Antes não queria sequer sair do quarto, desabafa Cristina (nome fictício). Ao menos o teu filho ainda vem fazer alguma companhia à noite na sala. Já o mesmo não posso dizer da minha, refere António (nome fictício). Cristina e António são casados. No primeiro casamento de ambos, Cristina tem um filho, Artur (nome fictício) de 14 anos e António tem uma filha, Vânia (nome fictício) de 13 anos. Ambos, Artur e Vânia têm um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Algo que já não constitui novidade para a Cristina e António que lidam com esta condição já há bastante. No caso do António há bastante mais e até na primeira pessoa, visto que ele próprio também é autista, e no seu primeiro casamento a sua companheira também era do Espectro do Autismo. Aos poucos, Cristina e António têm percebido todo um conjunto de mudanças. Talvez mais do que muitos outros pais. E principalmente porque desde cedo foram alertados pelos profissionais de saúde para a necessidade de atenderem a algumas das características do seus filhos. Não só mas principalmente devido à sua condição e ao que a mesma envolve em termos de alguns comportamentos. A Vânia está desde sempre num abismo, diz António. O psicólogo explicou-me que além do Espectro do Autismo ela apresenta uma Alexitimia. Depois de ter lido um pouco mais sinto que consigo compreendê-la um pouco melhor, mas continua a ser um desafio diário, continua António. Além disso a sua restrição alimentar leva a que o seu percentil esteja desde sempre no limite. E apesar de saber que a minha ansiedade passa para ela, sinto na maior parte das vezes que não consigo deixar de a sentir, desabafa. A partir dos nove anos comecei a preparar-me para o surgimento da menarca. As minhas colegas diziam-me para não preocupar e que era demasiado cedo. Vê-se mesmo que és homem, diziam. E demasiado ansioso, também. Eu não lhes disse, mas a mãe da Vânia foi igual, menstruou aos nove anos e meio. Sei disso porque ela me contava tudo, assim como eu também o faço com algumas das minhas colegas. Mas apesar de todas as preparações com a Vânia foi diferente. A sua sensorialidade aumentou exponencialmente toda a experiência, para mim, mas sem dúvida que principalmente para ela, eu sei, diz António. E se muitos pensaram que a Vânia falar desses assuntos com a mulher ajudaria a resolver, eu sabia que isso não iria adiantar, nunca adiantou, confessou António. Com o Artur sempre foi um tudo ou nada, diz Cristina. Desde manhã ao anoitecer. E agora com a entrada na adolescência os dias têm ficado maiores, desabafa Cristina. As trocas de mensagens, o adiar o dormir, os jogos, os intermináveis jogos, tudo parece ser suficiente para que a noite continue, refere. Ele nunca precisou de dormir muito, isso é um facto, acrescenta Cristina. Mas antes ficava mais sossegado e em silêncio. Agora não!! Ao ponto de nós próprios não conseguirmos descansar bem. Tudo é um drama, desabafa. Ainda que desde muito cedo que tudo é um drama. Mas agora parece diferente, confesso. Fecha a porta, grita ele, diz Cristina. Provavelmente uma das frases que mais diz - Fecha a porta!! Não vês que estou a falar com este ou com aquele? Por isso é que a porta estava fechada! Já não posso ter privacidade? Estas e outras frases são constantes. Se ao menos soubesse o que lhe vai na cabeça!?, confessa Cristina. E António não pára de acenar com a cabeça em sinal de pleno acordo. Tudo é ainda mais brusco, acrescenta António. É como se eles tivessem um amplificador. E a puberdade vem aumentada ao quadrado!, sorriem os dois. Mas sinto que nem a própria puberdade é compreensiva com eles, diz Cristina. As transformações internas e externas são tão bruscas como disse o António e algumas delas imprevistas, pelo menos para eles que não estão ainda a percebê-las, acrescenta Cristina. As alterações hormonais constantes e algumas delas contrárias à sua própria vontade. A intensidade das mesmas sendo que algumas delas não as estão a compreender tornam tudo ainda mais difícil de compreender, diz. Ou até mesmo de se quererem ainda fechar mais, diz António. Confesso que pensei que isso fosse impossível na Vânia, mas enganei-me, refere. Felizmente nunca fomos aqueles pais de acharem que por os seus filhos serem autistas não haveriam de passar pela adolescência, diz Cristina. Mas conhecemos alguns que ainda pensam dessa forma. Já para não falar de muitas outras pessoas que não são autistas. Por exemplo, na escola continuam a chamar-nos por causa de questões comportamentais do Artur que eu sei perfeitamente que são enquadradas na entrada da adolescência, diz Cristina. Mas como ele está referenciado para a Educação Inclusiva sentem que tudo é explicado pelo autismo e como tal é preciso alguma intervenção especial, desabafa. Se assim fosse não paravam de ligar para todos os pais, acrescenta António. O mesmo passasse com a Vânia quando a encontram a chorar na escola, diz António. Ligam-me a dizer isso e ficam à espera que eu lhes diga do lado de lá da linha de como procederem, enfim!, refere. Eu agradeço que me digam como a minha filha está, mas sinceramente não saberem como lidar com uma adolescente que está a chorar parece demasiado, confesso! O Artur tem andado mais fixado no corpo. Não seria de esperar outra coisa, penso eu, refere Cristina. Eu própria também era assim nessa altura. Quem não era!?, pergunta em tom retórico. Mas ainda a semana passada li que isso poderia ser mais um interesse restrito, enfim. Não digo que não possa ser, até porque o Artur tem a sua parte deles. Mas é preciso poder compreender que nem tudo é autismo, da mesma forma que não há nada que seja apenas uma coisa. E muito menos na puberdade! Talvez seja importante podermos ouvi-los, acrescenta António. Ainda que a Vânia não fale assim tanto, ela não deixa de comunicar. Isso leva a um maior exercício da minha parte, é verdade, mas é a minha filha, é o mínimo que posso fazer, certo?, pergunta António em jeito irónico.
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