Post | Autismo no Adulto
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Confissões de uma máscara

"Masks! Masks! Let us blind Eros,

For who could bear his radiand face?"

Rainer Maria Rilke


Ainda agora estamos a fechar a época natalícia e já se fala do carnaval, ouvia dizer um destes dias. O desabafo fez-me lembrar imediatamente a questão do mascaramento ou camuflagem social no autismo e até mesmo na phda.


Mas antes de falar do mascaramento social no autismo, gostaria de pensar um pouco sobre a utilização da máscara em si, de como esta surgiu e como foi sendo utilizada ao longo do tempo. E como é que o conceito de mascarar passou a ser usado em situações ou por pessoas pertencentes a grupos minoritários, por exemplo.


As máscaras são objectos que cobrem o rosto por várias razões. Ainda que se saiba de máscaras que cobrem o corpo completo. Veja por exemplo os caretos de Podence! São utilizadas para protecção, disfarce, entretenimento ou práticas rituais e são feitas de vários materiais, dependendo do uso. A primeira utilização de máscaras foi para rituais e cerimónias, e a mais antiga máscara encontrada é de 7000 A.C.


Por exemplo, em África, as máscaras rituais são utilizadas de muitas maneiras diferentes. Na África Ocidental, são utilizadas em cerimónias cujo objectivo é comunicar com os espíritos ancestrais. Para além dos rostos humanos, muitas máscaras africanas são feitas com as formas dos animais. Acredita-se em algumas tribos africanas que tornam possível a comunicação com os espíritos dos animais das savanas e florestas. Por exemplo, uma das máscaras mais comuns é um antílope. Acredita-se que um antílope tenha pensado na agricultura das pessoas ou que simboliza um agricultor. Algumas tribos fazem máscaras como símbolos de diferentes atributos. A máscara de olhos fechados simboliza a tranquilidade enquanto que a testa saliente simboliza a sabedoria. As máscaras de guerra são feitas para assustar o inimigo com olhos grandes, cores pintadas e raiva do rosto esculpido.


As tribos da América do Norte variam muito, pelo que as suas máscaras diferem umas das outras em muitos aspectos. Os grupos costeiros do Noroeste do Pacífico têm trabalhadores da madeira muito qualificados que fazem máscaras complexas feitas de madeira, couro, ossos e penas, com partes móveis e de grande beleza. São utilizadas em rituais xamânicos que representam a unidade entre os homens, os seus antepassados e os animais que os homens caçam. São também usadas na exorcização de espíritos malignos dos doentes.


As máscaras são também utilizadas para protecção. Por exemplo, as máscaras de soldadura que protegem os olhos e o rosto do soldador; máscara de gás que protege dos gases perigosos; máscaras de protecção nos capacetes, dos gladiadores à polícia moderna. Existem também máscaras médicas para fornecimento de oxigénio, máscaras cirúrgicas que protegem médicos e pacientes de se infectarem uns aos outros, bem como muitos mais.


E pensando neste objectivo de protecção, e mais especificamente nas máscaras cirúrgicas. Desde março de 2020, e outros países antes disso, que Portugal passou a ter de usar máscaras obrigatórias numa multiplicidade de sítios. E mesmo ao fim de quase três anos ainda as continuamos a usar em alguns contextos. E muito se escreveu e teceu de considerações sobre o facto do seu uso e do que o mesmo representaria para cada um de nós. Sendo que as próprias máscaras cirúrgicas já datam de há bastante mais tempo. Por exemplo, se olharmos para a foto que acompanha este texto podemos observar uma representação do Doutor Schanel, um médico peste em Roma do século XVII.


Mas pensando em outros aspectos relacionados com a necessidade de protecção. As mascaras também têm sido usadas para proteger as pessoas de algum receio ou ansiedade em relação a determinados aspectos seus, reais ou percepcionados.


Mas o certo é que num dia do nosso quotidiano, qualquer um de nós é chamado a desempenhar um conjunto diversificado de papéis sociais e para os quais precisamos de usar diferentes máscaras. Máscaras estas que podem revelar mas também esconder algo. Metaforicamente falando, a face passa a ser a máscara. E se pensarmos não é nada que qualquer um de nós não tenha feito já ao fazer um qualquer sorriso, normalmente designado de sorriso amarelo, quando algo não lhe agradou. No fundo, estaremos a fazer isso para que a outra pessoa não perceba o nosso desagrado, assim como, para nos sentirmos integrados na situação.


Mas voltando à questão do mascaramento social, seja no autismo, mas também de uma forma geral na saúde mental. Porquê desta necessidade e intenção? Porquê querer ocultar a sua pessoa ou parte dela aos outros e com intenção de se sentir integrado socialmente? Penso que são duas questões que nos levam a pensar, em primeiro lugar naquilo que é o estigma face à saúde mental, mas também ao desejo de pertença ao grupo. Mas no caso das pessoas autistas, não parece ser um pouco antagónico esta ultima parte - desejo de pertencer ao grupo? Certamente que não! Contudo, os estereótipos em torno do que é o autismo leva a construir esta representação social de que no autismo não parece haver lugar para desejo de pertencer a um grupo.


O titulo deste texto - Confissões de uma máscara (1949) de Yukio Mishima retrata precisamente essa vontade de querer pertencer a uma sociedade que o reprimia e sentia não poder ser a sua pessoa.


A camuflagem social diz-nos tanto mais das pessoas que em sofrimento procuram ainda assim integrar-se socialmente, a grande custo físico e emocional. Mas também nos dá muita informação da sociedade, desse grupo maioritário que continua a não fazer o esforço suficiente para a aceitação e celebração da diferença. Tal como na Grécia Antiga, ou em África ou na América do Norte, em que durante algum espetáculo ou ritual que fizesse uso de máscaras. Estes momentos sempre se traduziram numa narrativa do feiticeiro, de quem pedia ou proporcionava o ritual, mas também de todos aqueles que assistiam e participavam.


E como tal, sabemos que as pessoas autistas que mais usam o mascaramento social, são precisamente aquelas que têm maiores índices de sofrimento psicológico. Mas também vamos sabendo que a outra parte da plateia, esse tal grupo maioritário, também ele vai padecendo desse ou igual mal estar.



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