Quando vamos aos restaurantes da nossa confiança é frequente pedirmos para saber quais são os pratos do dia. Aquilo a que os proprietários chamam de "os especiais do dia". Fazemos isso com a maior das confianças e nunca saímos de lá defraudados. Especiais, da dupla de realizadores franceses, Olivier Nakache e Eric Toledano também é assim. Tanto que assim o foi em Amigos improváveis.
"I I will be king And you You will be queen Though nothing Will drive them away We can beat them Just for one day We can be heroes Just for one day"
Heroes, by David Bowie
Tenho memória que uma das primeiras perguntas que me coloquei quando comecei a trabalhar com adultos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) foi - "Onde estão os adultos autistas?". Esta pergunta, claramente ainda pouco reflectida e do senso comum, gerou um conjunto de outras perguntas - "O que acontece aos adultos autistas?", "Que necessidades têm os adultos autistas?", "Como estão a conseguir dar resposta às várias situações da vida adulta?", "Que obstáculos estão a encontrar?", etc. As perguntas ainda não terminaram e as respostas nem sempre aparecem claras.
Procurei junto da revisão da literatura e verifiquei que há outros que colocam questões semelhantes. Seja investigadores ou profissionais de saúde, pais e os próprios adultos. São muitos aqueles que tendo conhecimento que a Perturbação do Espectro do Autismo é uma condição que acompanha a pessoa ao longo do ciclo de vida e que é possível de diagnosticar na infância leva a pressupor que as pessoas não desaparecem simplesmente. Ainda assim, as perguntas mantém-se. Porque se os adultos autistas não estão na Universidade ou a trabalhar estariam onde!? Mas rapidamente se percebeu que havia cada vez mais pessoas com PEA a chegar à universidade e havia necessidade de compreender os desafios colocados por este à Academia. E de seguida começou-se a perceber que havia também mais pessoas a quererem entrar no mercado de trabalho. E os profissionais de saúde passaram a ter de fornecer uma resposta adequada e adaptada a esta realidade.
Mas nem todas as histórias e percursos de vida são assim tão lineares, apesar de conturbadas. É que no espectro do autismo, associado à própria condição existem outras situações, tais como outras condições psiquiátricas e outras condições psicossociais mais fragilizadas. E os desafios tornam-se rapidamente percepcionados como impossíveis de ultrapassar. Seja pelos próprios, os pais e os próprios profissionais de saúde.
O filme Especiais procura mostrar um pouco dessa realidade. Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb) vivem num mundo diferente durante vinte anos: o mundo das crianças e dos adolescentes autistas. Responsáveis por duas organizações sem fins lucrativos (The Hatch e The Shelter), eles proporcionam formação a jovens de zonas desfavorecidas para que estes possam ser cuidadores em casos extremos recusados por todas as outras instituições. Trata-se de uma parceria excepcional, à margem dos parâmetros tradicionais, para personagens bastante extraordinárias.
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