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Menu do dia: Comportamentos alimentares de mulheres autistas com perturbação da conduta alimentar

O nome do texto - Comportamentos alimentares de mulheres autistas com perturbação da conduta alimentar, parece ser complexo! E na verdade é! Faz lembrar aqueles menus de restaurantes a que vamos pela primeira vez e sem repararmos entramos num restaurante com duas ou três estrelas Michelin. E mal sabemos dizer o nome do prato. Para além de nem sequer conseguirmos identificar os sabores daquilo que estamos a provar. E quando estamos a provar a camada de cima do alimento que nem sequer conseguimos identificar, percebemos que existe um outro ingrediente por baixo, mas que também não conseguimos identificar. E se o ingrediente na camada de cima tinha uma determinada textura e sabor. Aquele debaixo de si apresenta uma textura e sabor diferente. É assim que sinto quando avalio e acompanho uma mulher autista e que apresenta uma perturbação da conduta alimentar.


O tratamento das perturbações do comportamento alimentar é inerentemente desafiador. A presença da perturbação do espectro do autismo agrava a complexidade do intervenção. A complexidade pode, em parte, estar relacionada à alta prevalência de comportamentos alimentares distintos observados em pessoas autistas, que por si só estão associados a um risco aumentado de desenvolver distúrbios alimentares.

Esses comportamentos podem incluir selectividade alimentar (e.g., comer uma variedade restrita de alimentos), neofobia alimentar (e.g., evitar alimentos desconhecidos), rigidez relacionada às refeições (e.g., insistência em usar utensílios específicos) e ingestão alimentar atípica (e.g., consumo excessivo de líquidos). Embora alguns destes padrões alimentares possam ter funções adaptativas, como controlar sensibilidades sensoriais ou aliviar desafios sociais, eles também podem aumentar o risco de deficiências nutricionais e outras complicações de saúde (e.g., problemas de peso, diabetes tipo II e problemas cardiovasculares).


Estas situações, habitualmente referidos como comportamentos alimentares relacionados ao autismo (embora se saiba que comportamentos alimentares como a neofobia alimentar ou selectividade não são exclusivos de pessoas autistas). O conceito, comportamentos alimentares relacionados ao autismo facilita a leitura e enfatiza a sua prevalência significativamente mais elevada em pessoas autistas em comparação com aqueles com outras condições do neurodesenvolvimento, como PHDA ou Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais. Acredita-se que esses padrões alimentares surjam de características centrais relacionadas ao autismo, incluindo processamento sensorial alterado, diferenças na comunicação social e uma necessidade elevada de uniformidade, estrutura e previsibilidade. É importante destacar que vários desses comportamentos se sobrepõem aos sintomas da perturbação alimentar evitativo-restritivo (ARFID), que é cada vez mais reconhecido como sendo particularmente comum em pessoas autistas.

As mulheres autistas, em particular, relatam altos níveis de comportamentos alimentares relacionados ao autismo, juntamente com um maior envolvimento em comportamentos alimentares tradicionalmente desordenados, e estes podem estar ligados à sua sensibilidade sensorial elevada, maior rigidez cognitiva e comportamental, maiores dificuldades com a regulação emocional e desafios elevados em situações sociais envolvendo alimentos. Esses comportamentos alimentares podem incluir restrição de certos grupos de alimentos (e.g., evitar alimentos ricos em carboidratos ou açúcares devido ao medo de ganhar peso), compulsão alimentar e comportamentos purgativos, colocando-as em maior risco de desenvolver problemas da conduta alimentar.

Para melhor compreendermos este intricado complexo entre a perturbação do espectro do autismo e a perturbação da conduta alimentar, podemos pensar um modelo no qual as sensibilidades sensoriais, rigidez cognitiva e as dificuldades socioemocionais são consideradas factores que contribuem directa e indirectamente para o desenvolvimento e a manutenção de comportamentos alimentares nas mulheres autistas. Por exemplo, uma sensibilidade sensorial elevada pode levar à evitação de certas texturas ou temperaturas, o que, com o tempo, pode contribuir para padrões alimentares restritivos. Ainda que seja importante observar que outros factores contextuais — como experiências traumáticas ou a camuflagem social, também podem contribuir para distúrbios alimentares em pessoas autistas, uma vez que tais comportamentos podem servir como estratégias de enfrentamento, distrações emocionais ou surgir quando os recursos cognitivos e emocionais estão esgotados.

Uma vez estabelecidos, a perturbação da conduta alimentar em mulheres autistas frequentemente apresentam maior complexidade e gravidade, maior duração da doença, pior funcionamento diário e piores resultados psicológicos a longo prazo, comparativamente às perturbações da conduta alimentar em mulheres não autistas. Como tal, sugere-se que o seu tratamento envolva frequentemente intervenções intensivas, tais como internamentos prolongados ou alimentação por sonda, ainda que as mulheres autistas relatam frequentemente experiências negativas com os tratamentos para a perturbação da conduta alimentar. Para desenvolver tratamentos adaptados às necessidades específicas das mulheres autistas com perturbação da conduta alimentar, é fundamental obter mais informações sobre os seus comportamentos alimentares específicos. A apresentação clínica frequentemente mais complexa e grave dos transtornos alimentares neste grupo pode resultar de uma interação entre comportamentos alimentares relacionados ao autismo e comportamentos alimentares tradicionalmente mais desorganizados, tornando difícil distinguir padrões adaptativos de padrões desadaptativos. Os protocolos de tratamento actuais, como a terapia cognitivo-comportamental para as perturbações da conduta alimentar, não levam em consideração a coocorrência de comportamentos alimentares relacionados ao autismo e tradicionalmente mais desorganizados e visam principalmente as preocupações com o peso e a forma corporal — principais factores que impulsionam os comportamentos alimentares em mulheres não autistas. Contudo, nas mulheres autistas, estas preocupações parecem ter um papel menos importante, e mais frequentemente as questões relacionadas ao autismo, como sensibilidade sensorial ou rigidez cognitiva e comportamental, podem vir a contribuir para para resultados de tratamento mais insatisfatórios nesta população. Além de identificar comportamentos adaptativos e desadaptativos, as modificações práticas no tratamento das perturbações da conduta alimentar podem ajudar as mulheres autistas a se envolverem mais eficazmente na terapia. Isso pode incluir proporcionar um ambiente de tratamento estruturado e previsível, adaptar o ritmo da terapia para acomodar as diferenças no processamento de informações ou oferecer uma reabilitação nutricional sensorial, levando em consideração os perfis sensoriais individuais.


 
 
 

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