A entrada no Ensino Superior é o inicio de muitos outros acontecimentos na vida de um jovem. Mas também de algumas saídas. E estas podem ser mais ou menos precoces. Também por isso muitos estudantes universitários referem - foi difícil poder entrar, agora é preciso conseguir sair. Tal como as moedas também os inícios podem ter mais do que uma possibilidade. Como em Jano (do latim Janus), um deus romano das mudanças e transições. A ele está associado a imagem de portas, uma de entrada e outra de saída, tal como as transições. A face dupla de Jano simboliza o passado e o futuro. Tal como desconhecemos muito acerca da mitologia, o mesmo também é verdade acerca da perspectiva dos estudantes universitários com Perturbação do Espectro do Autismo.
Uma das primeiras ideias acerca do estudante do Ensino Superior com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) começa por ser a irrealidade da afirmação. São muitas as pessoas que consideram impossível ou pelo menos muito difícil para que uma pessoa do espectro do autismo possa fazer um curso no Ensino Superior. Ultrapassando este primeiro obstáculo que me parece ser cada vez mais absurdo, podemos hoje afirmar com maior naturalidade que existe um número crescente de jovens com Perturbação do Espectro do Autismo no Ensino Superior. Se tivesse dúvidas disto pensaria nas pessoas que acompanho com este diagnóstico e que estão a frequentar o Ensino Superior em diferentes níveis (1º, 2º ou 3º ciclo) e em diferentes cursos. Desde os cursos de Engenharia e Informática, passando pela Economia, Gestão, Línguas, Psicologia, Direito, Biologia, Marketing, Medicina, Medicina Veterenária, etc. Mas também nas várias universidades de norte a sul do pais e alguns no estrangeiro.
À partida poderíamos pensar que atendendo à minha experiência, a situação dos jovens com Perturbação do Espectro do Autismo que desejam concorrer ao Ensino Superior estaria normalizada, certo? Mas não está? E mais ainda, não sabemos muito bem como está! Ou seja, comparativamente ao que acontece em alguns países, tal como no Reino Unido, a situações dos jovens universitário com PEA não é conhecida. Não há estudos acerca da perspectiva dos próprios acerca da experiência vivida. Há alguns trabalhos acerca da perspectiva dos pais e professores mas não dos próprios jovens.
Se queremos intervir sobre uma determinada realidade como é que poderemos desejar fazê-lo e fazê-lo em condições se não temos um conhecimento mais exacto acerca da forma como as coisas acontecem? Procuramos adaptar boas práticas usadas em outros estabelecimentos do Ensino Superior no estrangeiro cm população do espectro do autismo. No entanto, quer pela dimensão cultural, contextual, legislativa, entre outras, o certo é que a dimensão do impacto do trabalho que vai sendo feito nesta área é ainda aquém do desejado. E principalmente não parece estar a ser adaptado à realidade dos próprios.
Pensa-se que são muitos os alunos, rapazes e raparigas, que concorreram e entraram no Ensino Superior e que nem sequer sabiam na altura que tinham um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Sendo que se suspeita também que muitos deles acabaram por desistir do curso, mudado para outro curso e acabado por desistir da experiência do Ensino Superior. Outros há que acabaram o Ensino Superior. Também existem aqueles que entram no Ensino Superior sabendo do seu diagnóstico mas que procuram ocultar o mesmo com um conjunto de receios em parte associado ao estigma e aos problemas que pensam vir a acontecer se as pessoas souberem.
As dificuldades sentidas por estes jovens no Ensino Superior apenas podemos inferir das próprias experiências que tiveram ao longo do Ensino Obrigatório. Desde as dificuldades na interacção social, passando pelo bullying e a maior dificuldade em conseguir realizar determinadas disciplinas, entre outros. Mas é uma inferência. E eu diria que com uma margem de erro grande. Até porque ao nível desenvolvimental eles e elas já não se encontram na mesma etapa e os recursos que têm disponíveis também são outros. É verdade que as dificuldades e a complexidade de todo um conjunto de variáveis também o é. Mas não o sabemos. Tristemente não o sabemos. E como tal continuamos a ter docentes universitários que pensam que como alguns dos seus alunos apesar das marcadas dificuldades até conseguem ter relações sociais, de amizade ou românticas. Em algumas/muitas disciplinas e trabalhos têm um bom aproveitamento e também conseguem fazer contacto ocular, concluem que não podem ser do Espectro do Autismo.
Precisamos conhecer a experiência vivida pelos próprios jovens universitários Portugueses com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Precisamos para poder demonstrar de uma forma cabal que o número de jovens, rapazes e raparigas com esta condição a concorrer e a entrar no Ensino Superior é cada vez maior. Mas também que há casos de sucesso e podemos perceber como é possível replicar essas mesmas experiências positivas por outros em condições semelhantes. E procurar evitar fazer aquilo que acaba por condicionar o sucesso académico destes jovens. Precisamos de perceber quais os factores que melhor predizem o sucesso e o insucesso para promover politicas ao nível do Ensino Superior e com um impacto bastante mais alargado na vida das pessoas, das suas famílias e da Sociedade. E com tudo isto pensar que estaremos a melhorar a vida de todos os outros jovens estudantes universitários - é o que se pode dizer, sair pela porta grande.
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