O algodão não engana, mas...
- pedrorodrigues
- 26 de set.
- 3 min de leitura
O algodão não engana! é uma frase/jingle conhecido de muitos portugueses devido a um anuncio/publicidade a um produto de limpeza.
Não irei partilhar com vocês nenhuma recente descoberta de uma nova proposta de cura milagrosa para o autismo. Nem muito menos uma dica para aquelas pessoas autistas que possam ter alguma comorbilidade com perturbação obsessivo-compulsiva com rituais de limpeza.
Aquilo que quero partilhar tem a ver com a nova moda de serviços da retirada (de-diagnosing) do diagnóstico de autismo. Isso mesmo, leu bem - serviços clinicos da retirada de diagnóstico de autismo.
Tem havido ultimamente mais pessoas autistas adultas a solicitar junto dos serviços médicos para retirarem o seu diagnóstico de perturbação do espectro do autismo. E porquê? Porque tem havido de forma cada vez mais clara e consciente nas pessoas autistas adultas a percepção, mas também a noção real, de que terem um diagnóstico de perturbação do espectro do autismo é considerado um obstáculo para poderem ter a possibilidade de realizar algo.
Esta iniciativa está a começar de uma forma mais concreta na Suécia. País onde as pessoas com um diagnóstico de PHDA ou PEA não podem cumprir o serviço militar ou de trabalharem como maquinistas de comboios caso não tenha uma declaração médica a atestar essa possibilidade.
Claro que as pessoas ao lerem este texto poderão dizer que isso é na Suécia e não significa que venha a acontecer em outros países. Contudo, quando a isso associamos as recentes campanhas de desinformação americanas apresentadas como descobertas da causa e tratamento para o autismo. Ou dos constantes anúncios das vagas ou epidemias de diagnóstico de autismo. Para além de todo o estigma que ainda hoje persiste em relação ao autismo e dos números de diagnósticos tardios principalmente em pessoas adultas. Talvez todas estas e outras informações não devam ser descuradas como variáveis a serem tidas em conta nestes movimentos sub-reptícios para mudanças no diagnóstico do autismo.
Em Portugal, não é novidade ouvirmos pessoas autistas, mas também os seus pais, perguntarem em determinada altura se o facto de terem o diagnóstico de autismo os irá impedir de fazer algo no futuro. Por exemplo, tenho pessoas autistas jovens adultas, bem como os seus pais, a referirem que não querem ser referenciados para a Educação Inclusiva (de acordo com o Decreto-Lei 54/2018), porque têm a ideia de que isso poderá prejudicar a sua ida para o Ensino Superior. Ou também aqueles que perguntam se o facto de terem o diagnóstico de autismo não lhes irá vedar a possibilidade de tirar a carta de condução, etc. Ou então as pessoas autistas adultas que dizem que não querem ser referenciadas no seu local de trabalho com receio de serem despedidas, etc.
O aumento dos diagnósticos psiquiátricos tem suscitado uma preocupação crescente entre académicos, médicos e decisores políticos sobre os fundamentos epistémicos e as implicações sociais da expansão dos diagnósticos. Os auto-diagnósticos enquanto prática crescente, seja no neurodesenvolvimento, mas também em outras áreas. Onde a disponibilização de questionários para rastreio, sejam eles contruidos para esse efeito e validados cientificamente ou não, são usados de uma forma sem ou com pouco critério. Levando inclusive a pessoas que deixam de procurar um apoio médico ou psicológico especializado tendo em conta que dizem já saber o seu diagnóstico. Ou então a crescente informação sobre os critérios de diagnóstico e outras informações, algumas delas sem validação clinica e/ou cientifica, como por exemplo, o recente "diagnóstico" de AuADHD.
E isto não significa que não existam muitas pessoas autistas por diagnosticar, principalmente pessoas adultas. Ou que as pessoas com esta e outras condições não estejam em sofrimento e a necessitar de uma mudança na forma como se pensa em relação à neurodiversidade e à intervenção clinica a realizar.
A forma como todos nós, pessoas autistas ou não autistas, profissionais de saúde, investigadores, decisores de politicas de saúde, pais, etc., contribumos no quotidiano em relação ao autismo produz alterações na forma como esta condição vai sendo considerada, pensada, diagnosticada, etc. Haverá formas melhores do que outras, e umas que possam respeitar mais ou menos a dignidade e os direitos das pessoas autistas. Formas estas que precisam de continuar a ser asseguradas não obstante as reflexões que vão sendo tidas.

O aumento de casos poderá estar associado ao fato de nós, Autistas, sem saber que o somos, temos maior conexão com quem é como nós. O meu caso reflete isso mesmo. Eu apaixonei -me por uma mulher que também está no espectro, sem sabermos que ambos éramos PEA. Nós não queremos ter filhos por diversas razões mas até podíamos ter… se caso acontecesse, a probabilidade de termos filhos Hard autism era 50%…muito provavelmente só iríamos descobrir que somos PEA, depois de sermos pais e fazermos os testes. Abraço