Mr. Robot
- pedrorodrigues
- 23 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
Spoiler alert - aviso que apesar do título do post não irei falar da série televisiva com o mesmo nome, apesar desta ser altamente recomendada. Contudo, o tema central da série não deixa de ter a ver com o que vou escrever. Na série, Elliot é um engenheiro de segurança com fobia social e que se vê envolvido numa encruzilhada para salvar o mundo das mãos de um grupo de hackers. Esta ideia de que os robots e a Inteligência Artificial (IA) irão ser o fim da humanidade não é novidade. Mas curiosamente, temos sido nós próprios, membros da espécie humana que mais nos temos esforçado para tal. No Espectro do Autismo, os robots e a IA têm sido usados de várias formas. Seja como facilitador no contacto com pessoas com este diagnóstico. Mas também como adjectivo para caracterizar a sua personalidade. Vamos lá espreitar o futuro!

Ainda esta semana foi publicado um artigo pela Academia de Pediatria Americana - "Identification, Evaluation, and Management of Children With Autism Spectrum Disorder" que sublinha a importância da identificação precoce das características do Espectro do Autismo e mesmo quando não há um diagnóstico clinico formal a criança deve ser imediatamente referenciada para acompanhamento. Isto porque, as crianças e jovens com PEA têm várias necessidades e lacunas assinaladas face à resposta dos serviços para intervir nas áreas do comportamento, educação, saúde, lazer, apoio familiar e outras áreas.
A triagem padronizada para a PEA aos 18 e 24 meses de idade com vigilância contínua do desenvolvimento continua a ser recomendada na atenção primária, porque a PEA pode ser diagnosticado a partir dos 18 meses de idade. E é sabido que as intervenções baseadas em evidências podem melhorar algumas funções. São necessárias abordagens de triagem mais precisas e culturalmente sensíveis. Os prestadores de cuidados primários devem estar familiarizados com os critérios de diagnóstico para a PEA, avaliação etiológica apropriada e condições médicas e comportamentais concomitantes (e.g., perturbação do sono e da alimentação, sintomas do tracto gastrointestinal, obesidade, convulsões, PHDA , ansiedade, depressão, etc.) que afectam a função e a qualidade de vida da criança. Existe uma base crescente de evidências para apoiar as intervenções comportamentais e outras para abordar competências e sintomas específicos. A tomada de decisão compartilhada exige a colaboração com as famílias na avaliação e nas escolha das intervenções.
Com o objectivo de melhorar o processo de triagem na PEA, têm sido realizadas tentativas para desenvolver software com um algoritmo capaz de ajudar a tomar melhores decisões na referenciação das pessoas com suspeita de PEA. Ainda que possamos logo pensar que o diagnóstico nas PEA é feito através da observação e é um diagnóstico clinico e como tal não faz sentido pensar em robots, software ou IA a fazer este trabalho, é fundamental perceber o que se pretende com este tipo de sinergias. Em primeiro lugar, o diagnóstico não vai ser feito por "robots". O desenvolvimento destes algoritmos serve o propósito de nos auxiliar neste processo de triagem. Se pensarmos, os pais de crianças com suspeita de PEA e outras condições médicas e psiquiátricas em comorbilidade sabem que o processo clinico do seu filho/a tem a dimensão de uma enciclopédia. São muitos os exames, consultas de diferentes especialidades, mais exames, avaliações atrás de avaliações, etc. Como tal, temos uma amalgama de informação e que nem sempre é partilhada entre serviços ou profissionais. Conseguir abarcar toda essa informação e saber extrair dela informação válida é um desafio. Tarefa essa que um algoritmo pode ajudar-nos.
Um estudo publicado na JAMA Network - "Effect of a Computer-Based Decision Support Intervention on Autism Spectrum Disorder Screening in Pediatric Primary Care Clinics - A Cluster Randomized Clinical Trial" procurou testar esse pressuposto. Para isso procurou comparar a decisão de 2 grupos de dois profissionais de saúde cada para avaliar um grupo de 265 crianças com diagnóstico comprovado de PEA, comparativamente com um software com um algoritmo para avaliar a mesma informação. Os dois grupos de dois profissionais cada não sabiam se as crianças tinham ou não um diagnóstico de PEA e teriam de decidir com base no seu conhecimento. De ressalvar que estes quatro profissionais têm formação especializada em saúde mental e experiência comprovada no espectro do autismo. O resultado do estudo mostrou que cerca de 57% das 265 crianças, ou seja, 151 crianças não foi avaliada como tendo PEA e como tal não foi encaminhada para intervenção precoce.
Este software na realidade foi construído por equipas de profissionais que ao longo destes anos avaliam e acompanham pessoas com PEA. O programa desenvolvido permite num trabalho conjunto com os clínicos tomar uma melhor decisão clinica. Não há ninguém ou máquina a se sobrepor a qualquer um. É um trabalho conjunto desenvolvido em prol da melhoria da qualidade de vida de muitos daquelas que ainda não têm um diagnóstico de PEA ou que o poderão ir receber tardiamente.
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