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Continuar a ser autista

EntĆ£o, jĆ” fizeste as tuas resoluƧƵes de Ano Novo? Porventura, uma das perguntas mais habituais do presente momento. Talvez ainda mais do que, JĆ” fizeste a vacina de reforƧo para o Covid-19?


Perder peso? Fazer exercĆ­cio? Passar mais tempo com a famĆ­lia? Passar menos tempo a trabalhar?Ā Deixar de fumar? Deixar de fazer resoluƧƵes de ano novo irrealistas e que depois nĆ£o sĆ£o cumpridas e fazem aumentar a minha frustraĆ§Ć£o? As formulaƧƵes sĆ£o muitas. Mas apesar de muitos de nĆ³s acabar por nĆ£o cumprir as suas resoluƧƵes de ano novo. Ainda assim, parecemos impelidos a fazĆŖ-las no momento de viragem do ano. Porventura, porque desejamos viver um ano melhor ou atĆ© mesmo uma vida melhor. E a fazer jus de muitas das resoluƧƵes, mais saudĆ”vel. E sĆ£o muitos os que pensam que fazem estas resoluƧƵes porque sĆ£o coisas importantes de serem realizadas. Ainda que se pense que o prazer em as realizar seja na grande maioria das pessoas o combustĆ­vel eleito. Mas ao olharmos para muitas das nossas resoluƧƵes verificamos que elas serĆ£o importantes de serem resoluƧƵes do dia a dia e nĆ£o somente de um virar do ano. AtĆ© porque sĆ£o comportamentos que necessitam de ser realizados numa base diĆ”ria para que se concretizem.


Este ritual de fazer resoluƧƵes de Ano Novo pode nĆ£o fazer sentido para algumas pessoas, sejam elas autistas ou nĆ£o autistas. Assim como as razƵes que usam para o justificar. Seja porque as resoluƧƵes para um novo ano nĆ£o tĆŖm de ser deixadas para o final do ano. E podem perfeitamente ser implementadas em qualquer altura. AtĆ© porque no final do ano a pessoa em questĆ£o pode nĆ£o sentir qualquer necessidade de fazer resoluƧƵes, sejam elas quais forem. Ou entĆ£o pensar que este ritual Ć© uma construĆ§Ć£o social e que a pessoa nĆ£o sente que tenha de o fazer apenas porque hĆ” algumas pessoas que o fazem. AtĆ© porque por norma nĆ£o costuma ceder a pressƵes sociais.


HĆ” trinta e seis anos que faƧo a mesma resoluĆ§Ć£o de ano novo, saber o que se passa comigo? diz Alberto (nome fictĆ­cio) que ainda hoje aguarda para poder compreender qual o seu diagnĆ³stico.


As pessoas autistas fazem resoluƧƵes todos os dias, diz Cristina (nome fictĆ­cio). Quando era pequena por exemplo a minha resoluĆ§Ć£o era de que tudo corresse melhor na escola, acrescenta.


No meu caso a minha resoluĆ§Ć£o era a de ter amigos, diz Carlos (nome fictĆ­cio). TambĆ©m cheguei a desejar ser igual aos outros, refere. Havia muita gente a dizer que queria ser especial, mas eu estava farto de ser especial, conclui.


Na maior parte das vezes desejei deixar de ter tiques ou fazer coisas estranhas, diz Clara (nome fictĆ­cio). Ou de parar os meus pensamentos que na maior parte das vezes nĆ£o me deixavam ser eu mesma, continua.


No meu caso desejei todos os anos poder esquecer a minha vida, diz RaĆŗl (nome fictĆ­cio). Nunca soube desejar mais nada na vida, diz. Nem sei se alguma vez soube o que a palavra desejar significa, continua.


NĆ£o que o RaĆŗl, a Clara, o Carlos, a Cristina e o Alberto nĆ£o tenham desejado outras coisas. Mas muitas destas suas vivĆŖncias negativas foram-se impondo a todas as outras, preenchendo cada vez mais e mais espaƧo dentro de si. Foram fazendo parte do presente e do passado, e como tal o futuro parecia nĆ£o ter condiƧƵes para ser outra coisa senĆ£o igual. NĆ£o Ć© porque nĆ£o tivessem desejado outras coisas. Mas para todos eles torna-se muito difĆ­cil fazer uma transiĆ§Ć£o para um novo ano esquecendo as coisas do ano anterior.


Para o RaĆŗl, a Clara, o Carlos, a Cristina e o Alberto a resoluĆ§Ć£o mais importante e real da sua vida Ć© esta - Continuar a ser autista. Mais do que poderem ser isto ou aquilo, todos eles fizeram um caminho que os faz acreditar que o mais importante Ć© serem eles mesmos. Talvez as outras pessoas nĆ£o autistas possam fazer uma resoluĆ§Ć£o de ano novo para este ano - Passar a aceitar e respeitar as pessoas autistas! diz Clara.


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