#acesoaservicos
- pedrorodrigues

- 10 de out.
- 3 min de leitura
Hoje dia 10 de outubro, celebramos o Dia Mundial da Saúde Mental, com o tema de
Acesso a Serviços: Saúde Mental em Catástrofes e Emergências
Neste dia mundial dedicado à saúde mental, somos convidados a reflectir sobre o tema do acesso a serviços, com especial enfoque nas situações de catástrofes e emergências. Contudo, é impossível não pensar que, para muitas pessoas autistas, a vida é em si uma forma de catástrofe silenciosa, uma emergência contínua e invisível. Não porque falte força ou vontade de viver, mas porque o mundo, tal como está organizado, continua profundamente desajustado à forma como pensam, sentem e percebem a realidade.
Desde cedo, o acesso aos serviços de saúde para pessoas autistas é um percurso árduo e desigual. O diagnóstico, que deveria ser o início de um caminho de compreensão e apoio, é frequentemente tardio, incerto ou inacessível. Muitos profissionais ainda desconhecem as subtilezas do autismo, sobretudo quando este se manifesta de forma menos estereotipada ou em adultos. A ausência de formação específica e de uma cultura clínica sensível à diversidade neurocognitiva cria barreiras que não são apenas técnicas, mas humanas. As salas de espera, as entrevistas clínicas, o ruído, a luz intensa, a comunicação implícita ou ambígua, tudo isto se torna num labirinto que desgasta e afasta. A falta de adaptação dos serviços de saúde às características das pessoas autistas é, ela própria, uma forma de exclusão estrutural.
É urgente compreender que o acesso não se resume à existência de portas abertas ou consultas disponíveis. Acesso implica acolhimento, implica escuta, implica empatia informada. Implica também que o sistema de saúde reconheça as particularidades da experiência autista, não como exceções, mas como parte da condição humana.
Quando falamos de catástrofes e emergências, a reflexão torna-se ainda mais inquietante. Pouco se sabe sobre como vivem as pessoas autistas em contextos de guerra, de seca ou de fome. Que acontece a quem precisa de previsibilidade e segurança quando o chão da realidade se rompe? Que apoios existem quando as estruturas colapsam e a sobrevivência se torna o único objectivo? A vulnerabilidade das pessoas autistas, nestes contextos, é dupla: sofrem as mesmas perdas que todos os outros e, ao mesmo tempo, enfrentam o caos num mundo que lhes exige adaptação instantânea, comunicação rápida e decisões em ambientes sensoriais insuportáveis. É o rosto esquecido das emergências humanas.
Mas há uma outra forma de catástrofe, mais subtil e constante. A catástrofe de viver num mundo que não compreende as diferenças perceptivas, que invalida modos de ser e de comunicar, que confunde silêncio com desinteresse e intensidade emocional com descontrolo. Uma emergência que se repete todos os dias nas escolas, nos hospitais, nos serviços públicos, nas famílias e nas relações sociais. Uma emergência que não é noticiada, mas que corrói lentamente a dignidade e o bem-estar.
Neste dia mundial da saúde mental, lembrar o autismo é recordar que a saúde não é apenas a ausência de doença, mas a presença de condições humanas que permitam existir com autenticidade e segurança. O acesso aos serviços deve ser, antes de tudo, acesso à compreensão. E só compreenderemos verdadeiramente quando reconhecermos que viver autista, em muitos contextos, é sobreviver num estado permanente de catástrofe emocional e sensorial. A verdadeira emergência é a nossa incapacidade, enquanto sociedade, de criar espaços onde cada pessoa possa ser cuidada na inteireza da sua diferença.
Que este dia seja um convite à transformação. Que falar de acesso signifique, finalmente, abrir caminhos onde antes havia apenas portas fechadas.




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