Conheço mais homens autistas do que mulheres! ouvia um destes dias. Eu também conheço muitas outras coisas em maior número e também não é por isso que elas estão em maior prevalência! respondia.
Ainda assim, os homens são mais susceptíveis de ser diagnosticados com autismo do que as mulheres, com estudos recentes a relatar um relação homem-mulher entre 3,5:1 e 4,2:1. E atenção ao ler a frase, pois não estou a dizer que há mais homens autistas do que mulheres. Mas sim, que os homens são mais susceptíveis de serem diagnosticados com autismo.
E como tal precisamos todos de pensar no porquê desta susceptibilidade e aparente enviesamento para o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo no sexo masculino!
Em primeiro lugar penso na questão: O autismo é diferente na sua expressão no homem comparativamente na mulher? A resposta é sim! E como tal surge a segunda questão, do porquê de continuar a haver esse enviesamento!? Ou seja, os instrumentos de avaliação de Perturbação do Espectro do Autismo não estão adaptados para rastrear as características do autismo no masculino assim como no feminino?
São sugeridas explicações neurobiológicas e ambientais para explicar este fenómeno: (a) influências genéticas, tais como um limiar de carga mutacional mais baixo e expressão genética superior nos homens; b) a subrepresentação das mulheres na investigação e prática clínica que levou ao desenvolvimento de critérios de diagnóstico e medidas de avaliação baseadas numa apresentação "masculina" ; c) a sugestão de que as mulheres apresentam um fenótipo diferente de autismo em comparação com homens; e (d) a teoria do efeito protector feminino que propõe que as mulheres requerem mais factores de risco familiares para desenvolverem traços autistas.
Os estudos empíricos nesta área têm também explorado as características do autismo entre os géneros, e sugerido que as mulheres que apresentam maiores déficit no funcionamento social, mais problemas de comportamento e um perfil cognitivo mais baixo são mais susceptíveis de satisfazer critérios de diagnóstico. Ou seja, as raparigas e mulheres autistas e que não apresentam uma Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental, parecem apresentar um menor conjunto de comportamentos repetitivos e estereotipados, mas mais questões sensoriais e menos dificuldades nas competências linguísticas que os rapazes e homens. Enquanto que as raparigas e mulheres que apresentam uma Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental, apresentam mais dificuldades sociais, mais comportamentos repetitivos e estereotipados e com menores competências linguísticas, bem como problemas motores e que isso as parece aproximar daquilo que é o perfil do espectro do autismo na representação de muitas pessoas e alguns profissionais de saúde. E consequentemente, as mulheres têm menos probabilidades de receber um diagnóstico de autismo do que os homens se apresentarem menos dificuldades comportamentais e/ou tiverem um perfil cognitivo médio ou superior. Além disso, esta subrepresentação das mulheres a ser diagnosticada não se limita ao autismo, e tem também sido relatado para outras condições de neurodesenvolvimento, tais como a PHDA.
As medidas de avaliação normalizadas, tais como o instrumento de observação comportamental, o ADOS-2, e a Entrevista Diagnóstica do Autismo - Revisto, a ADI-R são utilizadas por muitos profissionais de saúde para ajudar o processo de diagnóstico na Perturbação do Espectro do Autismo. Estas medidas, contudo, foram validadas com amostras predominantemente masculinas, e por isso podem ter uma sensibilidade limitada para as mulheres autistas. Mais recentemente, foram desenvolvidas instrumentos de rastreio que, os quais podem ajudar no diagnóstico e na formulação de casos em mulheres, mas que ainda não foram validados de forma independente. Ou seja, chama-se a atenção de que estes instrumentos a seguir reportados são usados para rastreio e além do mais ainda não estão validados.
Um exemplo é o Questionário para Condições do Espectro do Autismo (Q-ASC) que é uma medida de 38 itens a ser preenchido pelos pais/informadores que inclui as questões que podem ser clinicamente mais relevantes para as mulheres, tais como, o comportamento sexual, sensibilidade sensorial, mascaramento social, e imitação. Um outro exemplo é o Questionário Camuflagem de Traços Autisticos (CAT-Q) que é uma medida de 25 itens de auto-relato com itens relacionadas com estratégias de compensação e mascaramento utilizadas para suprimir características autistas durante as interacções sociais.
E o porquê destes dois instrumentos propostos apresentarem questões mais relacionadas com a camuflagem social e a capacidade de estabelecer uma interacção social? E como é que essas e outras características podem trazer maiores desafios aos profissionais de saúde que trabalham nesta área? O que estarão eles à espera de observar numa rapariga/mulher em que haja a suspeita de um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo?
A forma como as mulheres se apresentam aos profissionais de saúde durante uma avaliação pode complicar ainda mais a identificação de comportamentos autistas. Tem sido relatado que as mulheres podem ter mais probabilidades de se envolverem em camuflagem ou mascaramento num esforço para se conformarem às expectativas da sociedade ou para se envolverem com outros. Entrevistas realizadas a mulheres que foram diagnosticadas mais tardiamente na vida revelaram que que a máscara era uma parte tão enraizada da sua personalidade que estavam em "piloto automático" durante a sua avaliação do autismo, tornando mais difícil para os profissionais de saúde identificar os traços que podem ter contribuído para este diagnóstico. E como consequência, muitas delas foram mal diagnosticadas ou informadas que não tinham ou não cumpriam critérios para um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.
Mas então, e o que é que pode ser feito para mudar esta situação? Quando falamos com os profissionais de saúde que trabalham nesta área, continuamos a perceber que alguns deles continuam a fazer a avaliação de forma muito semelhante quer se trate de um homem ou uma mulher. E além disso, também percebemos que a formação que os profissionais de saúde que vêm a trabalhar nesta área recebem também não reflecte as diferenças do fenótipo da expressão comportamental do autismo no feminino comparativamente ao masculino.
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