preocupação legitima que passa por saber quem o irá apoiar e representar no futuro. Mas talvez seja importante ao invés das pessoas se debruçarem sobre os desafios, poderem mergulhar entre a criação de inovação, e formular soluções exclusivas e criar novos caminhos. E tudo isto em conjunto com o próprio jovem. E se o jovem pode não estar envolvido ou apaixonado pela ideia pensem que o mesmo poderá ter um ou mais interesses restritos que podem ser uma base de partida para esta reflexão. Quando muitos pensam em eliminar os interesses restritos a ideia pode passar precisamente pelo oposto - conhecê-los, compreendê-los, reforça-los e apoiar a sua continuidade num projecto mais abrangente.
Frequentemente ouvimos falar daquilo que é designado pelo "penhasco das oportunidade" quando as crianças deixam o sistema escolar. E relembrar que a escola nem sempre é uma jornada fácil para as crianças do Espectro do Autismo e muitas vezes os alunos e os próprios pais sentem-se em luta constante com o próprio sistema. E isto tem um impacto negativo neste processo todo.
As opções do pós escola são um mundo totalmente novo - e é um mundo em constante evolução. Hoje em dia já ouvimos falar que nos próximos 10-15 anos cerca de 50% dos postos de trabalho existente estarão extintos. E ainda esta semana no relatório do HBSC foi referido que há uma percentagem de adolescentes que se sentem descontentes com o sistema escolar. E este desinteresse pode levar a um maior desinvestimento e afastamento deste processo. E é sabido do abandono escolar no final do 11º e 12º ano, precisamente no final do processo de transição. Até o próprio ministro da Educação o reconheceu há dois dias atrás. E no caso das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo? Que futuro lhes é reservado. Sabemos que os apoios que beneficiam até ao final do 12º ano deixam de continuar quando estes transitam para a universidade. Ainda que muitas instituições do ensino superior promovam elas próprias medidas de acompanhamento destes alunos. Mas não há um plano nacional e aplicado de forma generalizada. Muitos destes jovens continuam a ser encaminhados para o ensino profissional, ainda que sejam muitos aqueles que terminam o 12º ano e não continuam. Mas a questão do profissional não tem qualquer problema enquanto resposta formativa. A questão é de que parece não haver um plano e o jovem depois de terminar a sua formação não dá continuidade para a integração no mercado de trabalho. E muito daquilo a que assistimos é a realização de uma catadupa de cursos diferentes e muitas vezes desarticulados entre si. Ou então, a solução passa por assumir que o jovem vai ficar em casa com os pais anos e anos a fim sem apoio.
É importante poder pensar desde cedo, e muitos pais perguntam qual o momento adequado. Eu responderia desde sempre. Mas de uma forma mais concreta a partir dos 13 anos de idade, o que equivale ao 7º ano de escolaridade. É importante poder pensar em várias hipóteses no futuro, nomeadamente o poder trabalhar por conta própria mas também enquanto trabalhador independente/freelancer. Será fundamental poder estudar todo um mundo de hipóteses e em algumas situações poder criar as possibilidades. E para isso é importante pensar na importância de ir fazendo coisas diferentes ao longo da vida, nomeadamente na infância e adolescência. E de preferência ir abandonando a ideia de que as pessoas autistas apenas gostam de fazer um conjunto de coisas restritivas. É fundamental que os adultos autistas e as suas famílias possam também necessitar de ajuda para: entender das diferentes opções, explorar o que lhes agrada e as suas competências e interesses únicos e por tentar coisas diferentes.
Mas e afinal quando é que se deve começar tudo isto. Por norma o 7º ano de escolaridade (13 anos de idade) é uma altura própria para o começar. Até porque o jovem começa a ter competências maturativas, nomeadamente neurológicas para poder pensar sobre determinadas alternativas. E é fundamental que este processo possa ser feito de forma apoiada. Gostava ainda assim de dar a ideia de que este processo não significa uma correria entre as aulas e actividades extra-curriculares sem que o jovem possa ter tempo para descansar, lazer e outras cosias que lhe possam interessar. E as experiências práticas são fundamentais na capacidade dos próprios se apropriarem da representação da situação profissional ou académica. Seja através de estágios ou de voluntariado na comunidade, há um conjunto de possibilidades existentes, estejam já criadas por outras instituições ou então que os próprios pais em conjunto com os pais procuram. E no caso dos pais que trabalham na sua própria empresa é sempre possível poder dar uma oportunidade a que os jovens possam experimentar algumas situações possíveis e que possam desenvolver várias competências. Ou até mesmo nas actividades remuneradas que as câmaras municipais vão desenvolvendo em termos de actividades de monitores na praia, campo ou outras.
Por último, mas não menos importante, poder ouvir sempre o que os filhos dizem sobre o que eles próprios querem para a sua vida. E não ficar apenas pelo grito de angustia de que os jovens só querem ficar em casa a jogar videojogos e que se os deixassem não faziam outra coisa. Nada disso é verdade e vocês sabem!
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