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Eu, autista

Mãe, posso mudar de nome?, perguntou-lhe Carlos (nome fictício). A mãe na sala, acabada de se sentar e a preparar para ligar a televisão, inspirou. Não suspirou, até porque já tinha suspirado tudo o que havia para suspirar desde o nascimento de Carlos. Inspirou antes, até porque sabia que aquela pergunta lhe haveria de trazer outras tantas. Como assim Carlos, mudar de nome?, gritou-lhe da sala numa tentativa já muitas vezes repetida de não ir até junto dele. Mudar de nome mãe!, gritou-lhe. Como é que achas que deveria de ser?, perguntou-lhe. A pessoa chama-se Ana e quer chamar-se Joana, por exemplo. Percebes?, gritou-lhe novamente. O que é que ele andava a tramar desta vez?!, murmurou entre dentes. Eu ouvi mãe!, gritou-lhe novamente. Claro que sim filho, claro que sim. Alice (nome fictício), apagou a televisão e foi ter com o filho. Diz então, que queres tu fazer com o teu nome Carlos? Posso mudar de nome?, perguntou-lhe novamente. Quer dizer, sim, podes mudar de nome, mas só quando fores maior de idade!, referiu-lhe. Mas não gostas do teu nome filho?, perguntou-lhe. Carlos nem ouviu. Mas o que é isso de ser maior de idade? Qual é a unidade de medida da idade? Não é em anos? Mas como é que se mede os anos? E quanto medes tu? E quanto é que eu vou ter de medir para mudar de nome? As perguntas choviam como habitual. E Alice já não procurava usar o chapéu de chuva para se proteger. Carlos, maior de idade é uma expressão que se usa para significar uma pessoa com 18 anos, percebes? Agora sim. Obrigado, disse-lhe e voltou as costas para retomar a fazer as suas coisas. Mas afinal vais dizer-me qual o nome que queres mudar? Sim, claro. Autista, disse-lhe Carlos, voltando a fazer as suas coisas. Como assim Carlos? Autista, mãe. Não ouviste?, perguntou-lhe. Não podes chamar-te autista filho!, disse-lhe Alice. Como assim? Mas tu disseste que eu podia mudar de nome!, referiu-lhe com tom frustrado. Eu sei que disse. Mas pensei que tu estavas a perguntar para um outro nome próprio. E autista é um nome, não é próprio, compreendes?, perguntou-lhe a mãe. Eu sei que te estás a referir à gramática, mas o nome autista é próprio sim. É próprio de mim, percebes? respondeu-lhe. Ainda assim Carlos, não podes mudar o teu nome para autista filho. Mãe, mas o Alfredo por vezes também o chamamos de gato. E ele é o Alfredo. E ele parece não se importar. E há mais gatos que ainda que tenham outros nomes, nós também os chamamos de gatos. Eu sei Carlos, mas ainda assim!, referiu-lhe. Mãe, e até mesmo tu. Tu chamas-te Alice, mas eu chamo-te de mãe e tu não te importas, até gostas e preferes, disse-lhe. Alice não parava de olhar fixamente para o filho. E há mais mães, mas eu não te confundo com as outras mães. Por que é que eu não me posso chamar de autista?


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