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Processamento sensorial

Se há coisa que eu gosto de fazer depois de um dia inteiro de trabalho é poder descalçar-me, tirar as meias e enrugar para a frente e para trás os dedos dos pés no tapete da sala! Desculpem-me a descrição detalhada, mas uma pessoa adulta tem as suas necessidades, algumas delas, sensoriais.


No espectro do autismo as questões do processamento sensorial são uma presença constante desde sempre na vida da pessoa. Não obstante não constar das características nucleares no diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, os aspectos sensoriais, sejam hiper ou hiposensibilidades, mas também as questões dos interesses de exploração sensorial são presença constante e ao longo do desenvolvimento.


Contudo, tal como tantas outras coisas no espectro do autismo, ou até mesmo o autismo em si, parece que há a ideia do processamento sensorial ser apenas uma coisa de crianças e jovens e que na entrada da vida adulta desaparece. E ainda que não desapareça, deixa sem dúvida de ser tão frequentemente falado, investigado e pensado em termos de intervenção.


Se é um desafio encontrar respostas adequadas à intervenção para os aspectos do processamento sensorial no espectro do autismo em crianças e jovens (não obstante o contínuo esforço da Terapia Ocupacional). Para pessoas autistas adultas parece uma caminhada no deserto. Ainda que as pessoas autistas adultas vão procurando, principalmente dentro da própria comunidade autista e nas suas constantes pesquisas na internet de respostas adequadas para as suas necessidades. Contudo, conseguimos compreender como é necessário poder ter um olhar clinico e cientifico para a investigação e desenvolvimento de respostas cientificamente validadas para esta situação.


Tal como a própria diversidade e heterogeneidade de características e expressão comportamental das pessoas autistas, o processamento sensorial parece ter igual comportamento.


A hipersensibilidade sensorial auditiva, como qualquer outra questão do processamento sensorial dentro das diferentes áreas sensoriais (visual, tactil, auditivo, gustativo, olfactativo, vestibular, proprioceptivo e interoceptivo), vai desde uma sensibilidade a um som estridente agudo ou grave ao simples som produzido por uma pessoa a mastigar ou o som produzido pela electricidade estática de um electrodoméstico ligado à corrente electrica durante o silêncio da noite. Ou então a nível táctil, podendo ir de um maior desconforto em usar ganga ou uma impossibilidade em usar roupa interior, até ao facto de não conseguir vestir um kispo com um determinado tecido porque quando as mangas roçam no corpo fazem um som especifico que é intolerável pela pessoa.


Os exemplos são infinitos, tanto quanto as pessoas que os vivem. Mas continuo a perguntar-me porque é que não existe o desenvolvimento de manufactura de roupa adaptada a estas e outras questões sensoriais tácteis e não só nas pessoas autistas? E sim, eu sei que já vão existindo algumas respostas a este nível. Contudo, ou os preços das roupas em questão são escandalosamente caros, ou então são quase de conhecimento exclusivo dentro da comunidade autista. Em relação ao primeiro aspecto do preço, compreendo que o desenvolvimento de uma resposta para um grupo minoritário de pessoas possa corresponder a um grande investimento que se vai reflectir no preço final. Ainda assim, parece-me haver a necessidade de uma responsabilidade social das empresas que manufacturam roupa pensar na sua responsaibilidade em adaptar as roupas para todos. E inclusive pensarmos que uma roupa adaptada para uma necessidade de uma pessoa autista irá representar uma mais valia e comodidade para qualquer outra pessoa não autista. Pensem por exemplo, no facto de terem meias sem costuras e no quanto confortavel isso pode ser para os vossos pés. Já para não falar das etiquetas, algumas delas com quase 60 cm de tamanho. No que diz respeito ao facto de haver respostas a este nível mas quase sempre circusncritas à comunidade autista, relanço o seguinte desafio. Porque não trazer para a sociedade estas mesmas respostas para que todos possamos compreender através das roupas adaptadas que há uma conidção de nome perturbação do espectro do autismo e que entre outra coisas isso representa uma necessidade ao nível do procesamento sensorial. Por isso, se alguém conhecer os donos da Inditex ou um designer de moda que vá com frequência à Moda Lisboa Fashion Week, façam o favor de lhes dar esta dica.


As diferenças no processamento sensorial são uma característica central do autismo. Essas diferenças influenciam a forma como as pessoas autistas percebem e interagem com o ambiente ao seu redor. Para muitos, a hipersensibilidade sensorial manifesta-se como aversão a ruídos altos, desconforto com luzes brilhantes ou até mesmo angústia causada por texturas, cheiros ou sabores específicos. Essas sensibilidades intensificadas podem levar a níveis grandes de angústia, isolamento social e prejudicar significativamente a capacidade de um indivíduo de realizar actividades diárias ou interagir socialmente. Como resultado, as sensibilidades sensoriais muitas vezes contribuem para barreiras à inclusão e à plena participação na sociedade.


Por que algumas pessoas autistas apresentam sensibilidade elevada a estímulos sensoriais, enquanto outras podem ser hipossensíveis ou apresentar respostas variáveis aos estímulos sensoriais? Essas sensibilidades são principalmente resultado de um processamento neural atípico ou factores ambientais e psicológicos também desempenham um papel significativo?


A investigação actual começa a sugerir que as sensibilidades sensoriais podem envolver interações complexas entre integração sensorial atípica, aumento da conectividade neural e desregulação nas vias de processamento sensorial no cérebro. No entanto, as coisas permanecem ainda muito incertas. Essa lacuna é especialmente evidente quando se considera a relativa escassez de estudos que examinam o curso longitudinal das sensibilidades sensoriais, seus correlatos neurobiológicos e sua resposta a intervenções direcionadas. Embora estudos iniciais tenham descrito sintomas sensoriais no autismo, a investigação com ensaios clínicos em larga escala ainda são limitados.

Além disso, sublinhamos o facto dos factores culturais e ambientais frequentemente influenciarem a forma como as sensibilidades sensoriais são percebidas e geridas. Por exemplo, em ambientes com elevadas exigências sensoriais — tais como salas de aula barulhentas ou locais de trabalho movimentados — as sensibilidades sensoriais podem ser exacerbadas. Por outro lado, ambientes sensoriais amigáveis que minimizam os estímulos ambientais podem reduzir significativamente o desconforto e melhorar o funcionamento das pessoas com autismo. Compreender como os factores culturais, sociais e ambientais influenciam as experiências sensoriais é crucial para criar intervenções que sejam eficazes e sensíveis ao contexto. E ainda hoje, continuamos a ter uma dificuldade tremenda em enviar relatórios para as escolas, faculdades e locais de trabalho a solicitar que estes ambientes possam ser adaptados e as necessidades das pessoas autistas possam ser atendidas e acomodadas. Sabendo de antemão que ainda temos um número muito grande de pessoas com reponsabilidade de decisão destes mesmos locais (escolas, faculdades, locais de trabalho) que não olham com interesse em relação a estas necessidades. Desconsiderando em boa parte estas necessidades tão importantes, referindo inclusive que será muito oneroso as mudanças a fazer e que não parece fazer sentido quando a maioria das pessoas naquele ambiente se consegue adaptar. Fazendo com que as pessoas autistas se sintam marginalizadas, mesmo quando a resposta que lhes fornece seja coloca-los numa sala ou num espaço à parte.


Volto a sublinhar que as mudanças a realizar para a adaptação dos contextos e ambientes onde as pessoas estão, vivem, estudam ou trabalham visa a melhoria da qualidade de vida de todos, pessoas autistas e não autistas. Uma melhor condição ao nível sensorial, além de fazer cumprir a legislação para as questões do ruído ambiental, etc., promove a aprendizagem, no caso das escolas e faculdades, mas também a eficiência no desempenho das tarefas, pensando a nível profissional.

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