Quando os nossos filhos nascem é inevitável não pensar qual será o seu futuro! Se serão felizes? Bem sucedidos? Estas e tantas outras questões passam pelos nossos pensamentos em determinados momentos da vida. Seja quando eles recebem um teste negativo ou fomos chamados à escola devido a uma queixa do comportamento, por exemplo. Também é comum pensarmos na herança que deixamos aos nossos filhos. Seja o património genético ou material. Mas também o esforço em providenciar o acesso a uma educação de qualidade com vários momentos de actividades extra-curriculares. E fundamental, pensarmos naquilo que providenciamos no quotidiano em termos de um bem estar na dinâmica relacional familiar. E quando o nosso filho ou filha tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA)? O que pensam estes pais sobre aquilo que será o futuro dos seus filhos?
Há muitos investigadores na área do espectro do autismo que procuram os marcadores biológicos do autismo. A procura infindável de saber o que causa o autismo de forma a poder reverter o processo. Também tem sido investigado as constelações comportamentais observadas no espectro do autismo para tentar criar subgrupos e com isso poder fazer previsões acerca do prognóstico e evolução do quadro clínico e da vida da pessoa ao longo do ciclo de vida. Seja de uma forma ou de outra, o certo é que não há, ainda, nenhum marcador que nos diga o que causa de forma exclusiva o autismo. Assim como também não há uma visão única de quais os indicadores que nos ajudam a determinar a evolução da situação da pessoa com esta condição. Mas como em muitas coisas da vida há a colocação de um conjunto de hipóteses e pressupostos, uns melhores do que outros.
No caso do espectro do autismo conseguimos perceber que há pessoas mais funcionais do que outras. Nomeadamente, com a DSM 5 podemos ter pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e com um nível de gravidade variável entre o 1 e o 3, do mais para o menos funcional, ou também do menos para o mais grave. Se na PEA nível 1 temos uma maior funcionalidade, o que anteriormente se designava de Síndrome de Asperger. Já no nível 2 e 3 temos uma situação mais grave de autismo e normalmente associado a um défice cognitivo ou uma síndrome genética e com compromisso marcado na linguagem. Além disso temos o perfil cognitivo. Que no caso da PEA nível 1 normalmente encontramos pessoas com um perfil cognitivo médio ou médio superior e superior. E ao invés, na PEA nível 2 e 3 encontramos um perfil cognitivo mais baixo ou muito baixo e com comprometimento na aprendizagem e funcionalidade.
A partir desta informação são muitas as pessoas que já fizeram e continuam a fazer previsões acerca de como será a vida futura de uma pessoa com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Ou seja, se tem um perfil cognitivo mais alto terá certamente a probabilidade de ter uma vida melhor. E porquê? Porque são mais inteligentes e terão melhores notas na escola e por isso terão a possibilidade de ter um melhor futuro. Ao invés, as pessoas com PEA e um défice cognitivo terão certamente um futuro mais negativo e com menos chances de conseguirem alcançar um patamar adequado. Claro que isto é uma avaliação demasiado superficial. Mas são muitos aqueles que a fazem. E com essa avaliação levam a determinar também a vida das pessoas com PEA. Nomeadamente, quando essas pessoas são pais e insistem por exemplo que como os filhos têm um QI mais alto então terão de entrar na Universidade e ser Engenheiros Informáticos. E quando são os professores? Isto pode determinar que seja providenciado determinados tipos de apoios ao invés de outros e não se promova determinadas possibilidades.
Já para não falar dos próprios profissionais de saúde. Sim, esses também têm um conjunto de pressupostos, mais ou menos aproximados à realidade, do que poderá vir a ser a vida daquela pessoa. E isso também irá determinar ou enviesar de alguma forma a intervenção realizada junto do seu cliente. E o próprio com o diagnóstico. Se ele ou ela achar que não vale a pena fazer o que quer que seja porque tem menor capacidade. Então a probabilidade de que venha a ter sucesso ou uma qualidade de vida melhor será inferior.
Mas isso quer dizer que não podemos nunca saber o que poder prever partindo de algumas das características das pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo? Não propriamente. Mas aconselha-se alguma cautela nas inferências a fazer.
Por exemplo, existem dois factores avaliados na infância que ajudar a prever o quão bem as pessoas com autismo funcionarão como adultos, a saber, o quociente de inteligência (QI) e os problemas comportamentais associados, como por exemplo, o ter para além do diagnóstico de PEA um outro diagnóstico de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção.
Ao que parece, as pessoas com uma qualidade de vida mais alta parecem ter um QI relativamente alto e poucos problemas comportamentais; aqueles com QI baixo e problemas comportamentais graves parecem ter maiores dificuldades. Aqueles que têm um QI baixo ou problemas comportamentais significativos, mas não ambos, parecem pender entre os dois extremos. Ou seja, se você tem muitos problemas de saúde mental, mesmo que o seu QI seja alto, as suas hipóteses de ser independente são drasticamente reduzidas. Esta questão é importante no espectro do autismo na pessoa adulta. Isto porque continuo a ver muitas pessoas adultas que nunca foram diagnosticadas até à vida adulta e que têm um QI mais alto. Mas como nunca foram diagnosticadas com PEA e nunca tiveram um acompanhamento adequado a probabilidade de terem outras perturbações psiquiátricas associadas e/ou mais problemas psicológicos é maior. Ou seja, acabam por terem menos hipóteses de virem a ter uma melhor qualidade de vida porque não foram diagnosticadas e ajudadas em tempo útil. mas também se vê algo semelhante nas situações extremas. Ou seja, nas situações em que tem um défice cognitivo e não foi identificado precocemente. Ou então os pais devido à dificuldade em aceitar o défice cognitivo negligenciam inconscientemente a situação, etc. O que faz com que o projecto de vida desta pessoa não seja desenhado adequadamente ao seu perfil de funcionamento e isso tenha um impacto negativo na sua vida. Quando poderia ter sido antecipado com tempo e a pessoa poder ter um conjunto mais variado de possibilidades e como tal melhor qualidade de vida.
Mas volto a sublinhar a importância de fazer inferências com a devida cautela. Até porque alguns dos problemas comportamentais que venha a existir na pessoa com PEA pode advir de questões que ocorram no contexto ou na interligação das suas características comportamentais com o contexto social envolvente. Apesar de tudo isto, continua a ser fundamental a detecção precoce das situações e poder informar os pais de uma forma capaz acerca das várias possibilidades e de como poder alcança-las. Sendo que a decisão cabe aos pais e ao próprio quando maior de idade. Mas não esquecer os professores e profissionais de saúde pela vital importância no papel que têm. Os professores que acompanham as crianças e depois jovens ao longo de 12 anos de ensino obrigatório têm um papel preponderante na sua vida, seja a nível da formação académica mas também social e com um impacto enorme nos pilares que irão sustentar a possibilidade de vir a ter uma melhor ou pior qualidade de vida.
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