Mil duzentos e um dias. Três anos, três meses e treze dias. É o tempo decorrido desde a primeira publicação neste site. A imagem era outra. Era uma estrada em que se não percebia o principio nem se via o fim. Estava ladeada de árvores e o chão coberto de folhas algo amarelecidas, o que fazia adivinhar o outono. Chamei a essa publicação Caminho ao longo da vida.
Escrevia na altura "O Autismo é uma perturbação que acompanha a pessoa ao longo do ciclo de vida. Tal como na foto as árvores há muito que lá estão mas sempre na mesma. A estrada, essa vai sendo percorrida por uns e por outros. Alguma vezes de forma repetida e agastada.".
As árvores continuam lá. Não vejo que estejam sempre na mesma. Agora vejo diferente. Agora vejo que muitos de nós, aqueles que dizem que vêm, alguns de nós estão sempre na mesma. As árvores não. Essas mudam. E na verdade nós também, ainda que não sejamos capaz de ver, sentir ou sequer aceitar isso.
Olho repetidamente para esta outra imagem. Tal como olhei vezes sem conta para aquela outra das árvores. Leio "Listen to me. I have autism.". Penso que não devia ser preciso dizer mais nada. Mas aparentemente isso ainda não funciona assim. Mil duzentos e um dias. Não contei as palavras que escrevi. Até porque não sei se as escrevia da mesma maneira. Porventura não. Até porque fui ouvindo cada vez mais as pessoas autistas e não autistas. Escutando-as.
Escuta-me. Eu tenho autismo. Agora em Português. Devia ser o suficiente. Escrevi tanto. Desdobrei-me a escrever características comportamentais, a explica-las, principalmente de uma outra forma. Daquela forma que penso que esteja mais próximo daquilo que fui escutando das pessoas autistas. E voltei a escrever, e a explicar. Por vezes escrevi coisas semelhantes e expliquei coisas semelhantes. Talvez tenha sentido que ainda seria necessário. Porque acredito que deveria ser suficiente dizer Escuta-me. Eu tenho autismo.
Certamente que é importante fazer o diagnóstico. Mas apesar da sua importância, esse nem é o principio. O principio é a pessoa. O diagnóstico, que sublinho, deve ser mais compreensivo do que outra coisa qualquer. Esse instrumento deve poder ajudar a pessoa a compreender parte da sua vida. Sim, porque a vida da pessoa é mais do que o seu diagnóstico. Até porque a pessoa muda. Até porque o autismo muda. E certamente a pessoa autista muda. E o diagnóstico também vai ele mudando. É um instrumento dinâmico e que se deve adaptar à pessoa e não ao contrário. O diagnóstico é importante. E não apenas para a pessoa autista. Também o é para nós profissionais. Que devemos olhar para ele também para pensar e deixar que ele nos guie no caminho a percorrer. Mas ciente que esse caminho se vai transformando.
Três anos, três meses e treze dias. Quando penso em datas e no celebrar das mesmas, não consigo deixar de pensar nas inúmeras vezes que muitos dos meus clientes disseram. É um data ou É um dia como o de ontem e talvez como o de amanhã. Mas não pensem que por escutarem estas ou outras frases semelhantes isso significa que a pessoa em questão não celebra o dia, aquele dia. Porque o celebra, à sua maneira. E não é assim que deveria ser? Afinal de contas não dizemos que é o seu dia? Não deveria ser a pessoa a escolher a forma de o celebrar? Se queremos celebrar nós de uma outra maneira, então que celebremos. E aceitemos e respeitemos a forma como a outra pessoa escolhe celebrar. É assim tão difícil? Se for, penso o quanto difícil também será para o outro! Celebrar uma coisa que sente que não lhe faz sentido que seja assim. É uma questão de dignidade. É uma questão de direitos humanos. A pessoa ser respeitada e aceite na sua forma de ser, no seu Ser.
E não, nada disto significa que a pessoa não possa ser acompanhada por profissionais de saúde especializados que consigo e em conjunto trabalhem. E que principalmente o façam para alcançar uma melhor Qualidade de Vida.
Escuta-me. Eu tenho autismo. Não devia ser necessário dizer mais nada. Não percebemos o que é o autismo? Não faz mal. Deixem que a outra pessoa o explique. Sabemos o que é o autismo mas ainda assim não conseguimos compreender aquela pessoa? Não faz mal. Deixem que a outra pessoa o explique. E não, não fiquem agarrados ao que sabem e pensam que sabem ou ao receio do que não sabem. Ao fazerem-no não estarão a agarrar aquilo que é mais importante - A pessoa, o Ser.
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