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Foto do escritorpedrorodrigues

Setembro amarelo

11 de setembro de 2021, nove horas e quarenta e três minutos, dizia o médico ao declarar o óbito de um jovem adulto que tinha entrado nas urgências por uma tentativa de suicídio. Apesar de lidarem todos ao dias e ao longo da sua profissão com a vida e a morte, não deixaram de se olhar médico e os dois enfermeiros presentes na sala. O que pensaram não sei, mas penso que muitos de nós podem ter uma ideia. Assim como o que sentiram. O certo é que ao sair da sala e ter tirado as luvas a primeira coisa que o Doutor Matias (nome fictício) sentiu vontade de fazer foi ligar para o filho. O telefone tocou, uma, duas, três vezes. O seu coração que ainda estava a procurar contra reagir ao momento anterior já se preparava para começar a bater com mais força. Sim pai? O que foi? Não costumas ligar a esta hora!, atenderam do outro lado. Bernardo (nome fictício) é o filho mais velho de Matias. Tem mais dois filhos de um segundo casamento. Bernardo vai fazer 17 anos em novembro. Vai começar o 10º ano. Chumbou. O ano passado não foi fácil. Parece ser uma coisa dita e repetida por muitos de nós. Mas o ano passado não foi fácil para o Bernardo. Além de ter mudado de escola e de ter ingressado no Ensino Secundário, tinham mudado de casa recentemente. A turma do Bernardo tinha alguns colegas que foram implicando com ele ao longo do ano. Na terceira semana de aula, Bernardo não conseguiu aguentar e agrediu um desses colegas na aula de Físico-Química. Foi levantado um processo e as coisas ficaram ainda mais agitadas. Além disso os colegas que tinha iniciado esta implicação com o Bernardo intensificaram o seu comportamento. Senti saudades tuas filho, respondeu-lhe Matias ao telefone. Foi só isso. Até mais logo, disse despedindo-se dele. No decorrer do 10º ano as situações foram-se intensificando. Ainda que não fossem novidade para o Bernardo mas também para o Matias. Bernardo tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo desde o final da pré-primária. A sua Educadora achou que seria importante referenciar o Bernardo e falou com os pais. Na altura foi difícil aceitarem mas reconhecem que hoje foi o melhor a fazer. Na altura solicitaram o adiamento escolar. Não que o Bernardo não apresentasse competências para prosseguir. A família sentiu na altura que necessitava de se reorganizar. Havia outras coisas a acontecer. A passagem por outras escolas não foram sempre pacificas. Ou então era um dos professores. Principalmente das disciplinas que o Bernardo menos gosta. Apesar dos momentos de maior ansiedade e dos meltdowns que iam acontecendo em criança, Bernardo conseguia seguir as orientações das pessoas com quem estabelecia uma boa relação. A meio do 10º ano, depois do natal e ano novo, Bernardo passou a estar ainda mais fechado sobre si próprio. Numa situação quotidiana em que o Bernarndo estava a procurar estudar no escritório e aquele mês de março que estava anormalmente quente, o ar condicionado estragou-se. De uma forma espontânea Bernardo tirou a sweatshirt para continuar mais à vontade pois estava cheio de calor. E na mesma altura o pai reparou em algumas escoriações na pele dos antebraços. Matias já tinha visto situações semelhantes no hospital. Nunca no Bernardo.


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