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Neurodiversity affirming psychology practice


Em 1997 foi a primeira vez que tive contacto do ponto de vista clinico e cientifico com a palavra autismo. Tinha entrado no curso de psicologia há dois anos e estava em Psicopatologia Geral a aprender aquilo que o manual de diagnóstico das perturbações mentais da altura (DSM-IV) nos oferecia em termos nosológicos para a classificação das perturbações mentais através de uma classificação categorial. E ainda que tivesse algum conhecimento e até contacto com pessoas com deficiência, o meu conhecimento sobre o autismo era muito escasso.

E como tal, aquilo que me foi apresentado na altura enquanto autismo estava muito apegado à descrição encontrada na DSM-IV, e traduzindo e actualizando para aquilo que hoje encontramos na DSM 5, foi algo como - O autismo é uma condição neurodesenvolvimental persistente caracterizada por traços autistas centrais, tais como desafios na comunicação social, comportamentos repetitivos e sensibilidades sensoriais, juntamente com sintomas potencialmente relacionados, tais como deficiências na linguagem funcional e no desenvolvimento cognitivo. Sendo que na altura não havia o chapéu da Perturbação do Espectro do Autismo e como tal poderíamos ler que havia todo um conjunto mais diversificado de autismo(s), nomeadamente a Síndrome de Asperger que tinha entrado recentemente na DSM IV e ainda pouco ou quase nada se sabia e muito menos se falava sobre.

Estamos a falar há 28 anos atrás. Entretanto finalizei o meu curso de psicologia clinica e ao fim de algum tempo passei a trabalhar do ponto de vista clinico com pessoas autistas. Sendo que muitas coisas mudaram. Desde as questões nosológicas presentes nos manuais de diagnóstico. Na actualidade já vamos na DSM 5 TR. Mas também do ponto de vista dos protocolos de intervenção para as pessoas autistas, que actualmente já se vão encontrando mais e melhor adaptados às suas reais necessidades. Mas a realidade ainda está um pouco distante desta nova noção.


Hoje em dia e cada vez mais lemos e ouvimos palavras como neurodiversidade e neurodivergente e ficamos sem saber muito bem como as pensar, sentir e colocar em prática na nossa práxis enquanto psicólogos.


Além disso, percebemos que o autismo é frequentemente acompanhado por comorbilidades psicológicas, sendo as perturbações do humor e ansiedade, as condições mais comumente associadas. Mas, tradicionalmente, os traços autistas têm sido enquadrados num modelo médico e considerados em termos de déficits e sintomas clínicos.


Mas várias das pessoas que vão trabalhando na área do neurodesenvolvimento vão sentido a necessidade de um outro enquadramento e forma de pensar os diagnósticos, mas também as pessoas. Como tal, reconhecemos que os termos neurodiversidade e neurodivergente são formulados de forma a conter semelhanças e diferenças entre diferentes epistemologias (e.g., estudos sobre deficiência, estudos críticos sobre o autismo, teoria Neuroqueer, etc.) e permitem espaço para entendimentos diferentes daquele apresentado no modelo médico.


Trabalhar enquanto psicólogo clinico desta forma é um processo de desaprender muito do que nos foi ensinado (e.g., em formações, locais de trabalho, etc.) sobre a experiência autista. Como profissionais dedicados que provavelmente escolheram a sua carreira para aliviar o sofrimento, podemos sentir-nos desconfortáveis ao reflectir sobre práticas anteriores baseadas em défices, que normalmente se baseiam no conhecimento da experiência autista construído pela neurodiversidade percebida, em vez de pelas pessoas autistas.


Aceitar esse desconforto oferece a oportunidade de desenvolver práticas e aprender novas abordagens que procuram ir além das injustiças epistémicas e sistémicas actuais que rodeiam a experiência da pessoa autista.


Vários dos procedimentos e testes actuais de identificação (avaliação) do autismo baseiam-se na patologização dos comportamentos autistas. Por exemplo, ser hábil em conversas sociais é considerado um padrão arbitrário de interação, e a aversão a esse estilo de comunicação é visto como um deficit. No entanto, dentro de uma cultura autista, comunicar-se em profundidade sobre um tema é um método de comunicação muito mais valorizado. Ou seja, o comportamento humano continua em muito a ser olhado e comparado face a uma normalidade neurotipica. E isso contribui em parte para a construção de uma narrativa de comportamento antissocial, ao invés de olhar para formas diferentes de socialização.


O apoio pós-identificação para as pessoas autistas nunca se deve concentrar em alterar ou tratar a neurologia da pessoa, mas sim na auto-defesa e na autodeterminação. Como profissionais neuroafirmativos, devemos procurar olhar e trabalhar nas áreas prioritárias de apoio do indivíduo, por exemplo, adaptando o ambiente físico e social para melhor se adequar ao seu neurotipo (através de necessidades sensoriais, atenção monotrópica e estilos de comunicação, etc.). As formas da pessoa ser autista devem ser validadas, assim como procurar cultivar uma identidade autista positiva. Enquanto que as necessidades de saúde mental devem ser atendidas, juntamente com o apoio à compreensão das diferenças específicas de percepção e sensoriais, capacitando a autoadvocacia e apoiando as pessoas próximas à pessoa autista a apreciar a experiência autista através de uma lente neuroafirmativa.


Tal como na fotografia usada para completar o texto, é um caminho que todos nós iremos percorrer e escolher pôr em prática na nossa vida. Estejamos a falar de pessoas autistas, ou de profissionais de saúde, é um caminho em que estas propostas de reflexão vão sendo tidas e absorvidas na nossa forma de estar, ser e fazer, no meu caso, psicologia clinica. Ainda que para todos nós seja um desafio. Sejam pessoas autistas que descobrem o seu diagnóstico na vida adulta, ou profissionais de saúde que vão percebendo a existência deste outro paradigma após vários anos de ser profissional num outro enquadramento. É um processo maturativo e que vai levar o seu tempo e que não deve ser forçado. Ainda que muitos profissionais de saúde vejam e sintam essa transição como algo que já ocorreu há mais tempo ou que é mais fácil de acontecer. Até porque já trabalhavam com minorias, para além dos aspectos da sua própria sensibilidade enquanto pessoa e profissional de saúde que foi desenvolvendo uma capacidade de compreensão, aceitação, mas também celebração da diferença.


Ainda assim, enquanto profissionais de saúde precisamos de nos comprometer a aprender e a envolver com a voz, a cultura, a investigação e as publicações lideradas por autistas, bem como com as prioridades da comunidade em termos de linguagem, investigação futura e apoio. E aqui poder dizer que não é um compromisso que tenha de remover o outro compromisso que antes tínhamos e trazíamos, mas antes um complementar destas várias e algo diferente fontes.


A ideia de que existe uma cultura, comunicação e identidade autista é muito nova para a maioria das pessoas. Alguns exemplos dessa cultura incluem os símbolos que a comunidade autista escolhe para se identificar (e.g., o símbolo do infinito dourado) e aqueles que muitos rejeitam mais firmemente (e.g., peças de quebra-cabeças e a cor azul, que foram impostos por pessoas de fora da comunidade). As pessoas autistas têm formas distintas de estar, explorar e aprender sobre o mundo. A única maneira de se tornar e manter-se actualizado sobre qualquer uma dessas formas é escutando as pessoas autistas.


Ser favorável à neurodiversidade não significa apenas alterar a linguagem para ser mais respeitoso para com a comunidade, mas também realizar mudanças sistémicas nos locais de trabalho, sistemas de saúde, comunidades e na sociedade, para que as pessoas autistas e neurodivergentes tenham os direitos iguais que merecem. Isso requer aliados na comunidade, bem como defensores. É um direito humano básico ter voz e um lugar à mesa na tomada de decisões sobre as necessidades da comunidade, e diversificar as equipas dessa forma também leva a melhores cuidados e apoio.


A diversidade tem um valor intrínseco. Podemos observar o impacto negativo significativo que a redução da biodiversidade causa aos ecossistemas. Assim como a biodiversidade, todos os seres humanos fazem parte de uma tapeçaria de neurodiversidade e estamos todos conectados uns aos outros. Precisamos de todos os tipos de pessoas e mentes para prosperar como sociedades globais. Ser afirmativo em relação à neurodiversidade é reconhecer e celebrar o valor dessa diversidade.

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