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Enquanto espero o meu diagnóstico

A Ester (nome fictício) de 76 anos entrou para a reforma há 8 anos. Foi enfermeira uma vida inteira. Cuidei de todos, menos a mim! diz enquanto olha lá para fora da janela. Nunca compreendi este transito todo! continua. Assim como nunca compreendi porque as pessoas não ficam um pouco mais de tempo num determinado sitio! diz. Assim como nunca percebi porque estão constantemente a falar. E numa grande parte das vezes parece que não falam de nada importante ou interessante! acrescenta. Nunca tira o olhar da janela. E o lugar lá fora para o qual olha parece ser o mesmo. Mas é como se a Ester conseguisse naquele ponto para onde olha concentrar toda a vida a passar por ali. Nunca percebi porque é que as pessoas parecem combater-se constantemente. Seja na rua, mas também nas famílias, escola ou no trabalho, diz. A andarem na rua parecem que se chocam constantemente, assim como parecem não saber o sitio por onde andar e respeitar o lugar dos outros. É assim na rua, mas também me parece que sempre foi assim em qualquer lado, e eu não percebo porquê! suspira. Nunca percebi porque simplesmente não falam as coisas de uma forma clara e serena. Sem terem de estar a gritar ou mal dizer sobre o que acham que os outros estão a fazer pensando que estão a fazer o seu melhor! avança. E mesmo quando somos crianças e aquilo que mais precisamos é de ser compreendidos e protegidos, os adultos gritam sistematicamente connosco e parecem não se cansar de dizerem que fazemos isto e aquilo errados, com a ideia de que estão a fazer o melhor por nós! Simplesmente não compreendo! volta a referir. Assim como nunca compreendi esta minha tristeza dentro de mim. Como se fizesse parte da minha pele e de tudo o que está debaixo dela! acrescenta. Ou a minha ansiedade. Mesmo com as coisas mais estúpidas e insignificantes da vida! Nunca percebi! refere. Nunca percebi que me dissessem que era depressão e ansiedade e que esperassem que isso fosse suficiente para mim! Nunca percebi que as pessoas, nomeadamente colegas meus de profissão achassem que eu é que era a chata e insistente e que me deveria contentar com os diagnósticos que já me tinham dado. E simplesmente fazer aquilo que os médicos e psicólogos disseram para fazer! Não compreendo! volta a suspirar.


Ainda hoje não compreendo! continua. Ainda hoje, apesar de sentir que há mais qualquer coisas que me haveria de ajudar a melhor compreender tudo isto e principalmente a mim, ainda não alcancei. Não sei se alguma vez o irei conseguir. Talvez morra primeiro antes de o ter. Mas ainda assim quero sentir que fiz por mim aquilo que penso ser o que me faz mais sentido - procurar compreender! remata. Eu quero compreender-me. E compreender os outros. O Mundo e tudo aquilo que cabe dentro dele. Percebe? pergunta-me de forma retórica.


Sempre expliquei a todas as pessoas que tratei na vida enquanto enfermeira aquilo que se passava com eles, o porquê, e de como eles deveriam proceder, refere. Eles tinha um determinado diagnóstico, ou mais do que um, e eu procura ajuda-los a melhor se compreenderem com aqueles diagnóstico. Sentirem que não eram os únicos e que poderiam fazer algo acerca da sua vida e dos seus sintomas e sofrimento. Mas perceberem porque é que aquilo lhes aconteceu, apareceu ou outra coisa qualquer a eles. Ajuda-los a compreender, a se compreenderem! Compreende? pergunta-me novamente de forma retórica. Tentei fazer isso em toda a minha vida, mesmo quando ainda não era enfermeira, e mesmo nestes últimos anos anos em que estou reformada. Procurei fazer isso em casa com a minha família, e depois na escola com os meus colegas e professores. Bem como na faculdade. Bem sei que tentei, mas haviam muitas pessoas que simplesmente pareciam não querer saber dessa tentativa de compreender. E eu não insistia, apesar de não compreender porque não queriam saber! refere. Era apenas uma outra explicação. Para mim era a única explicação, mas para eles poderia ser mais uma outra, e que talvez pudesse ajudar. Mas não! Simplesmente não queriam saber! conclui.


 
 
 

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