Post | Autismo no Adulto
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Fonte da felicidade

Penso que este bebedouro se localiza algures no Parque da Paz em Almada. Mas certamente pode ser encontrado bebedouros semelhantes em outros parques, localizados em outras cidades e países.


Ao olharmos para esta fotografia, muitos poderão pensar - Que felicidade expressa no rosto daquelas crianças! Que maravilha é a infância! ou Belos tempos aqueles quando era criança e sabia o que era a felicidade! Poderão haver outras opiniões, mas estou certo que estas frases são consensuais entre muitos. Mas a ultima frase faz-me pensar precisamente nesta questão da felicidade e de qual a fonte da mesma. A procura da felicidade, tal como a procura da fonte da eterna juventude, é algo que não é de agora. Por exemplo, em relação a esta última, já data que desde o século quinto antes de Cristo, havia quem falava dela nos escritos de Heroduto. Ou então, mais tarde, já no século XVI, quando Ponce de Léon, decidiu procurar a bendita fonte viajando para a Flórida em 1513.


Mas e em relação à felicidade! De onde é que esta vem? Por exemplo, quando apanho trânsito pela manhã para vir para o trabalho, algo que ocorre com alguma facilidade, detenho-me a olhar para as pessoas nos outros carros. E não é difícil de pensar que aquela situação caótica, e vivida de forma diária, cause um impacto negativo em muitos de nós. Falo por mim, quando a minha esposa me diz ao telefone que não tem nada a ver com o facto de eu estar aborrecido com o trânsito. E podemos estar a falar de outras situações sem ser o trânsito. Por exemplo, se pensarmos que numa qualquer manhã mais fresca como tem estado, imaginem que falta o gás ou a eletricidade, sendo que nesse preciso momento estão a tomar um banho de água quente de forma descontraída. Como podemos ver, o humor diário pode ser influenciado por uma série de experiências.


As experiências da vida diária contribuem para as flutuações diárias ao nível do humor, e as experiências emocionais negativas e continuadas no tempo afectam o estado de espírito da pessoa a longo prazo, potenciado o surgimento da depressão. E por conseguinte, compreender as fontes quotidianas de experiências emocionais poderia proporcionar oportunidades de prevenção e intervenção para diminuir o humor negativo, promovendo ao mesmo tempo experiências positivas para aumentar o bem-estar e a qualidade de vida.


Este pensamento leva-nos quase imediatamente a pensar naqueles grupos de pessoas que são mais propensos a experiências negativas e continuadas no tempo e de como estas potenciam e funcionam como factores de manutenção das próprias dificuldades emocionais e outras da pessoa e que diminuem o bem estar e a sua qualidade de vida. A mim, por exemplo ocorre-me com grande rapidez as pessoas autistas. E pensando em situações continuados ao longo do tempo, penso nas pessoas autistas adultas. E como tal, parece ser importante poder conhecer junto deste grupo quais as suas fontes de felicidade, mas também de infelicidade. E poder ajudar a potenciar as primeiras e a contribuir para diminuir estas últimas.


Mas quem vai estando atento e lendo sobre o que se vai investigando no autismo, ainda são muito poucos os estudos que procuram investigar as experiências quotidianas desta população, e que não seja em relação aos sintomas e dificuldades encontradas. Ou seja, é importante poder perceber como as pessoas autistas vivem os seus dias no seu quotidiano e como é a sua forma de sentir e viver as suas experiências, podendo também com essa informação, poder ajudar a promover o bem estar psicológico. E como tal - O que é que faz uma pessoa autista feliz? É que esta pergunta normalmente remete para aquilo que alguns pensam que são questões comportamentais causadoras de dificuldades. Por exemplo, se pensarmos nos interesses que muitas pessoas autistas vão desenvolvendo ao longo do tempo desde a infância. Ou outros comportamentos como o stimming. Ou seja, apesar de muitos terapeutas já pensarem de forma diferente relativamente a estes dois exemplos, e procurarem integrar os mesmos na terapia e na identidade da pessoa autista. Ainda vai existindo algumas correntes que pensam que estes e outros comportamentos são causadores de problemas no ambiente e na relação e como tal devem ser irradicados.


E já agora, o que é que causa felicidade às pessoas não autistas? Normalmente, as experiências de vida que promovem a felicidade entre adultos neurotípicos giram em torno de realizações, interacções sociais, relações, trabalho, religião, e envolvimento em actividades de lazer. Ora, numa leitura rápida desta frase podemos pensar que haverão muitas pessoas autistas que não conseguirão ser felizes! Porquê? Porque muito frequentemente vão sentindo dificuldades ao longo da vida no alcançar de determinadas realizações, escolares, profissionais e outras. Mas também ao nível das interacções sociais. E não é que as pessoas autistas não desejem estar interacções, porque o desejam. Mas estas relações sociais são muitas vezes geradoras de mal estar. E como tal, para além de podermos pensar que as pessoas autistas não são e/ou não podem ser felizes. Lá nos vamos centrar mais uma vez naquilo que são as dificuldades sentidas e percepcionadas. E vamos desviando daquilo que são as vivencias e percepções do que os faz sentir felizes. O que também nos deve fazer pensar naquilo que é o nosso entendimento enquanto felicidade e de como a medir, observar e compreender.


Por exemplo, eu poderia perguntar a uma pessoa autista adulta o que é que na sua vida a fez sentir feliz. E não obter nenhuma resposta. Ou então obter uma resposta que não fosse capaz de me ajudar a compreender a existência de momentos de felicidade. Mas se pensarmos que a pessoa autista pode perfeitamente ter algum compromisso na memória autobiográfica, pode perfeitamente não se recordar naquele momento de um momento ou situação geradora de felicidade. Ou então, a pessoa autista adulta tem uma compreensão diferente da felicidade tal qual eu a estou a medir e como tal não se encaixa no constructo. Estes exemplos podem ajudar, na felicidade mas também em outros constructos, a pensar em conjunto com as pessoas autistas, o que é que aquilo significa para a pessoa. Contudo, se eu perguntar à pessoa autista o que é que no passado lhe causou infelicidade, porventura irei conseguir recolher um maior número de respostas. Ainda que em algumas pessoas autistas possamos ter maior dificuldade na forma como a pessoa pensa no que é a infelicidade ou então sentir a infelicidade, o que neste ultimo caso nos pode remeter para as questões da presença da Alexitimia.


Mas se perguntarmos a uma pessoa autista adulta o que a fez no passado sentir feliz. Podemos perfeitamente ouvir a resposta - Ter conseguido construir o meu próprio negócio e passar tempo com o meu filho! E como tal, podemos ficar logo no imediato com a ideia de que aquilo que faz uma pessoa autistas sentir-se feliz é aquilo que uma pessoa não autista sente também. Mas não devemos ficar por aqui. Adoro a minha família e sentir os abraços da minha irmã, sendo que não aceito abraços de mais ninguém! pode ser uma outra resposta possível. Mas também - Poder entrar num fórum na internet e conversar aleatoriamente com alguém e ninguém se importar com isso ou com a minha opinião e forma de ser! Jogar online com amigos e dar gargalhadas quando na maior parte do tempo me dizem que eu nem sei sorrir! Praticar violino! Ficar horas a cuidar do meu jardim! Ficar a olhar a minha filha a brincar no parque infantil! Passar uma tarde com a minha gata no colo a dar-lhe festas!


Como podemos ver nestas respostas, encontramos muitas que são semelhantes ao que cada um de nós sendo não autista haveria de responder. Mas também outras que possam ser muito mais características daquilo que é o perfil da pessoa autista. E estas precisam de ter um olhar especial, para que possam ser potenciadas e não o contrário. E claro, não esquecer todas as outras que fazem parte da herança de pertencermos todos à espécie humana.


O que é que nos causa felicidade? Provavelmente, tudo um pouco e de forma diferente ao longo da vida. E ainda que hajam experiências comuns causadoras de felicidade, é fundamental perceber que é uma escolha de cada um aquilo que o faz sentir feliz. É fundamental pensarmos que a pessoa autista ao longo da vida precisa de ver as suas relações e laços familiares melhorados. E para isso é importante poder continuar a diagnosticar mais precocemente, mas ajudar os membros da família a compreender o que é o autismo e mais especificamente o autismo neste seu familiar. Mas também poder levar a que os contextos escola, seja junto dos pares e professores possam ser aceitantes da diferença. Mas também possam em conjunto com a pessoa autista celebrar essa mesma diferença, e de preferência na interacção conjunta.


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