Let's get physical
- pedrorodrigues
- 13 de mar.
- 4 min de leitura
Actividade física!? Nem pensar! grita Júlio (nome fictício). Eu pensava que as pessoas autistas simplesmente não gostavam de actividade física! comenta Carla (nome fictício). Se me pedissem para vestir aquele fato de ginástica eu nunca mais lá ia! confessa Carlos (nome fictício). Aquilo não é um fato de ginástica é um maillot, refere Joana (nome fictício). Na escola nunca gostei da disciplina de Educação Física! acrescenta Diogo (nome fictício). Nem vamos falar da disciplina de Educação Física! apressasse Tiago (nome fictício) a dizer.
Júlio, Carla, Carlos, Joana, Diogo e Tiago são jovens adultos autistas que estão a fazer um workshop de competências sociais e naquele módulo surgiu o tema da actividade física quando alguém sugeriu uma das coisas que odiava. O tema da prática da actividade física e da dificuldade de a implementar junto da comunidade autista não é novidade para muitos. Mas ultimamente tem sido, e ainda bem, mais frequentemente trazido o impacto positivo de programas específicos da prática de actividade física para as pessoas autistas. E muitos dirão que não é rocket science, mas que ainda assim, é muito difícil coloca-los a let's get physical.
A actividade de exercício físico envolve o movimento do corpo através do espaço, e a escolha de praticar exercício pode ser influenciada por uma combinação de interesses, emoções e benefícios percebidos, cruzando-se com a disponibilidade e acessibilidade. O exercício físico regular tem sido estudado e recomendado há muito tempo pelos impactos positivos que produz na melhoria da saúde física.
Embora a recomendação da Organização Mundial de Saúde seja de 150 minutos de atividade física por semana, os estudos demonstraram que também se podem observar alguns benefícios com quantidades menores de exercício.
As intervenções de exercício variam em termos de método e modalidade de execução e podem ir desde programas informativos individuais concebidos para encorajar e promover a atividade de exercício físico, passando por aulas de grupo em família, até programas formais de atividade de exercício de educação física implementados na escola.
No que diz respeito a objectivos específicos, o exercício físico tem-se revelado eficaz na redução dos sintomas psiquiátricos essenciais, na limitação dos impactos negativos de doenças psiquiátricas e médicas secundárias concomitantes e na melhoria da saúde física dos doentes que sofrem de várias perturbações psiquiátricas diferentes.
Por exemplo, existem evidências cientificas de que o exercício físico tem um impacto positivo em doentes com esquizofrenia, perturbações relacionadas com o consumo de álcool e perturbações depressivas e de ansiedade. Nestas condições, verificou-se que a prática de actividade física tem uma variedade de impactos positivos, pelo que apresenta um potencial significativo para melhorar o funcionamento e a qualidade de vida das pessoas com uma variedade de condições psiquiátricas.
Mas no caso das pessoas autistas porque será que as coisas não parecem estar a funcionar assim tão bem como a prática de actividade física? Provavelmente será importante referir que a prática de acitividade física em Portugal é bastante diminuta. Cerca de 70% da população nacional não faz uma prática regular de actividade física. Como tal, o facto de haver muito poucas pessoas autistas a fazerem este tipo de prática não será de estranhar. Depois podemos pensar que não é apenas com a prática de actividade física. Há todo um conjunto variado de actividades físicas e não físicas que criam grandes barreiras de obstáculos, e não estou a falar de nenhum exercício propriamente dito, na vida das pessoas autistas. Até porque impõem na grande parte das vezes um currículo e uma aproximação à prática da actividade física e do seu treino que não está adaptado à pessoa autista. E tendo em conta que a primeira aproximação à actividade física começa na escola no 1º ciclo e em muitos casos na pré-primária e decorre até ao ensino secundário. Aquilo que verificamos é que as pessoas autistas experienciam muitos episódios traumáticos associados à prática e treino de uma actividade física, seja com os colegas, mas também com os professores. E como tal, na entrada da vida adulta (pós 18-24 anos) é muito menos provável que as pessoas autistas venham a praticar por iniciativa própria uma prática de actividade física. Até porque para a grande maioria a entrada num ginásio causa-lhes arrepios e pesadelos.
Contudo, também na população autista, tem vindo a ser demonstrado todo um conjunto de benefícios da prática regular numa actividade física para aquilo que são algumas das suas características nucleares do autismo, tal como a interacção e comunicação social. Mas também para outras situações comórbidas, tais como o excesso de peso e os problemas de sono. Mesmo até ao nível dos comportamentos repetitivos e estereotipados, não no sentido da sua redução, mas na capacitação da pessoa autista para uma melhor compreensão e experiência dos seus comportamentos motores repetitivos. Um outro aspecto igualmente impactante na vida das pessoas autistas é as questões das funções executivas. E tendo em conta que há todo um conjunto de exercícios que promove o planeamento, gestão e coordenação de movimentos individuais e em grupo. Também aqui se consegue melhorar as suas competências. E tal como em outras condições, a regulação emocional e a gestão do stress passa a ser cada vez melhor com uma prática ajustada e acompanhada de acitividade física.
A leitura do texto faz soar as campainhas da banha da cobra ou da cura do autismo. Contudo, não é nem uma coisa nem outra. Até porque não há cura do autismo. E quanto à banha da cobra, as evidências encontradas são claras na promoção de um bem estar e melhor condição física e psicológica. E como em tantas outras situações, a prática regular de uma actividade física não é para substituir as consultas médicas e a prescrição ou as sessões de terapia.
Quando é que as escolas passam a ter na disciplina de Educação Física a implementação mais regular e facilitada de acomodações para as perturbações do neurodesenvolvimento? E já agora, não as fazerem somente a pedido (repetitivo na maior parte das vezes pelos alunos e pais), mas sim como uma possibilidade entre as demais. Quando é que os ginásios passam a pensar nas pessoas neurodiversas como uma população que merece a criação de espaços adaptados? Quando é que os médicos e psicólogos passam a recomendar com maior facilidade a prática de actividade física junto dos seus clientes? E a orienta-los numa procura adequada para além daquilo que são as ofertas habituais para uma população neurotipica! Até porque para muitas das pessoas autistas ter de vestir aquele maillot azul seria um suplico!

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