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Divide et impera

Uma frase atribuída ao Imperador César e mais tarde foi usada por Napoleão e Maquiavel. A máxima procura significar a criação de divisões entre as pessoas com o objetivo de evitar alianças que possam desafiar o soberano e ao mesmo tempo fornecer poder àqueles que estão dispostos a cooperar com este. Não estamos perante o inicio de nenhuma guerra no autismo. Mas as contínuas mudanças no autismo, nas pessoas que trabalham nesta área, no desenvolvimento do conhecimento e da construção de novos instrumentos de avaliação promove a necessidade de umas tréguas para (continuarmos) reflectirmos todos.

O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, actualmente e desde outubro de 2013 na versão DSM 5 já não traduz com suficiente exactidão aquilo que observamos no autismo, agora designado de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Há inclusive quem diga que na verdade a DSM, nas suas múltiplas versões, nunca reflectiu verdadeiramente o autismo. O que na verdade representa uma afirmação verdadeira atendendo às próprias alterações verificadas quer nos critérios, designações e diferentes tipos de autismo.


Há vários desafios no autismo. Sempre houve e continuará a existir. Seja pela gravidade do quadro clínico, da miriade de outras condições associadas ao autismo, seja ansiedade, depressão, comportamentos obsessivo-compulsivos, auto-mutilação, etc. Mas também pelo impacto que tem no contexto envolvente, seja familiar, educacional e social. Contudo, talvez um dos maiores desafios e desde o princípio no estudo do autismo é a sua heterogeneidade. Por definição, cada pessoa com autismo tem dificuldades em interagir e se comunicar com outras pessoas e se envolve em comportamentos repetitivos e restritos. Mas a natureza e a gravidade desses recursos variam significativamente. Essa diversidade representa um grande obstáculo para o desenvolvimento de tratamentos para indivíduos do espectro.


Quantas vezes já se ouviu alguém afirmar em jeito de reacção - "- Isto agora é tudo do espectro do autismo?"; "- Quando os profissionais não sabem o que diagnosticar dizem que tem Síndrome de Asperger!"; "- O meu filho tem autismo e por isso é que digo que a minha filha não pode ser autista também!", etc. Estas e outras frases são ditas pelos próprios quando em algum momento lhe é fornecido o diagnóstico de PEA. Mas também aos pais, professores e profissionais da área da saúde (i.e., médicos, psiquiatras, psicólogos, etc.).


A maioria dos estudos ignora essa diversidade e, em vez disso, concentra-se no que torna as pessoas com autismo diferentes de um grupo de controle "neurotípico". Não surgiu nenhuma característica psicológica ou neurobiológica que caracterize todas as pessoas com autismo. Pelo contrário, parece haver subtipos distintos da condição que variam em seu perfil cognitivo, biologia subjacente e prognóstico.


Na DSM IV a classificação de PEA era feita debaixo de um chapéu mais abrangente designado de Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento e que incluia a Perturbação Autista, Síndrome de Asperger, Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento sem outra especificação, etc. O facto da actual DSM 5 colocar "tudo" sobre o chapéu de Perturbação do Espectro do Autismo, variando depois nos níveis um, dois e três consoante a gravidade observada não deixa de causar dificuldade nesta reflexão. Veja-se o caso das características da PEA no masculino e no feminino. Apesar de continuar a ideia de haver um rácio 4:1 (homens versus mulheres). São cada vez mais os estudos que procuram e mostram evidência da falácia dessa afirmação. Um outro aspecto prende-se com o desenvolvimento desta condição ao longo do ciclo de vida. Ou seja, uma mesma criança diagnosticada em criança com autismo quase de certeza não irá apresentar as mesmas características na adolescência e na vida adulta. Mas a DSM 5 não apresenta evidência dessa mesma informação. Ainda que a DSM 5 não seja a única fonte de informação. Não deixa de ter impacto e poder suficiente que neste caso lhe é conferido por muito de nós. E que devido a tal continua a trazer dificuldade numa compreensão mais holistica do que é o autismo e de como o avaliar.


Esta dificuldade e subsequente necessidade de reflectir não se traduz numa mera retórica académica de criação de conceitos e constructos, mas tem um impacto real na vida das pessoas e dos autistas em particular. A variabilidade verificada no autismo significa que subgrupos de pessoas com autismo podem precisar de tratamentos diferentes. Um determinado tratamento pode ser eficaz para um subtipo desta condição. Mas depois os poucos ensaios clínicos que existem não incluem pessoas de todos os subtipos e isso não é benéfico. Mas a existência de biomarcadores que permitam um esclarecimento mais concreto ainda tardam. E como tal podemos refugiarmo-nos na capacidade única nos Homem - pensar, reflectir, confrontar ideias e perspectivas diferentes de forma salutar.


Por exemplo, temos ideia de existir uma partilha de áreas entre a Perturbação do Espectro do Autismo e a Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção. Alguns autores referem a possibilidade de 30% de comorbilidade entre ambas. Ou seja, é comum observarmos num autista sinais de défice de atenção. Mas serão estas características de défice de atenção as mesmas encontradas num quadro de PHDA. O mesmo se poderá perguntar em relação aos comportamentos obsessivo-compulsivos. É comum observarmos na PEA comportamentos ritualizados e estereotipados. Em algumas destas situações ficamos na dúvida se alguns destes comportamentos poderão ser apenas da PEA ou poderão ser uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) em comorbilidade. Facto que também é comum de ocorrer no mesmo sentido da PHDA. E poderíamos dizer algo semelhantes para a Ansiedade social e no caso dos adultos para a dificuldade em conseguir compreender a distinção entre a PEA e uma Perturbação da Personalidade Borderline, Obsessivo-Compulsiva, Esquizóide, Anti-social, etc.


Nenhuma das anteriores situações é falsa mas precisa de ser melhor compreendida com o objectivo de melhor continuarmos a intervir. A PEA é uma perturbação do neurodesenvolvimento e que ocorre no cérebro da pessoas. As múltiplas áreas que há conhecimento de apresentarem compromisso na sua activação em autistas são áreas partilhadas para a realização de outros processos. Como tal é comum verificarmos uma sobreposição entre essas áreas quando falamos de PEA e PHDA ou POC. Um autista que apresente para além das suas características do quadro clínico em questão pode apresentar traços comportamentais de défice de atenção. Mas aquilo que acontece é que a pessoa apresenta estes sinais quase exclusivamente em relação aos seus interesses restritos. Ou seja, apresenta sinais de distração quando fica a pensar nos videojogos (interesse restrito).


Nem o império termina aqui, assim como a própria existência de imperadores que se apossam da necessidade de dividir para conquistar. Mas a nossa reflexão também não ...

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