Mas porque é que eu não posso ir de t-shirt?, pergunta Osvaldo (nome fictício). Não vai dar filho, responde-lhe a mãe. Mas porquê? Eu não vou despido. É uma roupa como outra qualquer, insiste. Eu sei, as nesta situação não podes, refere o pai. Mas porquê?, volta a insistir. É o casamento da tua irmã, Osvaldo, diz-lhe a mãe. Mas o que é que me interessa o casamento da minha irmã? Não sou eu que vou casar! Porque é que tenho de levar camisa e ainda por cima com botões?, continua. A situação poderia perfeitamente continuar, tal como muitos dos leitores já o sabem.
Luísa (nome fictício), vais assim vestida?, pergunta o marido. Como assim?, responde-lhe. Se vais assim à tua entrevista de emprego?, esclarece-lhe. Sim, claro!, responde-lhe. Mas essa é a roupa que costumas andar aqui em casa, refere-lhe. E então?, pergunta-lhe ela. Não pode ser Luísa, tens de levar alguma coisa mais adequada, percebes?, diz-lhe. Não, não percebo!, responde-lhe ela. Vais precisar de levar uma roupa mais adequada e semelhante à que se usa quando se trabalha num banco, percebes?, diz-lhe ele. Não, não percebo. Nunca reparei como é que as mulheres num banco se vestem, refere-lhe ela.
As pessoas autistas apresentam diferenças persistentes na comunicação verbal e não verbal, interação social, e um padrão de comportamentos e interesses restrito e repetitivos, bem como respostas incomuns a estímulos sensoriais. E cerca de 90% das pessoas autistas apresentas determinadas questões relativas às respostas sensoriais. E as pessoas autistas reagem aos estímulos sensoriais com respostas comportamentais que não são comparativas para a qualidade e natureza da estimulação sensorial. Sendo que as pessoas podem ser hiposensoriais, no sentido de terem uma determinada falta de reacção aos estímulos ambientais ou corporais. Mas também podem ser hipersensoriais na sua resposta, caracterizada por uma resposta aumentada face à sobrecarga de estímulos sensoriais. Além desta polaridade, as pessoas autistas podem repetir determinado tipo de comportamentos para fortalecer as experiências sensoriais. E no que diz respeito aos comportamentos de evitamento e defesa face a estas ameaças sensoriais, verifica-se que as pessoas autistas tendem a antecipar estas mesmas experiências e com sensações muito semelhantes às que ocorrem na realidade. Facto que leva a uma sensação de perpetuar da experiência.
Estas experiências sensoriais podem dificultar o desenvolvimento educacional da pessoa autista, até porque pode comprometer a sua capacidade de se concentrarem numa sala de aula. Além de ter impacto em outros domínios igualmente importantes da vida da pessoa, visto que esta se vai encontrar desde sempre em contacto com muitos destes estímulos, especialmente porque se vai encontrar vestida na quase totalidade das situações. Mas tal como referido anteriormente, as pessoas autistas reportam com frequência que o contacto com determinados tecidos de lã, cobertores pesados e objectos de borracha, etc., lhes confere determinado conforto.
Estou constantemente consciente daquilo que tenho vestido, diz Rute (nome fictício). Para mim não é possível não avaliar aquilo que vou vestir. Estar consciente destas sensações 24 horas faz com que eu tenha de escolher tudo muito bem, acrescenta. Caso contrário, isso pode significar uma noite sem dormir porque os lençóis me incomodam. Ou então é o tecido da camisa de dormir que é demasiada acetinada. E tudo o que visto no meu dia a dia é igual, conclui.
E não é apenas a roupa, diz João (nome fictício). Os assentos são uma outra questão. Na escola era muito difícil de haver uma cadeira onde eu conseguisse estar, refere. Isso e a carpete que a professor insistia ter para lhe aquecer os pés, era completamente horrível. Sempre que tínhamos de ir ter com a professora para lhe mostrar os exercícios e tinha de pisar aquela carpete era muito difícil para mim estar concentrado no que ela me dizia, acrescenta. E os bancos do autocarro era muito difícil. Normalmente fazia a viagem sempre em pé. O problema é que a distância era grande e chegava a casa sempre muito cansado, conclui.
Há roupa que eu não consigo vestir não pela textura mas pelo ruido que faz, diz Carla (nome fictício). Sim, a roupa também faz ruido, acrescenta. E tudo aquilo faz-me muita confusão. Os tecidos acetinados fazem como que um barulho de assobio quando andamos mais depressa. E alguns casacos com tecidos mais viscosos fazem-me arrepiar quando raspam em outros sítios, acrescenta.
Nem tudo é mau, diz Raúl (nome fictício). Chegar a casa, descalçar-me a passear em cima da carpete é terapêutico. Fico ali a andar de um lado para o outro e a massajar os pés. É muito reconfortante, acrescenta. E o mesmo acontece-me quando estou no trabalho e me sinto mais stressado. Levei uma carpete mais pequena e que tenho debaixo da minha mesa de trabalho. E quando preciso fecho a porta, descalço-me e fico ali a massajar os pés, conclui.
Não percebo o porquê das etiquetas, diz Rafaela (nome fictício). E ainda mais o tamanho de muitas delas. Já para não falar da localização da maior parte delas. Parece que é escolhido de propósito para incomodar. Porque não as colocam dentro de um bolso?, pergunta. Ou então serem mais fáceis de tirar. Já estraguei imensa roupa a cortar etiquetas. Normalmente fico nervosa com a situação, porque me aborrece ter de fazer aquilo e corto a mais. E quando corto a menos é horrível porque já me chegou a cortar a pele por ficar o dia inteiro a roçar, conclui.
E há roupas que me fazem lembrar certas coisas, diz Cláudio (nome fictício). Por exemplo, se o tecido é áspero, faz-me lembrar uma lixa. Só o pensamento deixa-me arrepiado, diz. Eu adoro roupa de desporto, diz Carolina (nome fictício). Estou sempre a usar ténis e fato de treino. É uma roupa não só confortável mas principalmente porque me faz sentir activa. É uma roupa usada para praticar desporto e isso faz-me sentir activa, conclui.
Há tecidos que me fazem recordar certas memórias, diz Telma (nome fictício). Por exemplo, a flanela das minhas almofadas quando eu era criança. Ainda hoje ando com um recorte desse mesmo tecido no bolso para ir tocando nele, refere. Ou aquelas saias plissadas da minha mãe quando eu era pequena e ficava ali em pé ao lado dela a tocar nelas, diz. Os cortinados do meu escritório é feito desse tecido. E como a janela fica mesmo ao lado da minha secretária dá para eu sentir o cortinado junto a mim, conclui.
Se fosse possível haver roupas que não tocassem em certas partes do corpo, a minha vida seria bem melhor, diz Fátima (nome fictício). Não ter tecido a tocar-me nos ombros, cotovelos e joelhos seria fantástico, diz. O meu pescoço é tão sensível que além das golas altas eu não consigo tolerar golas de camisa sequer, diz António (nome fictício).
A sensação?! A sensação é de ter o corpo a arder, diz Miguel (nome fictício), quando se refere ao que sentia quando lhe obrigavam a vestir calças de ganga. Ter o corpo o dia inteiro a ser picado por agulhas é a pior sensação que consigo descrever na minha vida, diz Andreia (nome fictício), quando os pais a obrigavam a vestir collants quando era pequena.

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