Post | Autismo no Adulto
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E agora!?

Sempre soube o que fazer, até agora! diz Andreia (nome fictício). Não que não tivesse tido dificuldades, tive muitas! continua. Mas fui conseguindo ultrapassar, ainda que à minha maneira! refere. Mas agora confesso que não sei, e nunca me encontrei nesta situação e está a ser muito difícil para mim! conclui.


Andreia, tem trinta e um anos e descobriu a semana passada o seu diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Na verdade, não foi apenas a semana passada, até porque há mais tempo que desconfiava que alguma coisa se passava consigo. Que era diferente da grande maioria das pessoas que ia conhecendo e tendo à sua volta na vida. Na adolescência tinha inclusive preenchido uns questionários online e que veio agora recentemente a descobrir que são os mesmos que são usados para rastrear comportamentos do espectro do autismo.


Mas a Andreia foi levando as coisas para a frente. A escola foi um processo sempre desafiante, mesmo que algumas pessoas pensassem o contrário. Isto porque a Andreia não dava problemas na escola. Pelo menos, não da forma como tipicamente parecem acontecer. Mas eles sempre estiveram lá, ainda que mergulhados no silêncio da Andreia. Não foi uma aluna brilhante. Foi aquilo que pode ser considerado de uma aluna mediana, ainda que se possa crer que tenha bastantes mais competências do que aquelas que apresenta. Sempre cumpriu aquilo que lhe disseram para fazer, para o bem e para o mal. Isto porque alguns colegas ao longo dos anos da escola foram usando isso contra a Andreia e massacraram-na, naquilo que mais tarde veio a descobrir que se chamava de Bullying. Andreia simplesmente não percebia o porquê das pessoas serem assim para si. Além de não acreditar que aquilo que fizesse pudesse causar alguma diferença ou mudança. Nunca sentiu que alguma coisa saída de si tivesse causada alguma mudança. E como tal, o esforço que pensava que podia ter e que não iria ter nenhum tipo de retorno para si, levava a que nunca tivesse feito nada, seja em relação a isso mas a todo um outro conjunto de coisas importantes na sua vida.


Passados estes anos todos, não consegue acreditar como é que alguém tão facilmente lhe diz que tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Nunca ninguém lhe tinha dito nada e muito menos parecido com isso. Já lhe tinham dito que era tímida, muito tímida, estranhamente tímida e que raramente falava com as pessoas e muito menos acerca da sua pessoa. Mas nunca lhe disseram mais do que isso. Houve médicos e psicólogos que referiram aos pais que isso passaria com a passagem para a adolescência e mais tarde que passaria com a saída da adolescência. Mas nada, nem com uma nem com outra mudança, e Andreia é uma mulher adulta, ainda que não se considere enquanto tal. Apesar das explicações que lhe foram dando e outras que foi ouvindo e apanhando daqui e dali não lhe fazerem muito sentido. O certo é que a repetição de muitas dessas explicações levaram-na a crer que haveria algum fundo de verdade e como tal também ela passou a acreditar em algumas delas ou pelos menos não as procurava sequer contrariar.


E o mesmo aconteceu para o facto de ter dificuldade em saber escolher o que gostaria de fazer. Ou de passar grande parte do seu tempo detida a fazer as suas coisas no seu quarto ou num lugar que considerasse adequado para estar. Não que a Andreia não fosse interagindo com outras pessoas, porque foi. Principalmente quando lhe diziam para ela vir com elas. Ou seja, se alguma colega por alguma razão entendia que podia ou queria convidar a Andreia a vir fazer alguma coisa, ela não se negava. Essa parecia ser uma característica forte e consistente na sua pessoa, não se negar, coisa que lhe causou muitos dissabores.


Ou o que dizer das suas peculiaridades alimentares. Aquilo que sempre foi chamado de esquisitices da Andreia e que eram sistematicamente referidas como tendo saído ao seu pai e avô paterno, ambos já falecidos. Mas como sempre foi conseguindo comer alguma coisa, nem que fosse a custo e com insistência da mãe e depois mais tarde da educadora, nunca fizeram questão de explorar o que poderia ser. E mais tarde a Andreia conseguiu encontrar uma forma de continuar a fazer uma alimentação que ia ao encontro das suas necessidades e que se enquadrava numa dieta especifica, coisa que acabou por não levantar nenhuma outra suspeita.


E quanto mais se pergunta à Andreia, até porque ela não tinha por hábito falar de si espontaneamente, até porque não via grande interesse nisso e não acreditava que os outros também o sentissem, era necessário perguntar-lhe. Mas a Andreia respondia, não se negava, como era hábito seu.


E agora diziam-lhe que tudo isto se chama Perturbação do Espectro do Autismo. É como se um Mundo novo se tivesse aberto na sua frente. E se por um lado foi um alivio, por outro lado também foi um dilúvio.


A história da Andreia é a história de muitas outras mulheres, mas também de homens que descobrem já na vida adulta o seu diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E que ao fim de vinte e cinco anos, trinta e dois anos, quarenta e seis anos ou mais, sentem que necessitam de reaprender a viver, a se compreender, compreender os outros e o Mundo. Mas também aprendem como se podem zangar com o facto de nunca ninguém lhes ter dito nada, apesar de muito terem feito as perguntas. E de como agora também é importante aceitar, e principalmente se aceitarem.



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