Com ou sem o autismo
- pedrorodrigues
- 30 de set.
- 4 min de leitura
Desde já peço que os fãs de U2 sosseguem, pois o Autismo n'Adulto não tem nenhuma informação previligada do Edge, Bono ou da banda em sí. Aconselho a quem se sentir nostálgico possa voltar a ouvir este excelente album de 1987. Talvez isso ajude!
É preciso dois para dançar o tango, dizem. E também são precisos, pelo menos dois, para fazer uma entrevista de emprego. E se para dançar o tango é preciso uma quantidade infindavel de mestria. Não queram imaginar o que é preciso para uma pessoa autista fazer uma entrevista e conseguir que o entrevistador não fique enviesado em relação às suas competências! E já agora, se é preciso dois para dançar o tango, parem de dizer que é a pessoa autista que tem de desenvolver competências sociais, funcionais ou outros ais. Não será igualmente fundamental que a pessoa que realiza a entrevista possa estar igualmente capacitada para realizar uma entrevista a quem quer que seja a pessoa?!
Não sei se o Milton dançava tango, mas foi ele que trouxe o termo «problema da dupla empatia» para descrever como tanto pessoas autistas como não autistas têm dificuldade em compreender as experiências e interpretar os comportamentos uns dos outros.
Nos últimos anos, tem havido um crescente número de investigações com foco em como as pessoas não autistas formam percepções e abordam interações com pessoas autistas. Por exemplo, pessoas não autistas tendem a perceber pessoas autistas de forma menos favorável e são mais relutantes em se envolver em interações sociais com eles. Dado o problema da dupla empatia, informações contextuais que ajudam pessoas não autistas a compreender as suas interações com pessoas autistas podem levar a primeiras impressões mais favoráveis.
Neste ponto quero ressaltar a importância da visibilidade da pessoa autista ao longo da vida. Se começarmos a perguntar a crianças, jovens e adultos se conhecem, têm colegas, amigos, colegas ou simplesmente interagem com pessoas autistas, as respostas irão denunciar um número diferente e menor face ao número de pessoas autistas existentes. E se formos perguntar se as pessoas conhecem ou identificam pessoas autistas em determinados lugares, sejam políticos ou de outra natureza, órgãos de comunicação social, locais de trabalho, etc., provavelmente as respostas serão ainda menores.
Após este aparte importante, há que pensar que as pessoas autistas precisam de decidir se e quando revelar o seu diagnóstico. Mas será que a revelação do diagnóstico pode influenciar a percepção dos candidatos a emprego, se a revelação ocorrer após a primeira impressão já ter sido formada? E se for antes da entrevista que tipo de impressão irá ser formada?
Imagine que vamos ter um conjunto de pessoas com possibilidade de tomar uma decisão de um candidato a emprego poder ser contratado ou não para a sua empresa. Vamos dar a essas pessoas uma vinheta que relata um determinado acontecimento possivel de acontecer numa empresa e numa situação de entrevista de emprego. Após essa leitura vamos procurar falar com essas mesmas pessoas sobre a impressão formada acerca do candidato/a.
Você está no seu escritório e tem uma entrevista marcada com um candidato, Paulo/a (nome fictício), para preencher uma nova vaga na sua seguradora. Quando o/a Paulo/a chega, você está a terminar uma chamada telefónica com um cliente importante. O/A Paulo/a entra no seu gabinete e fica parado no meio da sala, a aguardar que você termine a chamada. Quando a esta termina, você apresenta-se ao/á Paulo/a e convida-o/a a sentar-se à sua mesa. Pergunta-lhe sobre as suas experiências profissionais anteriores para ver se ele/a é qualificado para o cargo. Ele/a conta-lhe sobre o seu emprego anterior como gestor em outra seguradora e como ele gerenciava determinado conjunto de modelos operacionais. Ele/a explica que passava muito tempo a analisar dados, o que gostava e fazia bem, e apresentava planos de projetos, o que já não gostava tanto, mas ainda assim estava disposto a fazer.
Podemos ouvir de alguns dos responsaveis na contratação coisas como: Eu hesitaria em contratar o/a Paulo/a. Ele/a não esperou para entrar no meu escritório até eu terminar a minha chamada telefónica. Isso é considerado uma atitude rude e imprópria. Ou então, O facto de ele/a sorrir enquanto falava sobre animais abandonados preocupa-me quanto à sua capacidade de ajudar. Os clientes exigem as expressões faciais certas no momento certo para se sentirem confortáveis. E para não deixar de parte as clássicas, O/A candidato/a não estabeleceu contacto visual normal. Parece ser anti-social. Isso não seria bom para os negócios. Ou então, Não tenho a certeza se discutir videojogos foi apropriado na entrevista, o que me faz questionar a sua ética de trabalho e adequação ao cargo. O facto de o/a Paulo/a balançar para a frente e para trás durante a entrevista preocupa-me. Parece que ele/a não consegue controlar o seu comportamento e pode ter outros problemas relacionados com isso. Para além da contratação ou não face à percepção das competências do/a condadato/a, uma outra questão que pesa igualmente na decisão do empregador é as necessidades de adaptação. Por exemplo, A adaptação é uma parte importante do trabalho num mercado como o da publicidade e o facto de a mudança no plano de refeições ter incomodado o candidato é muito preocupante. Acho que ele/a provavelmente seria um bom candidato, embora eu me perguntasse até que ponto vai a sua obsessão por comboios e se ele/a seria capaz de se manter focado nas tarefas que lhe fossem atribuídas. Eu não o recomendaria porque as cozinhas são locais barulhentos e ele não parece capaz de lidar com o ruído.
Como tal, podemos verificar que para dançar este tango, as pessoas autistas têm um conjunto de necessidades que precisam de continunar a ser trabalhadas. Mas as pessoas não autistas e ainda mais estas pessoas com um impacto tão grande na vida das pessoas autistas precisa de voltar muito atrás no processo e aprender a dançar desde o principio. O desconhecimento face às características de uma pessoa autista pode ser facilmente ultrapassada e a informação ser procurada em fontes validadas. Contudo, mais do que o simples conhecimento das características, é importante poder ajudar as pessoas não autista a como lidar com a diferença de uma outra forma, mais humanista certamente.
No entanto também quero ressalvar o facto da importãncia das pessoas não autistas poderem ter conhecimento do diagnóstico de autismo do/a candidato/o e de como isso pode influenciar positivamente na percepção que este outro terá sobre si. Não é regra, mas o facto da pessoa ter noção de que há um diagnóstico pode ajudar a ter uma percepção mais ajustada face aos comportamentos observados.

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