Apesar de 2020 ser o ano novo do Rato já irão perceber porque dei este título ao post. A alguns do final do ano de 2019 são muitos aqueles que levam a mão ao bolso para tirar a lista de desejos que fizeram à pressa antes de subirem para a balança após o dia de natal. Mas há um conjunto de pessoas que quando leva a mão aos bolsos tem muitas e muitas listas de desejos escritos. Alguns desejos nem sabe muito bem porque os formulou mas deixou-os escritos pelo sim e pelo não. É o caso da Sophie Lavander e de muitos outros & outras no Espectro do Autismo.
A lista de desejos poderia bem começar da seguinte forma - "No próximo ano gostaria de ter amigos...". Mas o certo é que já tem! Ou então, "No próximo ano gostaria de poder ser capaz de fazer as pessoas sorrir.". Mas já consigo! Talvez pudesse ser, "No próximo ano gostaria de ser capaz de sentir emoções." Mas não há dúvida de que o consigo muito bem e intensamente! Ou antes, "No próximo ano gostaria de ser capaz de fazer coisas fantásticas.". Mas também já fiz! Mas então, o que é que poderia desejar assim de tão importante no próximo ano?
O vídeo da Sophie Lavander é um testemunho do quotidiano de muitas pessoas, crianças, jovens, adultos, homens e mulheres no Espectro do Autismo. Em breves minutos Sophie descreve de forma singular e emocionada um percurso de vida marcado por toda uma intensidade de emoções. Ao ver e rever o testemunho de Sophie tenho a sensação que uma boa transcrição das suas palavras poderiam bem ser um mergulho para um lago. Um lago de águas desconhecidas, frias e sombrias. Mas que depois de mergulhado nos levaria a perceber que o corpo se pode muito bem ambientar e sentir calor e conforto. E que a superfície escura cobre um mundo único de vida no seu interior.
Ao ouvir o testemunho de Sophie poderíamos fazer todo um conjunto de leituras, interpretações, inferências, projecções, etc. E ainda assim sinto que nunca conseguiríamos chegar nem perto daquilo que foram e são as suas vivências. Mesmo enquanto psicólogo não deixamos de ter uma aproximação à experiência vivida da pessoa. Isso mesmo, uma aproximação, ainda que bastante próxima. É assim mesmo. Ainda que em psicologia gostemos muito de avaliar, medir as coisas, os comportamentos, etc. Em psicologia temos muitos testes. Em parte é assim que dizemos conhecer parte da realidade das pessoas. É o caso do teste realizado por Harry Harlow. Façam uma pesquisa no google para conhecerem um pouco mais acerca do teste. Mas no fundo Harlow procurou compreender o impacto da privação materna e social através de várias experiências de separação maternal, dependências e isolamento social com macacos Rhesus.
Nass suas experiências Harlow criou duas mães artificiais, uma feita de arame enquanto outra, também de arame, era forrada com pano felpudo e macio. E observou que os macacos bebés preferiam as mães confortáveis. Esta preferência mantinha-se independentemente de qual a mãe que fornecia alimento. Outras observações mostram que o que estava em causa não era apenas a procura de conforto. O contacto parecia ser essencial ao estabelecimento de uma relação que transmitia segurança. Perante um estímulo gerador de medo, os macacos agarravam-se à mãe macia tal como o fariam a uma mãe real. Este comportamento nunca era observado com as mães de arame, mesmo em macacos criados só com ela. Além disso, perante uma situação com muitos estímulos novos e na presença da mãe confortável, as reações de medo e de se agarrar, rapidamente davam lugar à exploração curiosa dos objetos, com regressos periódicos à mãe para recuperar a segurança. Pelo contrário, na ausência da mãe confortável, os macacos ficavam paralisados pelo medo e não exploravam o ambiente. Isto acontecia também na presença mãe de arame, mesmo em macacos criados sempre na sua presença. Ou seja, uma mãe desconfortável é incapaz de transmitir segurança.
Quando Sophie ouviu falar sobre esta experiência de Harlow sentiu uma enorme ligação e semelhança ao sucedido na experiência com o macaco Rhesus. Também ela sentiu poder confiar em alguém que pensara nunca a desiludir. E afinal por debaixo de uma capa de protecção fofa, afinal não deixava de ser uma estrutura de arame. E poderíamos pensar que o facto de ser uma mulher com Perturbação do Espectro do Autismo e com Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, nunca iria ser capaz de sentir emoções sobre todo o sucedido. Mas não é verdade! E poderíamos também pensar que não seria capaz de falar acerca desta e de outras experiências suas. Mas também não é verdade! Ou ter amigos com quem contar. Mas não é verdade! E nada disto parece ser verdade! Mas há uma coisa que é verdade - a vontade de fazer desejos!
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