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Comorbilidades no autismo

As perturbações do espetro do autismo são condições do neurodesenvolvimento caracterizadas por dificuldades persistentes na comunicação e interação social, padrões repetitivos de comportamento e interesses restritos. O modelo dimensional introduzido no DSM 5 reforça a noção de um continuum de manifestações clínicas, níveis de apoio e perfis funcionais, substituindo a antiga categoria das perturbações pervasivas do desenvolvimento.


A expressão clínica é profundamente heterogénea. Esta heterogeneidade, associada à elevada taxa de comorbilidades médicas e psiquiátricas, torna o diagnóstico complexo em todas as idades. A presença de múltiplas comorbilidades é um dos principais fatores de atraso diagnóstico, tanto na infância como na idade adulta, influenciando o funcionamento global, a adaptação social e o risco de morbilidade, incluindo comportamento suicidário.


O reconhecimento rigoroso de comorbilidades e de diagnósticos diferenciais é, por isso, essencial para intervenções eficazes e para promover qualidade de vida.


1. Critérios de Diagnóstico e Níveis de Apoio


O DSM 5 TR exige défices persistentes na comunicação e interação social em diversos contextos e a presença de pelo menos dois tipos de comportamentos restritos e repetitivos. Em idade pediátrica, é necessária evidência clara de alterações em três domínios sociais e de comportamentos repetitivos diversificados. Os níveis de apoio variam entre ligeiro, moderado e elevado, refletindo a intensidade das necessidades adaptativas.


A avaliação deve ter em conta:


  • grande variabilidade de perfis cognitivos, sensoriais e comunicativos

  • risco de confundir características nucleares do espetro com sinais de outras perturbações

  • importância de instrumentos padronizados administrados por profissionais treinados


2. Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção


A coocorrência entre espetro do autismo e perturbação de hiperatividade e défice de atenção é muito frequente. Esta combinação associa-se a:


  • maior impacto no funcionamento executivo

  • dificuldades acrescidas de flexibilidade cognitiva, planeamento e inibição de resposta

  • maior vulnerabilidade emocional e adaptativa


A avaliação deve integrar entrevista clínica, escalas validadas e observação direta.

O tratamento combina:


  • intervenções comportamentais estruturadas

  • psicoeducação parental

  • fármacos como metilfenidato, atomoxetina ou guanfacina, com adaptação cuidadosa das doses dado o perfil de sensibilidade típico no espetro


Intervenções precoces mostram melhorias substanciais no comportamento adaptativo.


3. Perturbações de Ansiedade


A ansiedade é das comorbilidades mais frequentes no espetro, em todas as idades. As formas mais comuns incluem ansiedade social, ansiedade generalizada, fobias específicas e pânico ou agorafobia. As apresentações podem ser atípicas, por exemplo:


  • fobias invulgares

  • intolerância à mudança

  • medos intensos relacionados com estímulos sensoriais ou novidade


A avaliação deve ser multimétodo e multinformador, integrando auto relato sempre que possível. Estão a surgir instrumentos específicos para adultos autistas.


O tratamento centra-se em:


  • terapia cognitivo comportamental adaptada ao perfil cognitivo e sensorial

  • estratégias explícitas de regulação emocional

  • exposição graduada

  • práticas de mindfulness

  • fármacos como inibidores seletivos ou duplos da recaptação de monoaminas, com monitorização próxima


4. Perturbações da Personalidade


Traços ou diagnósticos de perturbações da personalidade, sobretudo dos grupos A e C, podem coexistir com o espetro. A sobreposição com traços autistas exige avaliação experiente.

Exemplos de áreas de confusão:


  • perfeccionismo e rigidez próprios de traços obsessivo compulsivos de personalidade

  • evitamento social que pode resultar tanto de ansiedade como de diferenças na comunicação social


A psicoterapia é o tratamento de primeira linha. A farmacoterapia dirige-se apenas a sintomas específicos, como impulsividade, agressividade ou ansiedade, com evidência limitada e necessidade de cautela.


5. Comportamentos Repetitivos e Perturbação Obsessivo Compulsiva


Comportamentos repetitivos no espetro diferem das obsessões e compulsões da perturbação obsessivo compulsiva.

Diferenças principais:


  • no autismo, os comportamentos nem sempre são egodistónicos e podem ser reguladores

  • na perturbação obsessivo compulsiva, as obsessões são intrusivas e geradoras de angústia, levando a compulsões para alívio emocional


A avaliação deve clarificar motivação, sofrimento interno e impacto funcional.

O tratamento inclui estratégias comportamentais, exposição adaptada e, quando necessário, fármacos como fluoxetina ou fluvoxamina.


6. Distúrbios do Sono


As perturbações do sono são muito prevalentes e persistentes. Observam-se:


  • latência prolongada

  • fragmentação do sono

  • alterações do sono REM

  • associação com ritmos circadianos atípicos, variações de melatonina e fatores ambientais


A abordagem integra:


  • higiene do sono estruturada

  • intervenções comportamentais

  • melatonina em crianças e adolescentes

  • polissonografia em casos complexos

  • tratamento das comorbilidades médicas associadas


7. Perturbações do Humor


Depressão major e perturbação bipolar ocorrem com frequência aumentada no espetro.

Na depressão podem surgir:


  • irritabilidade

  • intensificação de estereotipias

  • retraimento social

  • perda de competências em perfis com comunicação limitada


O tratamento inclui:


  • terapia cognitivo comportamental adaptada

  • terapia metacognitiva comportamental

  • farmacoterapia quando clinicamente indicado, incluindo uso criterioso de antipsicóticos atípicos, lítio ou divalproato


8. Perturbações de Tiques e Síndrome de Tourette


Tiques motores e vocais podem coexistir com estereotipias autistas. A distinção exige análise da fenomenologia, urgência premonitória e padrão temporal.

O tratamento de primeira linha é comportamental, incluindo reversão de hábito e exposição. O aripiprazol é uma opção farmacológica frequente quando necessário.


9. Perturbações da Alimentação e Comportamento Alimentar


No espetro são comuns padrões alimentares seletivos ligados a processamento sensorial, rotinas e previsibilidade. Diferenciam-se de perturbações alimentares clássicas porque o objetivo não é o controlo ponderal.


A intervenção envolve:


  • avaliação sensorial

  • treino parental

  • exposição gradativa a novos alimentos

  • coordenação com contexto escolar

  • tratamento de problemas gastrointestinais associados


A farmacoterapia tem papel restrito.


10. Avaliação Transversal e Instrumentos


A avaliação deve ser integrada, incluindo:


  • entrevista clínica detalhada

  • observação direta

  • instrumentos específicos como ADI, ADOS ou medidas adaptadas de psicopatologia

  • questionários especializados em domínios como alimentação, comportamentos repetitivos, ansiedade e sono


A seleção deve considerar idade, linguagem, contexto e finalidade clínica.


11. Princípios de Tratamento


Um plano eficaz deve seguir:


  • abordagem centrada na pessoa, com objetivos funcionais realistas

  • intervenções psicológicas adaptadas ao perfil sensorial e comunicacional

  • farmacoterapia dirigida a sintomas alvo, com doses baixas e monitorização frequente

  • coordenação interdisciplinar entre clínica, escola, família e serviços sociais

  • adaptações ambientais que reduzam carga sensorial e social desnecessária

  • vigilância ativa do risco de suicídio e implementação de planos de segurança


Conclusão


As comorbilidades psiquiátricas no espetro do autismo são comuns, multifacetadas e clinicamente relevantes. A sobreposição de sinais entre traços autistas e outras perturbações dificulta o diagnóstico e pode atrasar intervenções essenciais. Uma avaliação multimétodo, associada à psicoterapia adaptada e ao uso cauteloso de fármacos, melhora funcionamento, bem-estar e autonomia ao longo do ciclo de vida.

Investir em instrumentos de avaliação específicos e estratégias terapêuticas inovadoras continuará a ser fundamental para responder adequadamente à diversidade de perfis do espetro.


Nota: As referências a fármacos no decorrer do texto não pretende substituir a decisão médica. As mesmas estão de acordo com as referências cientificas actuais.


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