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Foto do escritorpedrorodrigues

Message in a bottle

Em criança as pessoas pareciam ter mais compreensão com alguns dos meus comportamentos. Ele é assim mesmo! diziam. Ele sempre foi assim, sai ao pai! mencionavam. Naquela altura ser mais reservado, tímido ou bicho do mato como muitos me chamavam parecia ser uma coisa muito natural. Na escola ninguém parecia ligar. A professora chamava os meus pais para dizer que eu passava muito tempo sozinho. Mas depois de eles perguntarem como é que eu andava nas aprendizagens, a situação do isolamento parecia não ser assim tão importante. Fui aprendendo. Nunca fui um aluno excepcional. Gostava de aprender e não tinha nenhuma área preferida ou que não gostasse. Isso tornava-me em alguém que não levantava suspeitas. Naquela altura nas aulas também não faziam questão de sermos muito participativos. Importava que aprendêssemos e fizéssemos os trabalhos de casa. No recreio não havia grande ciência no que por lá acontecia. Bastava seguir alguns daqueles grupos. Podíamos andar à volta da escola imediatamente atrás de um grupo de outros rapazes e ninguém nos diria nada. Talvez se fosse um grupo de raparigas elas podiam reclamar. E se não gostássemos ou soubéssemos jogar à bola podíamos sempre ser aquele colega que vai buscar a bola quando alguém a chuta para um sitio de perder de vista e ninguém lá quer ir. Ou até mesmo saltar o muro quando todos tinham um pavor de ser vistos ou denunciados à professora. Em casa a ciência era muito semelhante. Bastava fazer aquilo que me era pedido. Confesso que é uma coisa muito simples, demasiado até. Pedirem para nos fazer uma coisa e assim que a executamos as pessoas ficam contentes parece-me ser das coisas mais simples. Mas resultava. O problema foi quando passei para o 5º ano. Mudei de escola. Mudei de professores. Os colegas mudaram. É como se naquele verão entre as férias grandes do 4º ano e o inicio do 5º ano os meus colegas tivessem sofrido uma transformação a 180º. Mas eu não mudei. Andar atrás dos colegas rapazes levou-me a apanhar uns dois ou três murros. E não apanhei mais porque aprendi a correr mais rápido. E andar atrás das raparigas levou-me a ter duas queixas no director da escola. Na altura chamaram os meus pais e eles acharam que não era nada de mais e que até era saudável eu andar atrás das raparigas. Ainda mais porque era tão tímido. As coisas começaram a ficar complicadas. Até mesmo nas notas. Eu não fazia outra coisa senão pensar no que havia de fazer e como fazer no dia seguinte na escola. Aquilo consumia todo o meu tempo. Aquilo consumia-me. Naquele ano foi o batizado da minha irmã. Fizeram uma festa lá em casa. Convidaram pessoas que diziam ser da minha família. Não conhecia ninguém. E lá voltei a ouvir aquelas frases de eu ser assim e de ter sido sempre assim. Já não me lembro como aconteceu. Na verdade isso aconteceu-me muito ao longo da vida e de não saber como as coisas acabavam por acontecer. Alguém na festa deu-me alguma coisa para eu beber. Eu não percebi porquê. Mas via toda a gente com copos na mãos e pensei que aquilo havia de ser normal. E eu queria ser igual aos outros. Ou pelo menos assim pensava. Achei que aquilo era doce. Não um doce igual aos outros doces, mas ainda assim doce. Soube-me tão bem que ao fim de pouco tempo acabei por apanhar um outro copo em cima da mesa como um liquido igual e bebi também. Acho que fiz isso mais umas duas ou três vezes. Mas não tenho a certeza. Uma coisa é certa, aquela festa foi muito diferente do habitual para mim. Os barulhos pareciam não me incomodar e as pessoas passaram a parecer mais simpáticas. Eu não percebia porquê, mas sentia que era isso que me vinha à mente. E como as pessoas começaram a falar mais para mim eu pensei que alguma coisa de bem haveria de estar a fazer. As festas foram sucedendo. Até porque na altura eu estava a entrar na adolescência, e isso era uma coisa normal. E nessa altura eu já não sei porquê, ninguém que me ofereceu, mas eu achei que teria de fazer como os outros faziam. E também como isso era uma coisa normal, voltei a beber. E aquilo voltou a saber-me a doce. Foi interessante ver que as pessoas compreendiam melhor alguns dos meus comportamentos quando eu estava alcoolizado, comparativamente ao facto de eu ter um diagnóstico de autismo, algo que eu vim a descobrir quando deixei de beber. Muito curioso a forma como tudo isto se interligou. Eu não compreendia porque tinha todas estas dificuldades. E porque é que elas aconteciam. E no caminho da vida acabei por descobrir que o álcool me ajudava a ultrapassar algumas destas dificuldades. Ainda que ao fim de algum tempo me tenha trazido outras. Mas eu não sabia de onde vinham estas dificuldades. A tristeza constante sempre esteve presente. Por isso não me admirei quando os meus pais me levaram ao médico e este me disse que estava deprimido. Mas não me disse mais nada. E eu continuei deprimido. Até porque o álcool me permitia fazer determinadas coisas que eu sentia que não fazia de outra forma. Até que um dia me perguntaram o porquê de eu querer fazer aquelas coisas. De estar com as pessoas, socializar, sair, etc.? E eu não consegui responder. Achei que isso tinha aparecido naturalmente, mas na verdade teve a ver com o facto de eu querer fazer como os outros. Nunca foi uma coisa que tenha surgido natural e espontaneamente. E isso fez-me pensar. E foi ai que decidi parar de beber. E foi ai que eu descobri que sou autista. Curioso, ter voltado a sentir que muitas pessoas continuavam a não me compreender. Mas desta vez eu não estava tão preocupado com isso.


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