Na vida rapidamente descobrimos que nem tudo se parece resumir a leis fundamentais, tais como as já conhecidas leis de Newton, publicadas no livro Princípios matemáticos da filosofia natural. Assim, sabemos que a força peso é fruto da atração gravitacional estabelecida entre o planeta e um corpo qualquer e tem sempre direção vertical e com sentido para baixo. Poderíamos assim dizer que os dois objectos de peso igual presentes na balança teriam o mesmo efeito, certo? Mas não. Isto porque, muito frequentemente se confunde penso com massa. E a Física explica-nos que são duas coisas completamente diferentes. Tal como na vida de todos nós, o momento difícil que estamos a passar devido à pandemia nos afecta de forma diferente e em alguns de forma muito desequilibrada. Se na Física se sabe que a massa de um corpo está associada à inércia, enquanto que o peso é a força de atração gravitacional que o planeta exerce sobre o objecto. Que lei poderá ser esta que explica que a pandemia afecte mais profunda e gravemente as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA)?
Desde cedo que esta situação de pandemia se ouviu falar do conceito de grupo de risco. Pessoas que devido à sua condição de saúde mais fragilizada, nomeadamente respiratória e ou auto-imune estaria com um risco aumentado durante o período da pandemia. Ou se a pessoa tiver determinada idade, devido à resposta imunitária do seu organismo estar mais debilitada também estaria dentro do referido grupo. Haveria então que desenvolver um conjunto de medidas para proteger estas pessoas. Mas rapidamente a situação se tornou mais complexa atendendo a que o cenário mudou drasticamente. As crianças e os jovens deixaram de ir à Escola porque estas encerraram. Foi aconselhado a que as mesmas não fossem deixadas em casas dos avós por estes pertencerem ao grupo de risco. E os pais procuraram organizar-se para vir um deles para casa. Mas rapidamente a situação para os pais também se alterou porque muitos ficaram em regime de lay-off enquanto outros passaram ao teletrabalho. Assim as famílias passaram a estar confinadas ao espaço casa a procurarem trabalhar e estarem com os seus filhos, que a partir de determinada altura neste processo passaram a ter aulas em videoconferência. Para além da importância de os ajudar a ter uma rotina diária e nessa poder caber os trabalhos académicos.
Poderíamos dizer que estamos todos no mesmo barco. Mas sabemos que tal não é verdade. Estaremos no mesmo mar mas com condições de embarcação diferentes, tais como os vários memes que se reproduziram na internet durante algum tempo. As situações dos profissionais de saúde e de outros que continuam a trabalhar fora de casa, tais como os cantoneiros, policias, bombeiros, etc., não é igual. Muitos vêm-se obrigados a não ir a sua casa com o receio de contaminarem os seus familiares. Ficam privados de estar com a sua família. Para além de estarem sujeitos a um conjunto de situações bastante difíceis no contacto com as pessoas que recorrem aos seus serviços devido a estarem contaminação. Refiro-me especificamente aos profissionais de saúde.
Mas não são apenas estes. Por exemplo, nas situações em que há famílias em que ambos os pais estão em regime de teletrabalho, estar e acompanhar os filhos não é tarefa nada fácil. A informação tem sido difundida largamente pela internet e redes sociais, nomeadamente de como lidar com as situações. E também já tem sido substancialmente referido o impacto que tudo isto está a ter nas famílias. Nomeadamente, devido ao impacto de toda uma flexibilidade em condições únicas que está a ser pedido para fazer. As famílias já o sabiam, mas não o sabiam ainda dentro deste contexto agora vivido. Principalmente num período em que a possibilidade de requisitarem ajuda, seja através do seu grupo familiar mais alargado, os avós ou outros profissionais (e.g., amas) não está neste momento disponível.Mas poderíamos pensar que toda esta situação atingiria as famílias de forma igual, certo? Mas não!
Já tem sido falado que as pessoas com recursos económicos mais baixos antes de toda esta situação têm tido maiores dificuldades. E que os grupos minoritários têm estado a ser mais atingidos por toda esta situação de pandemia. Já o temos observado em outras situações igualmente trágicas que têm acontecido no Mundo.
Mas também há um grupo que tem sido atingido de forma desigual em todo este processo - as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo e as suas famílias. Este tema não é novo e já tem sido abordar em vários momentos da história da humanidade. A forma desigual como as situações de catástrofe atingem as pessoas com deficiência. As situações vividas pelas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo e das pessoas com deficiência de uma forma mais abrangente e das suas famílias tem sido dramática. Desde as crianças mais novas que beneficiavam do apoio ao nível da Intervenção Precoce e que os profissionais se deslocavam a suas casas ou escolas que deixou de acontecer. E que nestes casos tem sido difícil poder implementar o sistema de acompanhamento à distância por videoconferência. Ainda que muitos profissionais e Instituições se tenham desdobrado em criatividade para poder continuar a fazer um trabalho com igual qualidade. Por exemplo, no caso da equipa de Intervenção Precoce no PIN.
Mas poderia ser dito que estas famílias estão sujeitas às mesmas condições que as demais. O que não estão na verdade! É um pouco como a diferenciação na Física entre peso e massa - não são a mesma coisa. É que estas famílias que já estão há muito tempo em sobrecarga e em esgotamento emocional (burnout) está-lhes a ser pedido que façam um esforço adicional e ainda mais flexível para o continuar do acompanhamento dos seus filhos com determinadas necessidades urgentes de ter apoio. Assim, são muitas as situações em que os pais estão a ser ajudados a poder continuar a ajudar de uma forma mais frequente os seus filhos no processo de estimulação. Os pais não se substituem aos profissionais, mas acabam por ser solicitados para intervir também de uma forma diferente e mais adaptada às situações. A questão, entre outras, é que as famílias já estão demasiadamente esgotadas neste processo apresentam muitos sinais de ruptura.
Poder-se-ia dizer, como tem sido referido - este é um período único pelo qual todos nós estamos a passar e como nunca houve igual e como tal pede-se a compreensão de todos para as dificuldades sentidas. A questão é que antes de tudo isto acontecer umas famílias comparativamente às outras partiram em desvantagem. E no caso das famílias com pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo ou com deficiência a desvantagem é abissal. E com tal espera-se que haja uma capacidade de todos nós podermos continuar a dar uma resposta também a estas pessoas e famílias de uma forma diferenciada. E que principalmente isso nos ajude a todos a reflectir o que é preciso continuar a mudar no futuro. É que as leis de Newton vão continuar a vigorar! E estas dificuldades também, se ninguém fizer nada por elas.
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