FaceApp isto! FaceApp aquilo! Como seria eu daqui a 30 anos? E se fosse 20 anos mais novo? Ou uma mulher? Uns mais que outros temos necessidade de alimentar os nossos traços mais narcisistas. Não culpem o software developer! Então e se eu fosse Autista? Como seria o meu rosto? Como será o rosto do Autista? Veja como...
O leitor interessado não terá de fazer o download de nenhuma aplicação (App) para ver qual o rosto do Autista na AutismApp e prometo que não irão ser roubados nenhuns dados acerca da sua pessoa a não ser que você decida partilhar de livre e espontânea vontade. Aviso que a "aplicação" não pretende ser nenhuma ferramenta que procura fazer a leitura dos traços faciais para fazer o diagnóstico de Autismo. Mas então o que será que ela possibilita fazer e saber? O que será que pretendemos fazer e saber quando usamos a FaceApp? Saber se gostamos de nos ver com mais 30 anos? Quantos de nós sabem se irão viver mais 30 anos? E como será que olhando para o seu rosto irão saber mais coisas para além do número de rugas e suas respectivas localizações? Deduzem a felicidade e bem estar de acordo com esta mesma indicação? Será que estes dados são aquilo a que se pode chamar os biomarcadores comportamentais do futuro?
Donald Tripplet nasceu a 8 de setembro de 1933. Na altura ainda não havia este e outro tipo de aplicações capazes de prever o futuro. Mas havia como sempre houve o desejo de saber, questionar, ter curiosidade acerca do que seria a sua vida dali a 10, 20 ou até mesmo 30 anos, dependendo da capacidade de imaginação e criatividade de cada um. Donald era uma criança introvertida e que desde cedo manifestou alguma dificuldade em responder aos chamamentos dos pais. A sua linguagem era pouco comum para a idade. Se para alguns assuntos parecia demasiado desenvolvida. Para outros temas não era o caso. Parecia haver uma qualquer espécie de selectividade que pais e outros pareciam não compreender. Devido às suas dificuldades comportamentais principalmente no relacionamento com os outros Donald foi institucionalizado aos três anos de idade. Aos quatro anos os pais retiraram-no. Por volta dos oito anos e também porque as suas dificuldades persistiram foi avaliado pelo médico Leo Kanner que referiu que ele apresentaria sintomas e sinais comportamentais semelhantes a uma esquizofrenia infantil. Na verdade Donald foi o primeiro a ser diagnosticado com Autismo.
Além destas e de outras características dos muitos "Donald's" e "Margarida's" (em alusão às personagens da Dysney Donald e Margarida) deste mundo, ou seja, de todos aqueles que foram e são diagnosticados com Autismo, este primeiro Donald também tinha outras coisas. Coisas que porventura apareciam nas suas fotografias e que podia ser imperceptíveis a muitos. Ou traços que poderiam ainda não ser possíveis de interpretar. Mas muitas coisas era certas. Donald gostava de brincar. Sim, isso mesmo, brincar. Muitas vezes brincava sozinho, ou parecia preferir brincar sozinho. Mas brincava. Também não negava a que alguém se pudesse aproximar dele para brincar consigo. Ainda que de uma forma porventura diferente do habitual. O Donald gostava de explorar. Uma coisas mais do que outras. Coisas que eram mais do seu interesse. Por exemplo, cedo descobriu as palavras e a sua capacidade levou-o a ler precocemente. Decorou 25 afirmações de uma determinada passagem da Bíblia. Os seus pais eram religiosos praticantes. Era algo habitual e observado nos rituais da sua casa. Mas também demonstrava interesse em outras coisas ainda que não sentissem que fosse tão hábil quanto nas outras. E como tal pareciam não dar tanto interesse e reforço a essas comparativamente às outras. Não estou com isto a querer dizer que o simples reforço é determinante para a aprendizagem de uma nova competência. O Donald tem um irmão, o Oliver, que o tem acompanhado ao longo da vida. Sim, o Donald ainda é vivo e há alguns anos atrás pode testemunhar a sua vida ao longo destes oitenta anos.
Como disse anteriormente há muitos "Donald's" e "Margarida's" Autistas e que também procuram saber, perguntar como será a sua vida daqui a 10, 20 ou 30 anos. Talvez não pensem na questão das rugas ou dos cabelos brancos. Talvez alguns o pensem. Mas pensam e sonham acerca do que podem vir a ser: Como qualquer um de nós o "João", um outro "Donald" sonhava ser astronauta aos 8 anos de idade. Sabia tudo sobre estrelas, planetas, sistemas planetários. Interessava-se muito sobre este assunto e parecia não querer saber de outros. Parecia. Tal como o outro Donald, o João também se interessava por outras questões mas não tão intensamente. Ele próprio demorava-se menos tempo a brincar e ou a tentar compreender outras coisas. Mas fazia-o. Os pais não pareciam saber disso mas sabiam e notavam o seu interesse pelos astros. E isso deixou-os felizes. E o João também parecia ficar feliz com os pais ficarem felizes por ele gostar de astros. E aquela dinâmica parecia funcionar. E o João cresceu a sonhar ser astronauta. E a sonhar saber que os pais ficavam felizes. E que ele na sua própria forma de o ser também era feliz. Talvez a fotografia do João dali a uns 30 anos pudesse ser com um boné da Nasa! Não foram precisos 30 anos porque os pais ofereceram-lhe um boné da Nasa, mas também uma t-shirt e um equipamento completo. Até o deixaram ir para a escola alguns dias no ano vestido de astronauta. E o João pode-o ser mais novo e durante muitas e boas missões lunares. Como seria a fotografia dele ao fim de 10 anos quando começou a perceber que muitas pessoas lhe diziam na escola e não só que ele nunca conseguia vir a ser astronauta. Que era algo apenas possível para alguns. O João pensava - "Mas eu sou algum, certo?". Porque não haveria de poder ser pensava ele. E afastou-se dessas pessoas. Mas essas pessoas eram muitas e o João passou a afastar-se de muitas pessoas e cada vez mais. E também se zangou e muito. As pessoas insistiam. Ele também. As pessoas diziam que ele tinha um interesse restrito em ser astronauta. E o João pensava que as outras pessoas tinham um interesse restrito em pensar que ele não seria astronauta. Ele não via grande diferença!
A Joana é uma "Margarida", ou seja, também é Autista. Não como o João. Mas ninguém é como o João. Isto não é o da Joana como se costuma dizer. Ninguém é como o outro mas sim como si próprio, certo. Por isso também não percebo a insistências das pessoas em por as coisas em caixinhas. E a Joana também não. Apesar da Joana gostar muito de arrumar certas coisas em caixinhas. Mas são apenas certas coisas, principalmente borrachas. Gosta muito de borrachas e de as ter arrumadas por cores, anos e cheiros. A Joana também gosta de cheirar coisas. Algumas pelo menos. Em pequena a Joana gostava de pensar como seria dali a 10, 20 ou 30 anos. Um pouco como o João. Um pouco como qualquer um de nós. Há coisas que são parecidas. Algumas coisas, não todas. A Joana sonhava em ser como a Madalena. Pensava muito nisso. Procurava olhar muito como se tivesse a recolher informação sobre os gestos, as palavras, os sorrisos. A Joana assim que começou a ler e a escrever por volta dos 6 anos de idade começou a fazer um livro. Um dicionário sobre a Madalena. A Joana sonha em ser como a sua colega e melhor amiga Madalena. E por isso registava toda a informação acerca da Madalena. Quando os pais descobriram esse livro mais tarde ficaram preocupados. Chegaram a pensar que a Joana seria psicopata e que estaria a perseguir a amiga. Que ao fim de alguns anos deixou de ser colega e amiga. Principalmente porque a Madalena mudou de cidade e deixaram-se de ver. Os pais também pensaram que a Joana poderia ser lésbica e interessar-se por raparigas. Isto porque a Joana tinha um interesse muito intenso pela Madalena e a maneira como descrevia as suas sensações levou-os a crer isso. Mas não. A Joana não é lésbica. Mas também não é heterossexual. Na realidade a Joana não sabe muito bem o que é. Mas também já não se preocupa tanto com isso. Mas ainda continua a sonhar em ser como a Madalena.
Como serão os Autistas ao longo de 10, 20 ou até mesmo 30 anos? Os seus rostos serão mais envelhecidos e enrugados certamente. Assim como os cabelos mais esbranquiçados. Mas como será a sua vida, a sua felicidade, bem estar, tristezas, medos, sonhos? Alguns dizem que não há assim tantas mudanças quanto isso. Que não vêm grandes diferenças ao fim desse tempo todo. Sentem que os outros continuam a olhar para si como sempre olharam. Com estranheza, receio, medo de se chegaram perto. De os continuaram a ver como o "pequeno Donald ou Margarida" de sempre - o Autista. Talvez um pouco como esta questão da FaceApp também não dar para percebermos muitas das características das pessoas. O "AutismApp" também não dá para perceber a grande maioria dos sentimentos, pensamentos, sonhos, necessidades, desejos dos muitos Donald's e Margarida's deste mundo. E todos esses dados e informações que parecem ter sido roubados não o foram. Estão todos lá. Continuam lá, ainda que de uma maneira diferente. E se o João ou a Joana se sentirem acolhidos irão partilhar com qualquer um de nós livre e mais ou menos espontaneamente.
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