Entrevista.com
- pedrorodrigues
- há 14 horas
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"Encontre a pessoa mais adequada para a função, não apenas aquela que se sai melhor na entrevista!"
Se a pessoa que está a ler este texto tem 18 ou mais anos, é muito provável que já tenha passado por uma ou mais experiências de entrevista de emprego. E como em qualquer situação que vamos fazer pela primeira vez, e que ainda por cima representa algo com importância, é muito provavel que possamos estar mais anisosos.
Quem é que nos vai entrevistar? Será uma ou mais pessoas? Já ouvi dizer que por vezes pode ser um painel de entrevistadores! E vai ser uma ou mais entrevistas? E será individual ou em grupo? Já ouvi dizer que nos colocal a fazer determinadas coisas? Como serão? Posso treinar alguma coisa para ir melhor preparado? E se ficar nervoso? Ou se eles me perguntarem algo que eu não sei responder? E será que eles vão perceber o meu nervosismo? E devo colocar questões aos entrevistadores? E como é que sei que será a minha vez de falar? As perguntas são tantas quanto a própria diversidade de pessoas e experiências de vida.
Em relação à pergunta - Por que o desemprego é tão elevado entre a população autista? A resposta de muitos, sejam investigadores, mas também profissionais na área dos Recursos Humanos é que uma das principais causas prende-se com a dificuldade da pessoa autista em causar uma boa impressão na entrevista de emprego. Ou seja, a tónica é colocada na pessoa autista como sendo ela a ter as dificuldades. E como tal a ter de ser ela a resolver as suas dificuldades para poder fazer diferente nas entrevistas de emprego. Mas mesmo assim, as pessoas autistas que procuram treinar mais e melhores competências a nível social e de comunicação continuam a ver estas suas dificuldades a serem percebidas como negativas e a não lhes conceder a possibilidade de serem contratadas. Mas isso é colocar o ónus na pessoa autista e não no processo e/ou na própria pessoa que está a fazer o crutamento ou no empregagor. Esse modelo e paradigma, seja na saúde, mas também aqui na área de gestão de recursos humanos já me parece muito desgastado e ultrapassado e a necessitar de uma reflexão e mudança.
E por mais que a pessoa possa treinar, ainda assim parece que as pessoas autistas lutam mais do seria esperado para serem contratadas e passarem o crivo da entrevista de emprego. E como é que os empregadores, assim como os recrutadores, podem ajudar nesta questão mudando a forma como olham para as entrevistas de emprego?
As primeiras impressões são importantes. Elas moldam a forma como somos avaliados em meros segundos. As pessoas são rápidas a avaliar a competência, a simpatia e a honestidade dos outros, muitas vezes baseando-se em indícios superficiais, como a aparência ou a força do aperto de mão. Embora esses julgamentos precipitados possam ser enviesados, eles costumam ter um impacto duradouro. No mundo do trabalho, as primeiras impressões não afectam apenas as escolhas de contratação, mas também as decisões sobre promoções anos mais tarde.
Mas como é que um recrutador, ou qualquer outra pessoa pode ou consegue fazer uma análise dessas a qualquer pessoa apenas pelo aperto de mão? pergunta David (nome fícticio). E quantas vezes falham sem perceber aquilo que fizerm? continua a perguntar? E onde ficam todas as outras coisas importantes que a pessoa têm e faz, para além daquelas que pode vir a aprender a fazer? conclui. David é um jovem adulto autista, tem 27 anos e uma licenciatura em História e já foi a 17 entrevistas de emprego sem ter ficado contratado.
Enquanto pessoa que avalia e acompanha pessoas autistas, vejo todos os dias como é que as primeira impressões podem ser um desafio para pessoas autistas. As pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo frequentemente apresentam comportamentos sociais — como expressões faciais, contato visual, gestos e noção de espaço pessoal — que podem diferir das pessoas não autistas.
Essas diferenças são frequentemente mal interpretadas, levando as pessoas autistas a serem percebidas como estranhas, esquisitas ou até mesmo enganosas. As pessoas formam essas impressões negativas em apenas alguns segundos e relatam relutância em conversar, sair ou até mesmo morar perto de pessoas autistas. Não é surpreendente, portanto, que as primeiras impressões desfavoráveis criem barreiras para pessoas autistas no local de trabalho.
Quer esteja à procura de um cargo como programador informático numa empresa de tecnologia ou como tratador de cães numa clínica veterinária, a entrevista de emprego é uma etapa crucial. O sucesso depende da sua capacidade de pensar rapidamente, comunicar as suas qualificações e apresentar-se de forma simpática, agradável e colegial. E uma boa parte das características descritas neste pequeno e breve paagráfo pode congelar imediatametne uma pessoa autista pois começa a pensar que muitas, senão todas, estas características podem estar ausentes ou diminuidas na sua pessoa. Mas isso não significa que a pessoa não seja competente no desempenho das funções para as quais se está a candidatar. Além de não significar que não possa ser simpática ou agradável. Contudo, a situação em si de entrevista de emprego, por todo um conjunto de condições da própria situação, contexto, pessoas diferentes, maior ausência de controlo, previsibilidade e conhecimento da própria situação (que é sempre única), leva a uma aumento na maior parte das vezes da ansiedade. E esta faz transparecer todo um conjunto de expressões, verbais e não verbais, que leva a que o entrevistador avalie que a pessoa não está à altura do papel ao qual se está a candidatar. E se é recrutador ou gesor de Recursos Humanos não desate a dizer que não é nada disso e que isso não acontece. Até proque a realidade das pessoas autistas demonstra precisamente o contrário. para além de todo um conjunto bem variado de investigações que tem demonstrado que os recrutadores quando têm conhecimento da pessoa que estão a entrevistar é autista tendencialmente avaliam como mais negativa. E quando após essa situação de recrutamento vão avaliar as entrevistas por escrito dos candidatos sem saber se eles são ou não pessoas autistas, acabam por avaliar as entrevistas de pessoas autistas como mais positivas. Como tal, parece-me fundamental que todo o processo de recrutamento e a forma como se pensa o autismo e as pessoas autistas possa mudar, para que também possa criar mudança na realidade das pessoas autistas e no funcionamento das Organizações.
Uma abordagem mais eficaz pode ser alterar a forma como as entrevistas são conduzidas e como os candidatos são percebidos. Isso inclui fornecer aos empregadores informações significativas sobre o autismo e oferecer aos candidatos a emprego uma maneira de revelar o seu diagnóstico sem penalização. Estudos mostram que quando as pessoas sabem mais sobre a sua condição, elas têm uma visão mais positiva das pessoas autistas. Além disso, as avaliações das pessoas autistas costumam ser mais favoráveis quando os avaliadores têm conhecimento do diagnóstico. Combinar essas duas abordagens, ou seja, oferecer educação sobre o autismo aos empregadores e permitir que os candidatos divulguem seu diagnóstico, pode levar a melhores resultados.
Mas não só. No próprio processo de recrutamento e na entrevista de emprego propriamente dita, há adaptações que podem desde já ser pensadas e implementadas. Como por exemplo, a já habitual pergunta - Fale-me um pouco sobre si ou Gostaria de lhe pedir que se apresentasse brevemente ser alterada para: Quais são as suas melhores características pessoais? Qual é a sua formação académica? ou Qual é a sua experiência profissional? Ou então, a pergunta - Quais são alguns dos seus pontos fortes? ou Gostaria de perguntar sobre os seus pontos fortes. Poder optar por: O que considera serem os seus principais pontos fortes (coisas em que é bom)? Como tem utilizado esses pontos fortes no trabalho? E em relação à questão - Qual é a sua experiência em gerir cargas de trabalho elevadas? Pense num exemplo em que teve muitas tarefas para concluir num período de tempo limitado. E poder solicitar à pessoa que indique Qual era a situação? Que estratégias de gestão utilizou? E se elas foram eficazes. Atendendo a que a relação entre os colegas é um aspecto importante a sondar com os candidatos, as questões que surgem na entrevista podem ser - Conte-me sobre uma ocasião em que discordou de um colega – como lidou com a situação? Poder ser ao invés disso ser perguntado: Pense em uma ocasião em que discordou de um colega; Por favor, responda: Sobre o que foi a discordância? O que fez para resolver a situação? O que o colega fez para resolver a situação? E ao invés de perguntar - É bom a resolver problemas? Pergunte, Pense num exemplo de uma ocasião em que resolveu um problema no trabalho. Por favor, diga-me: Em primeiro lugar, qual era o problema? O que fez para resolver esse problema? Qual foi o resultado final? O que aprendeu com essa experiência? Ou seja, muito do que se verifica aqui nestas perguntas e nas possibilidades de questões colocadas ao candidato com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo é de serem mais objectivas e concretas.
E como tal, antes da entrevista com uma pessoa autistas, é fundamental: i) Forneça ao candidato instruções claras sobre como confirmar a sua presença; ii) Junte instruções sobre como chegar ao local da entrevista, com informações facilmente visíveis sobre a data e a hora da entrevista; iii) Forneça informações sobre o que esperar da entrevista, incluindo: Quantas pessoas estarão presentes na entrevista?, Quanto tempo durará a entrevista?, Quando o candidato selecionado será informado? Mas também, e se possível, forneça a lista de perguntas da entrevista para ajudar o candidato a se preparar. Permita que o candidato traga material pré-escrito, como um CV, para referência na entrevista, e informe-o sobre isso com antecedência. Também se possivel, permita que o candidato traga uma pessoa para ajudá-lo a se expressar na entrevista.
Durante a entrevista de emprego, é vital lembrar-se de que o autismo afecta as competências sociais e verbais de uma pessoa e que a falta de competências na entrevista pode não ser um indicador verdadeiro de sua capacidade de realizar bem o trabalho. Recordar que a linguagem corporal do entrevistado pode não corresponder às normas sociais convencionais, e parecer distante não significa necessariamente que ele esteja desinteressado ou desmotivado. Assim como o facto de muitas pessoas autistas terem um contacto visual incomum, e de não fazermos suposições incorretas sobre isso. Evite conversas sociais no início e no final da entrevista. No início da entrevista, explicar o processo, o número de perguntas e as suas expectativas em relação ao candidato. Tal como já tinha sido referido anteriormente, evite perguntas muito gerais, substituindo por perguntas específicas. Faça perguntas directamente relacionadas ao trabalho. Evite perguntas hipotéticas como «o que faria se...», em vez disso, baseie as perguntas nas experiências individuais «descreva como...». Não utilize linguagem figurativa, expressões idiomáticas ou metáforas. Dê ao candidato tempo extra para processar as suas perguntas antes de responder. Faça perguntas únicas, evite perguntas ligadas ou perguntas em duas partes feitas em conjunto. Forneça as perguntas por escrito para ajudar o indivíduo a manter-se no caminho certo. Esteja preparado para solicitar ao entrevistado que forneça mais informações. Indique o tempo disponível para as respostas, por exemplo, esperamos que você gaste cerca de 3 minutos para responder a esta pergunta. Sendo que este exemplo especifico, assim como outros anteriores, poderá não ser indicado visto que pode causar um aumento da ansiedade. Esteja preparado para informar educadamente ao entrevistado que ele já falou o suficiente e evite sarcasmo e linguagem figurativa.
Após a entrevista e no final da entrevista, evite conversas sociais excessivas, qual o prazo em que o candidato selecionado será notificado, assim como será o processo para os candidatos não seleccionados e quais as possíveis vagas futuras que possam ser do seu interesse.
Não obstante algumas destas orientações e propostas sentimos que é importante uma mudança da forma de pensar sobre o autismo e a pessoa autista ao longo da vida. Até porque percebemos que várias destas propostas podem não ser possíveis de adaptar e implementar com determinada pessoa autista. E com isso podermos pensar que não é um processo que tenha de ser somente a pessoa autista a fazer as alterações e adaptações. As Organizações e empresas ou profissionais responsáveis pelo recrutamento de pessoas necessitam de continuar a pensar nas diferenças presentes em qualquer um de nós e de como elas podem ser compreendidas e integradas.

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