Ainda o João (nome fictício) não se tinha sentado na cadeira e já o ouvia dizer - Por que é que eu tenho problemas que as outras pessoas não têm? João não tinha sido capaz de fechar a porta do gabinete. Por que é que reajo sempre assim?, continuou. Ainda antes de se sentar disse - Por que não consigo lidar melhor com as coisas?, e sentou-se. João parecia cansado. Vinha com os braços pendidos junto ao corpo e sem os movimentar. Os ombros estavam igualmente descaídos. Ainda não tinha conseguido ver o seu rosto, mas a voz arrastava-se tal qual o corpo. Estou sempre a pensar em como estou frequentemente zangado comigo mesmo!, diz-me. Na verdade não sei se estou zangado comigo, continua. Zango-me muito com os outros, isso é um facto!, continua. E não percebo o que é que eu fiz para merecer isto?, refere. Mas não consigo deixar de pensar nas minhas falhas e erros!, concluiu. Duas questões pareciam ser evidentes no João. Um o seu comportamento ruminativo. O outro a sua desvalorização pessoal.
É comum quando vemos um diapositivo representativo do cérebro humano, muitos de nós possam perguntar o que significam as siglas. Por exemplo, o que significa PCC, ACC ou R? PCC significa cortex posterior cingulado (do Inglês Posterior Cingulate Cortex), ACC quer dizer cortex anterior cinculado, e no caso do R, tal como diz no titulo, este significa ruminação. Não, não foi nenhuma descoberta recente de nenhuma área nova do cérebro. Mas convenhamos que atendendo ao facto de muitos de nós desenvolvermos este processo cognitivo, deveria haver uma área com o seu nome.
Provavelmente, muitos de nós ao pensarmos na palavra ruminação, associamos esta a determinados conceitos - acto ou efeito de ruminar, remoer, etc. Mas também lhe atribuímos alguns conceitos morais, tais como, teimosia, insistência nas mesmas coisas ou pensamentos, etc. Mas provavelmente, muitos de nós não associará a palavra ruminação à depressão, além de partilharem o mesmo ditongo. Contudo, nós sabemos que a depressão está entre os resultados clínicos mais significativos nos adultos autistas, com prevalência ao longo da vida nesta população quase quatro vezes maior que a população em geral. Nas pessoas autistas, a depressão tem sido associada a uma qualidade inferior de vida, dias de trabalho perdidos, aumento da sobrecarga do cuidador, autolesão, e suicídio.
Ruminar envolve pensamentos perseverativos que giram em torno de uma emoção ou situação negativa. Como um processo não intencional e involuntário, a ruminação costuma ser de longa duração e pode consumir recursos cognitivos. A ruminação tem sido mais fortemente ligada à vulnerabilidade e manutenção da depressão. Muitas pessoas autistas têm a tendência de se concentrar intensamente e excessivamente numa coisa, uma característica conhecida como perseveração. Além de que algumas pessoas autistas também apresentam dificuldade com o controle inibitório.
A ruminação é um tipo de pensamento repetitivo que se parece focar na angústia, sem fazer esforços activos para resolver o problema. Este tipo de passivo cognição repetitiva foi mostrada prospectivamente prever depressão, ansiedade, e outros resultados negativos para a saúde na população em geral. O pensamento perseverativo na população em geral, parece prever a depressão, independentemente do nível da gravidade dos traços autistas. Ou seja, os traços autistas não moderam a relação entre a ruminação e depressão. E aqueles com mais traços autistas tendem a reportar níveis mais elevados de ruminação e perseveração. E a ruminação parece ser encontra de forma parcial mediar a relação entre traços autistas elevados e sintomas depressivos. E isso parece sugerir que o pensamento repetitivo está associado à depressão em pessoas neurotipicas. Mas as pessoas autistas parecem ter uma maior probabilidade de demonstrar este mesmo padrão cognitivo.
No comportamento de ruminação, aquilo que mais frequentemente observamos parece ser, um pensamento repetido sobre a falta de motivação, preocupações sobre não ser capaz de se concentrar no futuro, analisar a personalidade para entender por que alguém está deprimido e perguntarem-se por que não são capazes de lidar com o stress.
Os Modelos cognitivos de depressão postulam que o processamento auto referencial com viés negativo desempenha um papel crítico na manutenção da depressão. E a ruminação depressiva é a forma perseverativa desse viés cognitivo, que envolve um foco repetitivo nos sintomas depressivos de uma pessoa e nas implicações desses sintomas. E tem sido demonstrado que esta ruminação depressiva contribui significativamente para a gravidade, duração e probabilidade de recaída dos sintomas depressivos em várias formas de depressão.
Os adultos autistas são substancialmente mais propensos a desenvolver depressão do que indivíduos na população em geral, e pesquisas recentes indicaram que certas diferenças nos estilos de pensamento associados ao autismo podem desempenhar um papel nessa associação.
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