Era uma vez uma família de ursos que vivia numa floresta. O pai urso, a mãe urso e o filho urso.Tem ideia de já ter ouvido esta história? É provável. Mas nem sempre as histórias que ouvimos são como elas se contam. Quantas histórias podiam começar assim? Seja nos animais mas também nos seres humanos, podemos observar comportamentos de protecção dos pais em relação aos filhos e que se arrastam durante vários anos. Os pais funcionam como esta rede de suporte emocional, social mas também funcional. Ao longo da vida, os abraços apertados naquele momento mais difícil em que se caiu da bicicleta e esfolou um joelho. Ou quando se recebeu um primeiro teste negativo e se ouve uma voz de confiança a dizer para continuar. Mas também a aprender a atar os sapatos, tratar do quarto, partilha de tarefas domesticasse etc. Os pais estão lá sempre, desde o primeiro momento. O cuidar quando os filhos são pequenos é desafiante, seja pela sua fragilidade mas também por alguma da nossa insegurança. E à medida que eles vão crescendo, apesar dos pais estarem mais capazes, os desafios vão sendo mais e complexos. E passa a ser necessário o apoio de outras estruturas e instituições, nomeadamente quando se faz o processo de transição para a vida adulta. Além de que, tal como com os ursos, os filhos vão pesando cada vez mais. E tal como nas histórias, as coisas aqui também ficam complicadas. As fragilidades das pessoas leva a que as vivências no seio familiar possam ser mais desafiantes, e em alguns momentos mais tóxicas e prejudiciais. Quando os resultados dos testes chegam e se podia pensar que um 14 ou um 16 numa escala de zero a vinte seria um bom resultado e se ouve - Tens de te esforçar mais. E quando ao fim de algum tempo se recebe um 18 e a mesma voz diz - Não fizeste mais do que a tua obrigação! As histórias são um pouco mais complexas do que se pode fazer crer. E a vida em família também. E quando nesta família há pessoas que tenham um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), sejam os filhos, os pais, ou todos, as situações podem tornar-se ainda mais desafiantes. E se porventura o diagnóstico de PEA dos filhos se veio a descobrir um pouco mais tarde na adolescência ou inicio da vida adulta, parece ainda ser mais difícil. E quando os próprios pais não sabem que apresentam eles próprios um diagnóstico de PEA ou outro, ou pelo menos alguns traços, a situação fica ainda mais densa. A história que vos quero contar tem vários caminhos. Não pretendo dizer que há caminhos certos ou errados. Até porque os caminhos têm mais do que a estrada. E as famílias sabem-no bem. Mas gostaria de poder falar sobre alguns caminhos que levam a lugares mais difíceis, principalmente para aqueles que estão mais desprotegidos, nomeadamente os filhos. Um desses caminhos tem a ver com a capacidade que os pais desenvolvem para compreender os filhos com Perturbação do Espectro do Autismo. É uma história de aprendizagem para todos, pais e filhos. Ao receber o diagnóstico, nomeadamente se for em criança, esta não apresenta uma consciência suficientemente desenvolvida acerca da sua condição. Parece nem perceber. Sabe que há um nome que tem a ver com o que ela tem. Chamam-lhe Perturbação do Espectro do Autismo, ou Autismo simplesmente, mas também Síndrome de Asperger. E este caminho vão sendo feito ao longo da vida, até porque o próprio Espectro do Autismo na expressão da pessoa vai mudando, tal como a própria identidade dos filhos, independentemente do diagnóstico vai mudando. E se determinada forma de agir ou interagir com os filhos parece adequada em certa altura, parece deixar de o ser em determinada altura. Depois também temos a variante da história dos pais que não querem que os seus filhos saibam do diagnóstico e que fazem questão de o ocultar até mais tarde. Normalmente, a justificação prende-se com o facto dos pais querem proteger os filhos. É muito comum vermos os pais a quererem proteger os filhos, seja das situações que parecem iminentes de estar para acontecer, mas também das situações que são percepcionadas ou imaginadas pelos pais. E os filhos com Perturbação do Espectro do Autismo levam a quem muitas destas situações venham a ocorrer. E também temos os pais que estão mais capazes de conscientemente pensar no diagnóstico dos filhos, mas que também não deixam eles próprios de ter um conjunto de fragilidades, além de terem um período de adaptação ao diagnóstico, que pode ser mais ou menos demorado, consoante os casos. Ao longo deste processo também vai sendo possível verificar outros momentos mais difíceis para todos. Algumas das características comportamentos no Espectro do Autismo podem tornar-se desafiantes. Mas as respostas que são dadas pelos pais aos filhos também se tornam elas próprias não só desafiantes mais geradoras de frustração e sofrimento. A palavra preguiça é muito frequentemente ouvida vinda dos pais para os filhos, independentemente de estarmos ou não no Espectro do Autismo. Mas dentro do Espectro do Autismo essas palavras parecem ter um impacto ainda maior e devastador. Ele não quer fazer as coisas, é preguiçoso. Ela sabe fazer as coisas, mas não quer, é teimosa! Eles só querem fazer as coisas de que gostam! Ele não pensa em mais ninguém senão nele próprio! Ela parece que não percebe o que lhe é dito! Nós gostávamos que ele não fizesse isto! Nós queremos muito que ela deixa de se comportar desta forma! Ao ler estas frases muitos poderão pensar que estes pais são cruéis. Pode tornar-se muito fácil cair neste lugar de julgar os pais. Da mesma forma que também acontece este julgamento em relação aos filhos, nomeadamente transcritas nas frases como - Eles não percebem que os pais fazem tudo por eles, que ingratos! As pessoas têm as suas fragilidades, independentemente de aparentarem ser fortes e capazes de superar tudo. Um pouco como a imagem que os ursos transmitem de grandiosidade e força, mas também eles têm as suas fragilidades. Todos nós as temos. Ao longo da vida e mais precisamente ao longo da vida em família vão sendo vários os momentos desafiantes que alternam com outros igualmente bons. Parece importante podermos ser capazes de nos colocar em dúvida e sermos mais tolerantes. E se formos aqueles que não tendo uma Perturbação do Espectro do Autismo e isso nos for mais fácil, então será importante que possamos ser nós a fazer esse maior esforço. Independentemente dos momentos difíceis, será a capacidade de amar e aceitar o Outro que salva a história. E nem sempre isso parece ser algo espontâneo em nós, e também será importante podermos escutar o Outro, seja dentro ou fora da família, para poder aprender a sê-lo. As variantes a esta história são muitas. Desde os pais que sentem eles próprios haver muito pouca informação e recursos de suporte ao processo de transição dos filhos para a vida adulta. E procuram nesta ausência fazer o que melhor sabem. E sabem-no muito. Mas também não podemos esquecer que há os pais que também têm eles próprios objectivos e sonhos que procuram alcançar. Da mesma forma que estes pais também têm sonhos e objectivos que projectam nos próprios filhos e que quando isso não corresponde ao que os filhos desejam eles próprios de alcançar, leva a que hajam maiores dificuldades. Mas também temos os pais que encontram eles próprios um significado para sua própria vida no cuidar. E sabemos que no Espectro do Autismo se verifica haver necessidade de um cuidar mais frequente e ao longo da vida. Talvez a história tenha sido confusa. Mas ela própria vai sendo contada à medida do avançar do tempo. Penso que a reter há a ideia de poder ser tolerante, amar e aprender a aceitar o Outro.
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