Salvar vidas: Precisa-se
- pedrorodrigues

- 20 de jun.
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É um mundo à parte! Ouvimos dizer frequentmente quando alguém se refere à vida de uma pessoa autista. Na verdade ouvimos isso sempre que alguém procura falar de uma pessoa com um qualquer diagnóstico neuropsiquiátrico. Talvez porque muitos de nós nunca passou por uma situação de saúde mental. Pelo menos metade da população Portuguesa nunca teve ou têm uma perturbação mental. Ainda que o facto de nunca ter tido uma perturbação mental nos retire a responsabilidade de procurar compreender aquilo que uma pessoa nessa mesma situação possa sentir. Mas continuamos a ouvir - É um mundo à parte!
Mas na verdade não é assim tão à parte quanto muitos de nós pensa. E não, não vou referir que todos nós somos um pouco autistas. Ainda que as características do espectro do autismo possam ser observadas individualmente expressas na população em geral. Não é assim taõ diferente porque aquilo que as pessoas autistas procuram viver no seu quotidiano é semelhante ao que qualquer um de nós procura. Ainda que o mundo à parte possa significar que as pessoas autistas processam a informação sobre si, os outros e do mundo de uma forma diferente. Isso não significa que procurem algo diferente de uma maneira geral.
E uma das coisas que as pessoas autistas, como qualquer um de nós, procura quando necessita são os serviços de saúde. E quem de nós nunca pensou na forma como os serviços de saúde, nomeadamente do Sistema Nacional de Saúde precisa de ser repensado face às reais necessidades da população? Quem de nós nunca se queixou da forma como foi atendido por um profissional de saúde? Ou quem de nós nunca desesperou pelo tempo de espera para uma consulta ou uma cirurgia? Eu poderia continuar, mas penso que os exemplos são suficientes para que percebam que as necessidades das pessoas autistas e das pessoas não autistas no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde são semelhantes.
Mas serem semelhantes não significa serem iguais. Porque não os são! Até porque se há a necessidade de reflectir a respostas dos serviços de saúde para as reais necessidades da população. Ainda mais existe para as reais necessidades das pessoas autistas.
A medicina de uma maneira geral, a psiquiatria e a psicologia de uma forma mais especifica, necessita de ter respostas mais precisa e adaptada às pessoas e às suas necessidades. Isso envolve ir além dos diagnósticos baseados em sintomas para incorporar uma gama mais ampla de dados, incluindo informações genéticas, neuroimagem e factores de estilo de vida, a fim de desenvolver planos de tratamento personalizados e eficazes. Há muito que se demonstrou que one-size-fits-all não funciona. Mas não é só não funcionar, como se de um modelo teórico que tem estado a ser testado ao longo dos anos. Principalmente está a falhar às pessoas, e a prejudicar em muito a sua vida e bem-estar, aumentando o seu mal estar psicológico e sofrimento. Para além de agravar os custos para os orçamentos da saúde, segurança social, etc.
Cada vez mais sabemos/vamos sabendo sobre o autismo e a sua prevalência. Estudos indicam números elevados em todo o mundo — 1 em cada 100 pessoas na Europa é diagnosticada. Uma em cada 36 crianças de 8 anos nos EUA é autista e as taxas de diagnóstico no Reino Unido aumentaram 787% entre 1998 e 2018. No entanto, persistem as barreiras enfrentadas pelas pessoas autistas na Europa no acesso a vários serviços, que vão desde o diagnóstico e a educação até ao emprego e aos cuidados de saúde. As razões mais comuns incluem atrasos no diagnóstico do autismo, serviços insuficientes, má qualidade dos serviços, cortes no financiamento dos serviços e falta de vontade dos prestadores de serviços em responder às necessidades das pessoas autistas.
Só em Inglaterra, em junho deste anos, havia 200.000 casos de encaminhamentos suspeitos de autismo em aberto, e 81,20% deles com encaminhamentos em aberto há pelo menos 13 semanas sem uma consulta de atendimento registrada, com ambas as tendências aumentando ao longo de 5 anos. E a situação não ocorre apenas em Inglaterra. Algo semelhante acontece na Irlanda e Escócia. Mas também em Espanha e na França. E se não se sabe da realidade em outros países europeus, como por exemplo Portugal, é porque não tem havido a vontade de desenvolver uma politica nacional para o autismo. E como tal, não tem havido, tal como nos outros países referidos, o desenvolvimento de um conjunto de respostas de saúde mais ou menos concertadas para dar resposta às necessidades das pessoas autistas, mas também fazer o registro e acompanhamento da situação.
Estamos a falar de uma crise na saúde mental, com metade das pessoas autistas a sofrer de ansiedade ou depressão em algum momento da vida e, ainda mais alarmante, 34-72% das pessoas autistas a ter pensamentos suicidas, 22% a planear o suicídio e 24-47% a tentar suicidar-se, em comparação com 9% da população em geral que experimenta ideação suicida e 2-3% que planeia ou tenta suicidar-se.
E estes não são os únicos indicadores conhecidos como apresentando não apenas uma preocupação alarmante, mas também um impacto devastador. O acesso aos serviços de saúde por parte das pessoas autistas adultas é mais pequeno comparativamente aos adolescentes. Poderiamos pensar que até à maioridade as pessoas autistas são levadas pelos pais e como tal vão continuando a ver asseguradas algumas das suas necessidades. Mas as pessoas autistas adultas também vivem, na maior parte das situações, com os seus pais ou outros familiares. Mas o que se pensa é que os serviços de saúde mental para a população adulta não parece estar adaptada para dar resposta às pessoas autistas adultas, seja em Portugal, mas também na Europa de uma maneira geral.
Tal como se ouve com frequência nesta altura do ano nas campanhas que a Direcção-Geral de Saúde faz para a doação de sangue - Dê sangue: Salve vidas! Também precisamos de uma política nacional e europeia para o autismo. E aproveito para dizer aquilo que digo em muitas outras situações em que se refere das adaptações e acomodações para as pessoas autistas. Esta política de saúde para o autismo serve a todos, sejam pessoas autistas e não autistas!




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