Se falar sobre a sexualidade de uma forma geral é um tema delicado, agora imaginem falar sobre as experiências sexuais. E adicionalmente a isso pensem que iremos falar sobre essas duas questões em mulheres com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo! Até eu próprio pensei duas vezes antes de continuar a escrever. Felizmente não vou sendo o único a pensar na importância do tema e isso encoraja-me a continuar. Tal como tantos homens e mulheres no Espectro do Autismo.
Todas as alterações que observamos na cultura sexual e atitudes em relação à sexualidade das pessoas com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) começaram a criar desafios às crenças e mitos originais da sexualidade e a desencadear novas investigações, reflexão clinica e interesse no funcionamento sexual deste grupo especifico.
Penso que devemos partir do principio e reconhecer humildemente a nossa falta de conhecimento no campo, independentemente da expertise que cada um sinta ter no acompanhamento de pessoas com diagnóstico de PEA, nomeadamente com mulheres. Investigações recentes direcionaram a nossa atenção para a necessidade de uma maior compreensão e promoção da saúde sexual saudável e do desenvolvimento de pessoas no espectro do autismo. Estas investigações partem em boa parte da experiência dos clínicos que acompanham as mulheres com PEA e que começaram a trazer cada vez mais uma narrativa nesta área para o espaço psicoterapêutico. Ou seja, o foco passou primordialmente a estar nas experiências que muitas pessoas encontram na procura de relacionamentos sexuais e românticos. A investigação tem procurado identificar um conjunto de imprevistos e desafios que têm um impacto no desenvolvimento e no funcionamento de uma variedade de domínios na esfera da sexualidade. Uma observação igualmente referida nesta área é o impacto negativo que os traços característicos da PEA têm sobre a capacidade de uma pessoa em procurar a sexualidade desejada de uma forma apropriada. Assim, a investigação tem demonstrado que a combinação intrínseca das questões sociais e da comunicação, juntamente com as limitações na exposição social e na interacção com os pares geralmente resulta num quadro de menor conhecimento sexual e menos fontes precisas de educação sexual comparativamente aos seus pares sem diagnóstico de PEA.
Depois dos "preliminares" anteriores penso ser importante começar por pensar que a sexualidade e o desejo em procurar e ter relações sexuais é uma realidade nas pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo. Pode parecer um ponto de partida demasiado básico mas se uma larga maioria da população não tem conhecimento acerca do que é o autismo, agora imagem sobre a ideia que fazem acerca da sexualidade e relações sexuais no autismo?! Depois de ultrapassado este enorme obstáculo podemos avançar para outras questões bem mais importantes. O que é que tem o Espectro do Autismo e como é que tudo isso pode impactar no desenvolvimento da sexualidade e nas próprias relações sexuais em si? Por exemplo, como é que o facto de poder ter a primeira relação sexual depois dos 25 anos de idade pode contribuir para a sexualidade e a própria construção mental das relações sexuais? Como é que as dificuldades na exploração e compreensão do seu próprio corpo pode levar a diferentes percepções sobre este mundo? Como é que as hipersensibilidades olfactivas, tácteis, etc., poderão influenciar na aproximação da outra pessoa ultrapassando as barreiras que causam desconforto. E ainda mais como é que essa situação tem impacto na própria relação sexual em si, pensando na questão do toque?!
Se pensarem na vossa primeira experiência e relação sexual, na idade em que a tiveram e na forma como isso vos poderá ter influenciado na continuação da procura da vossa sexualidade e desejo em ter novas relações sexuais provavelmente alguns irão parar de ler neste momento o post. Outros talvez tenham de parar para pensar nisso e voltam a continuar a ler mais tarde e outros talvez nada disto. O certo é que é algo que uns e outros se foram sentido mais ou menos preparados, expectastes, ansiosos, uma catadupa de sentimentos que não souberam interpretar muito bem. Já para não falar de outros condimentos como por exemplo gostar ou não gostar, amar ou não amar a pessoa com quem se tem uma relação sexual. Ou descobrir que essa pessoa afinal pode não ter gostado da experiência tal como nós ou contrariamente a nós. Ou a pessoa deixar de querer continuar a relação amorosa connosco depois de terem tido relações sexuais. Como encaixar tudo isto? E como encaixar tudo isto dentro de um funcionamento de uma Perturbação do Espectro do Autismo?
Aquilo que muitos jovens acabam por ter - "a conversa" ou também conhecida como a conversa acerca dos "pássaros e das abelhas" com os seus pais por volta 12-14 anos de idade. No caso das famílias com uma filha/o com PEA muitas vezes esta conversa acaba por não acontecer nesta altura ou então nem sequer acontece. Em boa parte porque os pais acabam por andar mais ocupados em resolver as dificuldades que vão ocorrendo na escola, nas aprendizagens, na integração das medidas educativas, nos recreios, etc. Para além de haver também em muitos pais uma dificuldade em se falar sobre este tema, seja no espectro do autismo ou não. Mas sem dúvida que nesta área a dificuldade acresce. No entanto, tal como muitos jovens quando não encontram essa conversa com os pais procuram-na ter com os seus pares e fazem muitas aprendizagens com eles. No caso dos jovens com PEA é compreensível a dificuldade que possam ter nesta área. Para além disso e para quem não se sente à vontade a falar com os seus pares pode perfeitamente procurar informação online e offline. Mas no caso das pessoas com diagnóstico de PEA a escassez de informação nesta área é gigantesca. Não admira que a urgência em falar sobre o tema da sexualidade e relações sexuais seja tão premente.
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