Muitos de vocês ficarão a pensar - Mas ele não estará enganado? Não quererá dizer O Velho e o Mar? É um grande livro e referência, mas não, não me enganei. Ainda que a ideia presente no livro em questão possa servir de mote para este texto.
No conhecido livro de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar, está patente ao longo do mesmo a relação do ser humano com o mar e luta pela sobrevivência empreendida pelo Homem. O velho Santiago sente-se desafiado pelos pescadores mais jovens e sai ao mar para provar aos companheiros que ainda pode fazer pescarias bem sucedidas. E com mais de oitenta e quatro dias sem apanhar peixe algum, sente-se obrigado a provar aos outros que ainda é vigoroso na sua profissão, lançando-se aos perigos do mar.
Muitos agora estarão a perguntar-se - E o que é que isso tem a ver com os jovens a pescar? Tem tudo. Além do velho Santiago sentir que se sente desafiado pelos pescadores mais novos e achar que tem de lutar pela sua sobrevivência. Também os jovens se sentem muitas vezes desafiados, nomeadamente pelas expectativas dos mais velhos ou pela pressão social dos pares.
Muitas vezes acontece recebermos pais em consulta e que nos perguntam como é que haverão de trazer os seus filhos adolescentes à consulta. Ou então se será necessário trazer os seus filhos à consulta. E atendendo a que em média os filhos estão a viver com os pais até aos vinte e sete anos. A questão também acaba por se colocar para estes jovens adultos. Em que os pais sentem que os filhos sendo pessoas adultas já não faz sentido ou já não é possível arrasta-los para a consulta. Mas no entanto fica a angustia e a preocupação latente de sentirem que alguma coisa não está bem do ponto de vista emocional no seu filho ou filha.
Alguns dirão ou pensarão - Era o que faltava, vai à consulta e acabou-se! Se vive lá em casa tem de se sujeitar às regras! E em algumas situações é isso que acaba por acontecer. O jovem acaba por vir à consulta mais ou menos arrastado e sem estar motivado para a mesma, mas vem. E por norma aquilo a que assistimos é a um jovem sentado na nossa frente de braços cruzados e calado a maior parte do tempo e a responder com ditongos ou a mencionar que os pais é que precisam de vir à consulta pois ele/a não tem problema psicológico nenhum.
A adolescência e ainda mais a transição da adolescência para a idade adulta é um dos momentos mais influentes do desenvolvimento ao longo da vida útil da pessoa. A adolescência é um período crítico para o desenvolvimento neurológico, e um período em que mais de metade de todas as perturbações psiquiátricas da vida começam.
As perturbações mentais são responsáveis por aproximadamente 45% da carga global da doença nos adolescentes, e estão associados a múltiplas preocupações de desenvolvimento (por exemplo, menor realização educacional, etc.). A investigação com adolescentes sugere que o contacto com profissionais de saúde mental tem efeitos preventivos contra as perturbações psiquiátricas. No entanto, estes mesmos estudos estimam que aproximadamente 67% dos adolescentes que precisam destes serviços especializados, não procuram nem recebem ajuda formal para as suas necessidades.
Certamente que neste momento poderíamos falar acerca dos recursos humanos reduzidos no Sistema Nacional de Saúde. Nomeadamente, a escassez de Pedopsiquiatras e de psicólogos clínicos nos Hospitais e Centros de Saúde. Também poderíamos dizer neste mesmo sentido que não tem havido um investimento adequado e continuado pelos sucessivos governos na saúde mental. E que isso se tem traduzido numa desvalorização da importância da higiene mental na população. Ou ainda poderíamos dizer que os pais estão cada vez menos capazes de colocar limites nos filhos ou que os jovens de hoje em dia estão cada vez mais desinteressados e desmotivados para várias coisas. Poderíamos dizer muita coisa, e muita dela é verdade ou com o enquadramento necessário faz todo o sentido. Mas continua a ser importante pensar como fazer para mudar a percentagem de jovens que não procura e não recebe ajuda formal em termos da saúde mental. Ainda que os factores acima mencionados sejam fundamentais de serem tidos em conta.
As barreiras económicas e geográficas parecem ter um peso preponderante. E dai que seja importante uma resposta de proximidade e sem restrições de acesso. Ou seja, porque não pensar na criação de um serviço aberto que possa receber os jovens sem qualquer tipo de restrição para que possam fazer uma primeira avaliação da situação apresentada? E por conseguinte poder fazer um encaminhamento adequado para as necessidades em questão. Por exemplo, a consulta de Planeamento Familiar nos Centros de Saúde não tem custos associados para a pessoa que a requer. E dependendo da gestão que cada Centro de Saúde faz a sua resposta costuma ser célere e eficaz. Para além de todos os projectos de saúde escolar que existem em conjunto com as escolas.
Mas e com que recursos é que poderíamos fazer isso? Quantos profissionais de saúde mental seriam necessários? Quantos Pedopsiquiatras e Psicólogos clínicos? Há a noção de quantos profissionais de saúde destes existem. E que qual a percentagem de população abrangem. Há a noção de que há zonas do país mais desprotegidas neste tipo de resposta. E que o caminhar das coisas tem demonstrado uma realidade cada vez mais preocupante no que diz respeito à saúde mental e ao impacto que a mesma está a ter em idades tão importantes do desenvolvimento. Sendo que este impacto não fica apenas circunscrito neste período e acaba por continuar a se desenvolver ao longo da vida adulta.
Provavelmente ao começar a ler o texto terá ficado com a ideia de que haveria indicação de alguma solução. E poderá ter ficado frustrado com o facto do texto se estar a aproximar do fim e não parecer existir. Mas não sinta que não há nenhuma resposta, porque há. Muitos de nós já faz aquilo que é importante fazer quando nota alguma alteração mais significativa no comportamento. Ou quando observa que determinado comportamento não está ainda a ser adquirido para lá do tempo normativo. Nestas situações, a grande parte das pessoas leva os seus filhos, sejam eles crianças ou adolescentes, ao Pediatra, Médico de Família, Psicólogo clínico, etc. Contudo, se isso fosse a resposta não teríamos a situação tal qual actualmente a temos. Até porque algumas alterações do comportamento ou não aquisições de etapas fundamentais do desenvolvimento, não estão a ser totalmente percebidas do ponto de vista clínico como suficientemente relevantes. E a situação de muitas destas crianças e posteriormente adolescentes vai agravando. E depois precisamos de falar de uma franja importante da população a que o acesso a cuidados de saúde especializados, nomeadamente de saúde mental, está em muito restringido. E isso leva necessariamente a um agravamento das situações clinicas.
Além do papel individual de cada um de nós no cuidar da sua saúde física e mental. É igualmente importante continuar a exigir aos sucessivos governantes a importância da saúde mental e a colaboração destes na mobilização de respostas públicas para a saúde mental.
Tal como o velho Santiago em O Velho e o Mar, esteve a vida inteira no mar, empreendendo lutas e saindo-se vitorioso. E o facto de conhecer as marés, as mudanças climáticas, a localização dos cardumes e o comportamento dos peixes havia-lhe dado um passado de vitórias. No entanto, faz contraponto ao seu esforço a vida de privações do pescador. E como tal mora num casebre e dorme sobre uma cama que não passa de jornais velhos amontados e ressequidos. O que teria levado o pescador a essa situação?
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