Por vezes a sobreposição das coisas, mas também a nossa perspectiva sobre as mesmas ou o próprio contexto em si, pode levar-nos a acreditar em algo que realmente não o é. Parece complexo, certo? Também a vida da Rosa (nome fictício) o é. As características mais subtis da Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) nunca devidamente diagnosticada, associada a uma depressão que se arrasta ao longo dos anos nunca fez crer aquilo que estava para acontecer.
O suicídio é a principal causa de morte de jovens com idades entre 20 e 34 anos em vários países. Compreender e prevenir o suicídio é altamente complexo e desafiador, envolvendo uma combinação de fatores biológicos, ambientais e psicológicos. Tem-se hoje mais conhecimento acerca das características existentes dentro da Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), das diferentes perturbações psiquiátricas que ocorrem nas pessoas com PEA, para além do sofrimento psicológico existente. No entanto, em relação à relação do suicídio com a PEA ainda há pouco trabalho desenvolvido e principalmente pouco trabalho que nos ajude a desenvolver comportamentos preventivos ao.invés de remediativos.
Há poucas pesquisas sobre o que impulsiona as associações entre traços autístas com pensamentos e comportamentos suicidas, para ajudar a informar novas estratégias de prevenção do suicídio. Para abordar essa lacuna de conhecimento, a investigação começou a explorar a aplicabilidade das teorias do suicídio desenvolvidas para a população em geral a pessoas autistas. E também como essas teorias poderiam incorporar novas construções psicológicas para aumentar nossa compreensão do suicídio na população em geral. Os traços autistas sabem-se hoje que se apresentam distribuídos ao longo da população em geral. O número de características do espectro tende a ser maior em familiares de pessoas autistas, sugerindo um fenótipo mais amplo de autismo. Pessoas com mais traços autistas podem experimentar dificuldades semelhantes às diagnosticadas como autistas, como dificuldades nas competências sociais e de comunicação, adaptação à mudança e hipersensibilidade sensorial, etc.
As pessoas com mais traços de autismo também têm uma probabilidade significativamente maior de atender aos critérios para um diagnóstico clínico de autismo. As características do espectro são frequentemente exploradas no contexto da compreensão do aumento da vulnerabilidade em pessoas autistas e não-autistas, principalmente considerando que muitos adultos permanecem sem diagnóstico ou são diagnosticados com outras condições. A investigação tem igualmente mostrado que traços do espectro auto reportados estão associados a pensamentos e comportamentos suicidas e 40% dos adultos que tentaram suicídio atendem ao limite de preocupação clínica num instrumento de triagem de autismo validado. As teorias de suicídio desenvolvidas para a população em geral enfatizam a importância das dificuldades comumente experimentadas por pessoas autistas e por pessoas com mais traços autistas na formação de intenções suicidas.
A Rosa (nome fictício) fazia 36 anos o mês passado. Rosa sempre se sentiu sozinha e ainda bastante cedo um fardo para todos. Fosse na escola mas também em casa, várias vezes verbalizava que não fazia nada bem ou que nunca conseguia fazer melhor. Se inicialmente acharam que a Rosa era uma criança com bastante perfeccionismo, na adolescência começaram a sentir que poderia estar deprimida. Se em criança achavam que seria normal aquele tipo de comportamento. Justificando que muitas outras crianças de idade igual apresentavam aquele tipo de comportamento. Na adolescência enquadravam as suas respostas de evitamento cada vez maior como típico da altura - a adolescência. As poucas amizades era desvalorizadas, até porque Rosa ia conseguindo manter bons resultados na escola. E quando começaram a descer não foram o suficiente para alarmar ninguém. Muitas vezes a Rosa ia para o quarto quando chegava a casa e passou a dizer cada vez menos nas poucas conversas que ia existindo em casa. Um professor chegou a sugerir uma consulta da especialidade mas foi desvalorizada atendendo a que não se estava a observar nenhum comportamento fora do comum para uma jovem adolescente.
Este poderia ser perfeitamente a descrição de muitas raparigas, jovens e posteriormente adultas no espectro do autismo. Contudo, a pouca evidência comportamental observada pelos país, familia, professores e médicos e com um aparente impacto pouco significativo, não fez despontar um conjunto de acções preventivos e posteriormente protectores do sofrimento psicológico sentido pela Rosa. Mais tarde, por volta dos 16-17 anos começaram a surgir os comportamentos de auto-mutilação. Rosa sabia que devia ter cuidado com o sitio no corpo onde os faria para não levantar suspeitas. Mas a pouca atenção dada à Rosa levou a que também esta situação passasse despercebida. Os colegas olhavam para Rosa como uma rapariga estranha e que gostava de andar sozinha. Como muitas outras raparigas que o fazem e também assim enquadravam aqueles comportamentos como normais. O certo é que há muitas outras raparigas como a Rosa e que em idade escolar também apresentam comportamentos preocupantes e merecedores de atenção clínica.
Em várias situações, momentos e contextos ao longo da vida as pessoas vão aprendendo a importância ou pelo menos a necessidade de se adaptarem. Ou pelo menos serem mais flexíveis na gama de respostas que apresentam. É preciso ter algumas competências sociais para tal. Contudo, esta gama de comportamentos pode ser aprendido ao longo do tempo. É o que parece acontecer com a devida frequência na franja mais funcional do espectro do autismo. E principalmente as raparigas, jovens e também as adultas parecem fazer. Desenvolverem comportamentos de camuflagem social que as ajuda a sentir mais integradas no tecido social, seja na família, mas também no grupo de pares e no local de trabalho.
A Rosa, seja do espectro do autismo ou não, é uma mulher que acumula ao longo da sua vida um conjunto de vivências negativas e traumáticas. Seja nas relações familiares mas também nas relações interpessoais. São inúmeras as situações de sensação de incompreensão ou de bullying. A ansiedade crescente sentida na maior parte das situações pelas quais se viu "obrigada" a passar para se sentir integrada também deixa uma marca grande em termos de impacto no mal estar psicológico. O cansaço constante e ao fim de pouco tempo nas situações em que uma maioria das pessoas da sua idade parece conseguir ultrapassar, devolve-lhe uma ideia alargada de incapacidade. E tudo isto vem reforçar o comportamento de evitamento e isolamento social. Porventura, a forma como todos nós, uns mais do que outros, tem a representação do papel social da mulher na actualidade pode fomentar este enquadramento e que ajuda a protelar o diagnóstico e a intervenção adequada.
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