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Auto determinação como modelo educativo


A humanidade encontra-se num ponto de viragem. A forma como tratamos as pessoas com deficiência revela, em espelho, a maturidade da nossa consciência ética e política. Durante séculos, a invisibilidade e a tutela foram as marcas dominantes. Hoje temos as convenções internacionais, as leis, as políticas públicas. Mas temos sobretudo uma urgência: transformar essas palavras em vida. O Self Advocacy, ou autorepresentação, pode e deve tornar-se a pedra angular de um novo modelo educativo e cultural que, ao longo da próxima década, reoriente a agenda política e social para um verdadeiro compromisso com a dignidade humana.


Educação como semente da mudança


Não basta introduzir conteúdos sobre direitos humanos numa disciplina isolada. A educação para a autorepresentação deve atravessar todas as etapas do percurso escolar, como uma competência de vida e não apenas como teoria. Aprender a representar-se implica compreender os próprios direitos, exercê-los em pequenos gestos de participação, experimentar a voz na tomada de decisões.

Se crianças e jovens, com e sem deficiência, crescerem conscientes do seu valor e da sua voz, a sociedade futura será inevitavelmente mais inclusiva. A educação não deve apenas transmitir conhecimento, deve formar cidadãos livres, capazes de reconhecer e proteger a liberdade dos outros.


A família como primeiro território de voz


A família é o espaço onde se molda a perceção de si próprio. Quando os direitos são valorizados desde o início, a criança com deficiência não cresce na sombra da dependência absoluta, mas no reconhecimento de que possui poder de escolha e de decisão. Igualmente, a criança sem deficiência aprende que o respeito pelos direitos dos outros é inseparável do respeito pelos seus próprios.

A família deve ser um território de voz partilhada, onde todos os membros, independentemente da sua condição, são chamados a expressar-se e a ser ouvidos. Este treino de cidadania íntima fortalece o sentido de autorepresentação no espaço público.


Comunidade como palco de aprendizagem mútua


A escola não é suficiente. É nas ruas, nas associações, nos serviços públicos, nos grupos desportivos e culturais que se experimenta a convivência cidadã. O Self Advocacy só floresce quando há oportunidades concretas de participação comunitária.

Uma comunidade que promove assembleias inclusivas, projetos partilhados e fóruns de debate forma cidadãos atentos e comprometidos. As pessoas sem deficiência, ao envolverem-se nestes espaços, descobrem na prática a importância de lutar lado a lado com quem enfrenta barreiras, percebendo que a luta pela autodeterminação das pessoas com deficiência é, no fundo, uma luta por um mundo mais justo para todos.


Cultura e linguagem como ferramentas de transformação


A forma como falamos, as imagens que transmitimos, as narrativas que repetimos moldam a visão coletiva. O capacitismo não é apenas uma atitude, é também uma cultura enraizada que invisibiliza ou reduz as pessoas com deficiência à condição de objetos de cuidado.

O Self Advocacy propõe uma viragem cultural: da caridade para a dignidade, da tutela para a autonomia, da invisibilidade para a participação plena. A cultura deve ser o lugar onde se contam histórias novas, onde se celebram experiências de resistência e de criação, onde a diferença se apresenta como riqueza. Uma sociedade que muda a sua linguagem muda a sua consciência.


Política como compromisso da próxima década


A política é o espaço onde as intenções se tornam estruturas. Para que o Self Advocacy se consolide como modelo educativo, é preciso que os governos assumam compromissos claros: currículos inclusivos, formação de professores, campanhas públicas de informação acessível, mecanismos de participação cidadã que incluam ativamente pessoas com deficiência.

Mas este compromisso não deve ser visto apenas como política de inclusão. Deve ser assumido como parte de uma nova agenda global de direitos humanos, que reconhece a autorepresentação como pilar da democracia. Sem a voz das pessoas com deficiência e sem o envolvimento ativo das pessoas sem deficiência, a democracia permanece incompleta.


O risco do silêncio interior


Há uma dimensão silenciosa que não podemos ignorar: o perigo do capacitismo internalizado. Quando a sociedade não valida as vozes das pessoas com deficiência, estas podem aprender a duvidar de si mesmas, a criticar-se de forma feroz, a acreditar que não têm valor. É um silêncio devastador, que corrói a identidade e a esperança.

A resposta está em criar desde cedo um ambiente cultural que legitime cada voz, onde a autorepresentação não seja uma exceção mas um hábito. Quando a sociedade inteira participa neste movimento, reduz-se o risco de feridas interiores e abre-se espaço para a construção de subjetividades mais fortes, seguras e criativas.


Conclusão: um compromisso da humanidade


O Self Advocacy não é apenas uma reivindicação das pessoas com deficiência. É um compromisso da humanidade com a própria ideia de dignidade. Educar para a autorepresentação é educar para a liberdade, para a justiça, para a igualdade que não se limita ao papel escrito.

Se nos próximos dez anos formos capazes de integrar este modelo em todas as dimensões da vida social, estaremos a inaugurar uma nova era de cidadania. Uma era em que cada voz, independentemente da condição, é reconhecida como necessária. Uma era em que ninguém fica para trás porque todos aprendemos a avançar juntos.

O futuro pede coragem, mas pede sobretudo consciência. O Self Advocacy como modelo educativo é esse caminho. Não apenas para quem sempre foi silenciado, mas para todos nós que precisamos aprender, com urgência, a falar a língua universal dos direitos humanos.


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