Senhor João (nome fictício), vou ter de lhe pedir que fique sossegado!, disse a Juíza. Senhor João, vou ter de lhe pedir que não volte a interromper e fale apenas quando lhe for dada a vez!, viu-se a Juíza obrigada a dizer já num tom mais alto. O senhor João estava visivelmente incomodado. Não era apenas de agora. Mas naquele momento estava ainda mais incomodado do que o habitual. Aquilo que estava a ser dito pelo advogado era contrário ao que o senhor João tinha afirmado. E o senhor João não estava a conseguir aguentar aquilo que ele já tinha chamado de mentiras e queria dizer a verdade. Senhor João, se voltar a chamar mentiroso em tribunal vou ter de pedir ao agente de autoridade que o retire da sala de tribunal, disse-lhe a Juíza já num tom visivelmente transtornada com a situação. Eu só quero dizer a verdade, repetia o senhor João. Sempre ouvi dizer que a Justiça é cega e serve de forma igual todas as pessoas!, ouvia-se o senhor João dizer. Os advogados pareciam estar a começar a ficar igualmente impacientes, inclusive o advogado do senhor João, que se dirigiu a este e o segurou no braço para lhe dizer junto ao ouvido de que teria de se controlar. O senhor João não conseguiu aguentar e empurrou o seu advogado que entretanto acabou por cair no chão. O senhor João levantou-se e procurou dirigir-se para o seu advogado com intenção de o ajudar a levantar. Enquanto isso a Juíza pedia ao agente da PSP em sala que procura-se retirar o senhor João da sala. Sempre ouvi dizer que a Justiça é cega e serve de forma igual todas as pessoas!, ouvia-se o senhor João gritar enquanto era retirado da sala de tribunal e a sessão era adiada.
Esta é uma situação criada por mim. Poderia ser perfeitamente uma situação de uma qualquer série que muitos já viram na Netflix, modéstia à parte. Mas também poderia ser uma situação de um senhor João ou de uma senhora Maria, ou de um jovem ou criança com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo e que o tribunal, a Juíza, os advogados de ambas as parte e o próprio agente de autoridade não estavam capazes, informados ou sensibilizados para saber como intervir.
É fundamental que para que o sistema Judicial possa funcionar da forma mais adequada, possa ele próprio, assim como todas as pessoas que nele intervêm e participam, directa ou indirectamente, possam estar capacitados para lidar com as pessoas que contactam com ele. Independentemente das razões que levam as pessoas a contactar com o sistema Judicial, sejam vitimas, perpetuadores de algum tipo de crime, testemunhas, etc. É fundamental que todos eles possam estar capazes de dar uma melhor resposta e adequada às características das pessoas e não estejam enviesadamente a interpretar comportamentos de uma forma negativa quando os mesmo podem ter um outro enquadramento.
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