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Eu ainda sou do tempo

Tinha 15 anos em 1990. Estava em plena adolescência. A 11 de fevereiro Nelson Mandela era libertado, enquanto que a 24 de abril a Discovery colocava no espaço o telescópio Hubble. A 2 de agosto o Iraque invade o Kuwait naquilo que iria ficar conhecido como Guerra do Golfo. E a 2 de setembro morreu John Bowlby. Tudo isto no mesmo ano. Enquanto isso eu transitava para o Ensino Secundário e mudava de Escola. Apesar de todas estas efemérides a vida de todos nós foi acontecendo. E apesar de haver períodos mais marcantes que outros, basta pensar no nosso momento actual. Ainda assim, a nossa história é contada ao logo de um período maior de tempo. E quando pensamos nas pessoas autistas, que histórias contam estas pessoas? E quais os caminhos que eles têm percorrido? Roads? Where we're going we don't need... roads!

O Tiago (nome fictício) foi diagnosticado com Síndrome de Asperger aos 6 anos. Corria o ano de 1995. Feitas as contas o Tiago nasceu em 1989 e vai celebrar os seus 31 anos em outubro deste ano. Em 1995 foi o ano em que eu entrei para a Universidade. Mas isso agora não interessa. Em relação ao Tiago, faz ideia do que lhe aconteceu? E de como é que ele está agora? E a fazer o quê?


Vamos fazer um exercício. Vou deixar aqui neste post umas quantas linhas em branco para que antes de você continuar a ler possa escrever um breve resumo do que pensa ter sido a história do Tiago até então e depois leia o que vem a seguir. Faça esse exercício, será importante para todos nós.


Ao longo destes anos a vida do Tiago tem (agora complete você a história).... _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ .


Muitos de nós profissionais de saúde acompanhamos as pessoas durante algum tempo. E no Espectro do Autismo, este tempo pode ser mais estendido. Por exemplo, no caso do Tiago, diagnosticado aos 6 anos de idade, foi acompanhado até perto dos 19 anos. Mas depois este algum tempo sem acompanhamento e voltou por volta dos 29 anos de idade, sendo que este ano vai fazer 31. Ainda assim, há todo um período fundamental da sua vida que desconhecemos, mais precisamente 10 anos. Mas mesmo assim, apesar do Tiago ter sido acompanhado 13 anos há informação que os profissionais de saúde não tiveram acesso. Ou que pelo menos não tiveram acesso como outras pessoas, nomeadamente os seus pais tiveram, ou o próprio Tiago. E o mesmo se pode dizer dos seus pais, que apesar do acompanharem desde sempre e ainda o fazerem na actualidade, há coisas que lhes escapa. Seja porque não estão em determinados contextos onde o Tiago está, ou porque o Tiago prefere não contar certas coisas, até porque tem direito à sua vida pessoal.


Mas ainda assim, como terá sido a vida do Tiago até então? Se recuarmos um pouco até 1943, altura em que muito de nós nem sequer tinha nascido, a questão do autismo era tratada de forma diferente. E porque voltar tanto tempo atrás? Porque a história que contamos hoje também está intimamente relacionada com o desenvolvimento desta outra história. Sempre o esteve, e não é apenas no autismo. Hans Asperger, descrevia na altura uma Psicopatia Autista na infância, e o autismo passou a ser composto composto de um enigmática perturbação neurocomportamental que geralmente se tornam aparente no início da infância e persiste como um conjunto de incapacidade ao longo do ciclo de vida. O

Manual Diagnóstico da American Psychiatric Association considerou o autismo diferente em cada das suas cinco edições. No DSM I (1952), o autismo foi classificado como o tipo infantil de reação esquizofrénica. No DSM II (1968) não usou o termo autismo, mas considerou “autista, atípico e comportamento retraído ”como manifestação pré-púbere da esquizofrenia. E no DSM III (1980) e DSM III-R (1987) forneceu critérios de diagnóstico para o autismo infantil. Sendo que no DSM IV (1994) e DSM-IVR (2000) foram considerados Perturbação Autistica e Síndrome de Asperger separadamente como dois dos cinco Perturbações do desenvolvimento. E hoje no DSM-5 (2013) foi aglomerado a Perturbação Autista, Síndrome de Asperger e Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento, sem outra especificação, sob a rubrica de Perturbação do Espectro do Autismo.


Cento e cinquenta e três (153) homens e trinta e quatro (34) mulheres, todos autistas. Na altura em que começaram a participar num projecto que os seguiu durante 20 anos num projecto de investigação cientifica, 62 (33%) tinham entre os 3 e os 5 anos, 66 (35%) tinham entre 6 e 10 anos, 43 (23%) tinham idades entre 11 e 15 anos e 16 (9%) tinham entre 16 e 21 anos. Vinte e dois irmãos dos 187 participantes (12%) apresentavam igualmente um diagnóstico de autismo, outros problemas de saúde mental e outros traços comportamentais. A média da idade dos pais à nascença dos filhos estava nos 29 anos de idade. O crescimento pré-natal foi normativo em praticamente o total da amostra (85%). Uma percentagem significativa dos participantes realizou Terapia da Fala (76%), sendo que a duração deste esteve entre o mínimo de cinco anos até um limite de nove anos. 49% realizou Terapia Ocupacional que variou entre um período de seis meses a trinta anos. 25% realizou ABA entre três meses a trinta anos. 57% terminaram o Ensino Secundário e 8% a Faculdade. 20% apresenta um quadro de epilepsia. 70% continua a viver de forma dependente em casa com os seus pais e 20.6% em apartamentos de integração na comunidade. 37% refere não ter nenhuma experiência profissional e apenas 24% sentia conseguir aguentar um emprego. Apenas 9.5% consegue lidar de forma capaz com dinheiro. 12,5% expressou aos seus pais a intenção de casar.


Talvez a amalgama de dados apresentados anteriormente nos leve a pensar no que poderá ter acontecido ao Tiago ao longo destes anos. As terapias foram sendo desdobradas ao longo do tempo, e isto é algo que acontece com muita frequências neste grupo. E com alguma frequência acontece que há uma desistência da intervenção. Esta situação tende a ocorrer nos períodos de transição, nomeadamente da fase do final da adolescência para a idade adulta. Facto que precisa de ser tido em conta nos serviços de saúde mental e principalmente quando estão a acompanhar pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo. O Tiago apesar de ter conseguido entrar na Universidade, não conseguiu concluir o primeiro curso. Digo primeiro, porque depois transitou para um segundo curso que também acabou por não concluir. Não voltou a inscrever-se em mais nenhum. Fez dois cursos mais técnicos de curta duração. Aos 31 não tem experiência profissional e o seu currículo não convence o mercado de trabalho a aceita-lo. O período entre os 19 e 29 anos parece ter sido critico. A ausência de um acompanhamento levou a que o projecto que vinha a ser construído em conjunto com a família e ele deixou de ter continuidade.


A história do Tiago poderia ter tido outro desenvolvimento. Mas continua a haver muitas situações semelhantes ou pelo menos com um desenvolvimento que não parece adequado para aquilo que se pode fazer em conjunto com as pessoas autistas. É fundamental continuar a reflectir e a colocar na prática essas reflexões em relação ao que acontece no Espectro do Autismo. É fundamental poder continuar a haver uma mudança de paradigma nas escolas em que a convivência entre todos possa ser uma realidade e em que os processos de aprendizagem de cada um possam ser tidos em conta, de uma forma universal. A possibilidade dos jovens poderem ter experiências de trabalho já no decorrer do Ensino Secundário é vital, independentemente do percurso que desejem seguir. É tão falado da aproximação das escolas ao mercado de trabalho e continuamos todos a insistir em o fazer de uma forma clássica - com aulas. Os jovens precisam de experiências e as empresas também para que possamos todos aprender uns com os outros. Até porque a entrada no mercado de trabalho é fundamental para todas as outras etapas que se seguem na vida adulta. E continua a ser um atropela dos direitos das pessoas não poderem viver a sua autonomia e independência, facto que ocorre ainda com demasiada frequência na comunidade autista.

 
 
 

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