Friends will be friends...
- pedrorodrigues
- há 2 dias
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"It's not easy love, but you've got friends you can trust
Friends will be friends
When you're in need of love they give you care and attention
Friends will be friends
When you're through with life and all hope is lost
Hold out your hand 'cause friends will be friends
Right till the end"
Queen, 1986
Nem sempre a música tem de ser esta. Ou a letra tem de ser igual à original. Mas apesar de nem sempre se verificar que Friends will be friends rigth till the end. O certo é que as pessoas autistas têm e procuram ter amigos e fazer amizades. Não obstante continuarmos a ouvir várias pessoas, principalmente não autistas, dizerem que a pessoa não poderá ser autista porque tem amigos!
São poucos, mas bons! Ouvimos frequentemente as pessoas dizerem em relação aos amigos e às amizades. Seja pessoas autistas ou não autistas, prezam a amizade como um pilar importante na sua vida. Ainda que este pilar possa assumir necessidades estruturais e funcionais diferentes nas pessoas autistas quando comparado com pessoas não autistas.
Ou então, Mas não se pode simplesmente chegar a um grupo de pessoas, começar a conversar com elas e esperar que elas aceitem-no. Já vi a minha mãe fazer isso e não sei como ela consegue. Ela senta-se ao lado de alguém, ouve algo e começa a conversar com a pessoa sobre isso. Tentei fazer algo semelhante e fui repreendido várias vezes. Isso é escutar conversas alheias! Para ter e fazer amizades há também que desenvolver todo um conjunto de estratégias e comportamentos sociais para as conseguir. E frequentemente percebemos que o caminho até lá parece ser bastante desafiante para as pessoas autistas. Sendo que estas dificuldades se encontram em pessoas autistas a poderem compreender como as pessoas não autistas funcionam a este nível, mas também o contrário. E como tal ser fundamental poder haver uma capacidade de ambos em se procurarem compreender e respeitar nas suas idiossincrasias.
De todas as pessoas autistas que acompanho e já acompanhei, são a minoria aqueles que dizem, em determinado período da sua vida, que não têm interesse em terem ou desenvolver amizades. Contudo, a forma como a ideia (construto) de amigo e amizade é pensado e sentido apresenta algumas diferenças em comparação às pessoas não autistas. Ainda assim, muito frequentemente ouvimos dizer que um amigo é aquele em quem podemos confiar e com quem gostamos de estar e partilhar coisas. Ou então, amigo é alguém com quem podemos contar para nos ajudar em determinado momento, e que esse ajuda funciona em ambos os sentidos.
Parece absurdo que no presente momento, pleno século 21, quase um século de investigação cientifica no autismo ainda se tenha de falar sobre o facto das pessoas autistas terem e procurarem ter amigos e fazerem amizades. Contudo, ainda continuamos a ter todo um conjunto de crenças, mitos e estereótipos para desconstruir. Além de ser necessário construirmos respostas terapêuticas adaptadas também à realidade vivida das pessoas autistas no que diz respeito à interacção social e ao fazer e manter amizades. Nomeadamente, as respostas que existem e vão sendo criadas em termos de grupos de competências sociais para pessoas autistas precisa de ser repensada face a esta outra realidade. Para além de continuarmos a ajudar no processo de acompanhamento psicológico as pessoas autistas a compreenderem mais e melhor este processo das amizades, ajustado à sua forma de pensar e sentir. Bem como, ajudarmos os pais e outras pessoas não autistas com quem a pessoa viva a melhor compreender algumas das suas características mais frequentemente envolvidas nas amizades.
Como em muitas questões no autismo frequentemente começamos com o pé errado quando não procuramos escutar e compreender junto das pessoas autistas o que é e como é que elas consideram aquilo que representa a amizade.
A amizade é uma relação social essencial que se forma ao longo da vida de quase todos nós. A amizade, que se baseia em interações interpessoais, abrange comportamentos únicos acompanhados por uma variedade de emoções, esperanças, arrependimentos e desejos, e transcende as fronteiras da idade, género e contextos. Do ponto de vista da psicologia social, a amizade é considerada uma forma específica de relação diádica entre pares, que é dinâmica, estável, voluntária e recíproca por natureza.
Podemos também pensar que a amizade compreende uma reciprocidade simétrica, agência, prazer, ajuda instrumental, semelhança e comunhão, enquanto factores de expectativa que constituem os padrões ideais de amizade. Como uma relação dinâmica que se desenvolve dentro de um período específico em um determinado ambiente, a amizade envolve um grau de afecto mútuo e companheirismo. As experiências de amizade afectam não apenas a saúde, o bem-estar emocional, as interações sociais e o funcionamento cognitivo dos indivíduos, mas também suas famílias, desempenho escolar e bairros inteiros. Portanto, a complexidade das experiências de amizade reflecte-se não apenas na rede estrutural estática da amizade, mas também no seu processo dinâmico de formação. Mas estes factores constitutivos de um ideal de amizade são prováveis de serem sentidos de forma diferente nas pessoas autistas e não autistas. E isso não tem de representar algo errado, mas apenas diferente.
De acordo com a teoria do ciclo de vida, o papel da amizade varia em diferentes fases da vida, estando associado ao bem-estar subjectivo na velhice e ao foco na cognição social na infância. Por exemplos, os estudos focados nas experiências de amizade de pessoas autistas relatam vários desafios e preocupações em diferentes idades, especialmente o aumento do desejo de se integrar e ter amigos em adolescentes autistas. Também houve algumas evidências de existir uma maior quantidade e qualidade das amizades que estão associadas à diminuição da solidão entre adolescentes e adultos autistas, especialmente o número de amigos, que desempenhou um papel protector na previsão da autoestima, depressão e ansiedade.
Podemos escutar com alguma frequência em pessoas autistas dizer que não sabem ou não têm a certeza de aquelas pessoas poderem ser suas amigas. Sendo que isso não significa que estas não estejam interessadas. Mas muito provavelmente porque têm formas diferentes e abrangentes de considerar o que seja uma amizade. Por exemplo, algumas vezes ouvimos algumas pessoas autistas dizerem que aquela determinada amizade é sentida e vivida quando estão presentes e em companhia. Mas quando a pessoa em questão não está parece que que tem maior dificuldade em espontaneamente pensar na sua amizade.
Mas tal como já tinha referido anteriormente, é preciso considerar junto das próprias pessoas autistas a estrutura e a caracterização das amizades, o que se refere à sua capacidade de se expressarem livremente, contarem as suas histórias e dar sentido às suas próprias experiências de vida. Afinal, a amizade, assim como a vida, são do próprio, e como tal faz sentido que seja ele a decidir.

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