Post | Autismo no Adulto
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Autistas: Procuram-se!!

Boa tarde, gostaria de saber se podem enviar as perguntas da entrevista de emprego com antecipação? pergunta Ana (nome fictício). A outra pessoa incrédula ainda lhe perguntou se estava a brincar. Como assim? perguntou Ana. A senhora sabe que não se envia o guião das perguntas de entrevista com antecipação, certo? pergunta a voz do outro lado. Não, não sabia. Mas porquê? pergunta Ana com o objectivo de perceber o porquê daquela situação considerada absurda por si. Isto é uma partida, certo? Não tem piada nenhuma! disse a voz no telefone. Continuo sem perceber, disse Ana. Não estou nada a brincar. Mas pode explicar-me o porquê? insistiu Ana. A chamada caiu. A Ana voltou a ligar. Atendeu outra pessoa diferente. Boa tarde, gostaria de saber se podem enviar as perguntas da entrevista de emprego com antecipação? perguntou novamente. Ouviu-se um obviamente que não áspero do outro lado da linha. A Ana não percebeu e voltou a perguntar o porquê. Porque assim toda a gente entraria na oferta de emprego! ouviu-se do outro lado da linha. Mas isso não faz sentido! disse Ana. As pessoas não devem ficar no emprego por saber as perguntas, mas sim pelo conteúdo das suas respostas, certo? questionou Ana. A chamada caiu.


A Ana está a concorrer pela primeira vez ao mercado de trabalho. Terminou recentemente a sua formação em Tradução. Foi a segunda melhor do seu ano. A Ana não sabe o que vai fazer agora que terminou a licenciatura. Mas antes disso, na altura que terminou o Ensino Secundário não sabia o que fazer da sua vida. Mas apesar de saber algumas coisas, a Ana não sabe como fazer um processo de candidatura. Isto apesar da Ana saber que tem à partida um conjunto de questões que se prendem com algumas das suas características. Mas também sabe que outras questões e que provavelmente lhe vão trazer grandes desafios prende-se com a forma como as outras pessoas não autistas pensam sobre o autismo. Isso mesmo, a Ana foi diagnosticado com Perturbação do Espectro do Autismo aos 8 anos de idade. E se há uma coisa que a Ana aprendeu, entre muitas outras, é a importância de colocar perguntas quando sente que não está a perceber e necessidade de esclarecimento. O exemplo do diálogo anterior mostra precisamente isso. A Ana leu alguns artigos sobre a entrevista de emprego e percebeu que há todo um conjunto de questões que parece ser habitual de se fazer num processo de entrevista. Mas também percebeu que há todo um conjunto de questões que podem surgir e que são inesperadas. E por isso a Ana telefonou para a empresa à qual se está a candidatar a perguntar se eles partilhavam o guião de entrevista para ela se preparar e fazer baixar o seu nível de ansiedade.


É sabido que há cada vez mais pessoas, inclusive pessoas adultas a serem diagnosticadas com Perturbação do Espectro do Autismo. E também é sabido que há toda uma variedade de respostas de intervenção mais adaptadas para as pessoas autistas. Respostas estas que levam a que cada vez mais haja um conjunto de pessoas autistas que chegando ao final da adolescência e entrada na vida adulta que estejam a terminar a sua formação superior ou formação profissional e a procurar entrar no mercado de trabalho.


Mas será que o mercado de trabalho está adaptado para receber pessoas autistas? E será que as pessoas que estão a realizar o recrutamento e selecção estarão igualmente preparados para este processo com pessoas autistas?


São duas perguntas que alguns de nós podem avançar algumas respostas. Mas são respostas que existem apenas em algumas empresas, sejam daquelas que vão receber pessoas autistas nos seus quadros, mas também aquelas que estão a fazer recrutamento e selecção. No entanto, a resposta ainda não está diversificada no mercado de trabalho. E como tal, as pessoas autistas continuam sem saber se esta ou aquela empresa tem uma politica de inclusão e respeito pela neurodiversidade. Assim como também não sabem se a empresa que vai realizar a entrevista de emprego e a selecção tem conhecimento das adaptações necessárias a realizar quando esta é feita com pessoas autistas. E muitos de nós sabem que uma pessoa autista quando pensa que as pessoas da entrevista poderão não saber como lidar com as pessoas autistas vão sentir um aumento nos níveis de ansiedade, ao ponto inclusive de poder haver um evitamento da candidatura.


Como podemos então contornar estes desafios? E com quem é que podemos fazer alguma coisa? E o que é que fazemos?


Alguns continuam a apostar que o trabalho deve continuar a ser feito junto da pessoa autista. Mas isso já provou que não é de todo capaz de responder às necessidades das pessoas autistas e não autistas. Algumas empresas que estão a contratar pessoas autistas já estão a fazer formação dentro da sua organização para todos os trabalhadores, ou pelo menos, junto daqueles que mais provavelmente irão trabalhar em conjunto dos trabalhadores autistas. Mas isso também parece que não ajuda a responder as necessidades, visto que as pessoas autistas acabam por não estar a chegar às empresas. Ou seja, parece igualmente necessário sensibilizar e formar os profissionais que fazem o recrutamento e selecção e principalmente aqueles que realizam as entrevistas de emprego. Ou seja, no fundo necessitamos de mudar o nosso paradigma e deixar de pensar que a intervenção é para continuar a ser exclusivamente realizada junto das pessoas autistas. E pensar que as pessoas não autistas irão igualmente beneficiar dessa formação. E as Organizações como um todo irão beneficiar da criação de um ambiente mais inclusivo e neurodiverso.


Muitas pessoas autistas vivem situações mais desafiantes devido a questões da linguagem e comunicação social, o que pode tornar difícil obter informação relevante acerca das suas pessoas. Podem achar difícil: considerar as perspectivas dos outros, ou o que outra pessoa está a pensar. Mas também recontar um evento no contexto, focando-se em detalhes menores. Ou então expressar os seus sentimentos através do seu tom de voz mais atípico. Ou usar uma linguagem corporal ou gestos apropriados. Assim como fazer ou manter contacto visual.


As pessoas autistas também podem lutar com questões relacionadas com a hipersensibilidade sensorial a luzes brilhantes, ruídos altos, cheiros fortes ou toque, que podem ser muito esmagadores e angustiantes quando num ambiente novo, ou

hiposensibilidade sensorial, que pode resultar em comportamentos sensoriais. Mas também pode ocorrer um comportamento de stimming. Ou seja, um comportamento que normalmente envolve movimentos repetitivos. É frequentemente usado como um mecanismo relaxante, por isso é importante não tentar impedir uma pessoa autista de o fazer, ou tirar quaisquer objetos que possam ter para o poderem usar enquanto objecto distractor e estimulante.


A própria situação de entrevista ser realizada presencialmente ou por videoconferência não é neutra. E estes dois anos de pandemia ter por exemplo demonstrado que algumas pessoas têm respondido melhor nestas situações virtuais, comparativamente a estarem frente a frente.


Assim como poder oferecer uma visita pré-entrevista ao local onde serão entrevistados ajudará a tranquilizar a mente do entrevistado e a preparar-se para a entrevista para que fiquem mais relaxados no dia.


Ou informar o entrevistado sobre o que vai acontecer e o que se espera deles antes do tempo. A maioria das pessoas (mas especialmente as pessoas autistas) gostam de saber o que vai acontecer e como será. Idealmente isto deve ser numa carta, com um calendário visual e imagens, se for caso disso, bem como ser fornecido verbalmente.


Fornecer as perguntas da entrevista com antecedência é facilitador. As pessoas autistas podem ter dificuldade em processar perguntas e formular uma resposta com determinada velocidade, por isso é importante dar-lhes mais tempo para se prepararem. E isso não representa que não sejam uma mais valia enquanto trabalhador a contratar.


Planear minimizar as interrupções e evitar o tempo de "sala de espera" desnecessário. Agendar a entrevista durante um período de silêncio numa altura em que as interrupções são improváveis (ser deixado à espera pode ser extremamente desafiante para uma pessoa autista).


Adaptar o ambiente para potenciais problemas sensoriais. Há iluminação a piscar, ruídos vindos de fora da sala, ecos, um relógio a contar, zumbidos de iluminação, testes de alarme de incêndio agendados? Em caso afirmativo, poderá ter de alterar estes ou usar um espaço diferente.


As pessoas autistas podem ter dificuldade em conhecer o nível de detalhe necessário quando lhes são feitas perguntas em aberto, tais como "fale-me um pouco sobre si mesmo". Este tipo de questões são muitas vezes demasiado ambíguas para os candidatos autistas, uma vez que contêm pouca estrutura, nomeadamente no que se refere à necessidade de incluir informações positivas sobre objectivos, aspirações, auto-descrições e autoavaliações.


E como tal, a pessoa que está a fazer a entrevista de emprego a uma pessoa autista pode ajuda-la: 1) fazendo perguntas específicas que requerem detalhes específicos, exemplos e certos tipos de informação; 2) se a pergunta tem mais de uma parte, perguntando cada uma por sua vez. As pessoas autistas às vezes têm dificuldade em lembrar-se de muita informação ao mesmo tempo, fornecendo-lhes uma impressão fora das perguntas, para que possam se referir a eles durante a entrevista. Isto pode ajudá-los a estruturar as suas respostas e manter-se no caminho certo; 3) Evite perguntar, "Fale-me um pouco sobre si mesmo." Tente perguntar, Vou pedir-lhe para me dar uma breve apresentação sobre si mesmo. Por favor, diga-me: quais são as suas melhores características pessoais? quais são as suas qualificações educativas? que experiência de trabalho tem? 4) Evite perguntar, "Quais são alguns dos seus pontos fortes?". Tente perguntar, Vou perguntar-lhe sobre os seus pontos fortes. Por favor, diga-me: Em que considera ser as principais coisas em que é bom? como usou estes pontos fortes no trabalho ou na educação? 5) Evite perguntar, "Fale-me de uma vez em que discordou de um colega. Como lidou com isso?". Tente perguntar, Pense numa altura em que discordaste de um colega. Por favor, diga-me: sobre o que foi o desacordo? como resolveu isto?


Os exemplos não se esgotam aqui. E acredito que algumas pessoas no exercício das suas funções possam ter em conta alguns destes aspectos. Mas será necessário fazer com que estas práticas passem a ser uma realidade diária.


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