O povo costuma dizer, Vozes de burro não chegam ao céu! Mas neste caso especifico e apesar de demorado, as coisas estão a chegar ao lugar certo. Trata-se da investigação participada no autismo. Ao longo de todos estes quase 80 anos a investigação realizada no autismo tem sido quase sempre realizada por investigadores de um lado e pessoas autistas do outro. E normalmente as pessoas autistas são os participantes na investigação. Apesar do avanço que tem e continua a ser feito no campo da ciência, é conhecido que a participação conjunta das pessoas autistas na investigação traria um contributo único e muito válido para o desenvolvimento de mais e melhor trabalho. Nos últimos anos temos assistido a uma mudança em várias frentes. Em primeiro porque passou a haver cientistas eles próprios autistas e que trabalham nesta área do autismo nas mais variadas vertentes. Bem como a própria comunidade autista no seu continuo trabalho tem vindo a criar um lobbie suficiente para criar a oportunidade de participação conjunta entre pessoas autistas e não autistas no desenvolvimento de projectos de investigação. Por exemplo, no campo da avaliação psicológica e da construção de instrumentos para avaliar determinado conjunto de comportamentos presentes no autismo, tem sido fundamental a participação das pessoas autistas enquanto consultores para que os itens usados nos questionários possam reflectir a realidade vivida no autismo. Por exemplo, os instrumentos para rastrear a depressão e a ansiedade, perturbações psiquiátricas bastante presentes no autismo, não estavam a cumprir o seu objectivo nesta população. Em parte porque as questões colocadas não estavam a ser compreendidas pelas pessoas autistas ou então os itens não reflectiam na totalidade as dificuldades vividas. E os clínicos apesar de poderem observar estes sintomas no quotidiano da pessoa autista, quando usavam estes instrumentos verificavam que os mesmos não estavam a fornecer resultados fidedignos. Já para não falar do facto das diferenças observadas no fenótipo da mulher e do homem no espectro do autismo. E os próprios instrumentos de rastreio para o espectro do autismo não estarem adequado para a situação das mulheres. Como tal, a participação das mulheres autistas neste campo e no desenvolvimento de trabalho conjunto com os cientistas tem sido fundamental para ajudar a construir instrumentos diferenciados e adequados. Mas não é apenas na avaliação psicológica. A própria intervenção cientificamente validada para intervir quando presente determinadas perturbações psiquiátricas, normalmente integrado num modelo Comportamental e Cognitivo. Por exemplo, Intervenção Comportamental e Cognitiva na Depressão parece não se encontrar totalmente adequada para intervir nesta situação quando a mesma ocorre em pessoas autistas. E por isso parece fundamental efectuar determinadas alterações à técnica e metodologias para que a mesma se encontre adequada. E também aqui é fundamental ouvir as pessoas autistas, sejam aquelas que já passaram por inúmeras experiências de intervenção psicológica mas também todos os outros que ainda não, mas que podem partilhar aquilo que são as suas reais necessidades e como é que a própria relação terapêutica pode ser melhorada no sentido de alcançar melhor os objectivos. Todos nós, não autistas e autistas precisamos de desenvolver uma aproximação e uma relação participativa, pautada por um respeito mútuo e de reconhecimento face aquilo que são os conhecimentos desenvolvidos de ambas as partes. Não é de estranhar que com determinados discursos que se observam nas redes sociais seja por parte de investigadores e clínicos não autistas, mas também por autistas, pautados de algum desdém face ao trabalho de uns e contributo de outros, não parece que seja o caminho a fazer para mudar.
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