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Onde come um Português, comem dois ou três

No fim do segundo período de desconfinamento o site Autismo no adulto dá a conhecer algumas das novas medidas a adoptar. Convidámos a psicóloga Joana Fernandes para fazer parte desta nossa equipa. Habituados que estamos a receber bem e em respeito das normas de segurança actualmente vigentes na restauração propusemos à Joana que trouxesse um prato preparado por si. Nas Perturbações do Espectro do Autismo (PEA) é comum os pais referirem a existência de dificuldades na esfera alimentar, por exemplo, restrições alimentares. Mas no Espectro do Autismo há muito que ainda se desconhece e que se continua a tentar compreender. Nomeadamente, na intersecção entre os traços encontrados nas pessoas autistas e nas pessoas com perturbações da conduta alimentar. Para além disso, é comum na pessoa adulta, nomeadamente nas mulheres, haver uma sobre representação na intervenção para a Anorexia Nervosa, e o inverso para as Perturbações do Espectro do Autismo. Mas o certo é que parece haver vários pontos que se tocam. Vamos lá espreitar o que a Joana nos trouxe antes que a comida arrefeça!

"Food bring people together on many different levels. It's the nourishment of the soul and body; it's truly love."

Giada di Laurentis


A Joana Fernandes é Psicóloga Clínica e Formadora com mestrado na área do comportamento alimentar, a frequentar o doutoramento em Psicologia na área das neurociências afectivas e cognitivas aplicadas à obesidade, com especialização avançada na área da obesidade pela World Obesity Federation. Actualmente a colaborar no PIN – Em todas as fases da vida, no Núcleo das Perturbações Alimentares e no Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo. A relação entre as perturbações do comportamento alimentar as perturbações do neurodesenvolvimento é um dos seus principais focos de interesse.


A anorexia nervosa (AN) é uma perturbação específica do comportamento alimentar que consiste na restrição significativa da ingestão de nutrientes conduzindo a um peso considerado baixo, medo intenso em engordar e uma distorção marcada da imagem corporal.


Esta perturbação encontra-se bem documentada e podemos até encontrar alguns casos, ainda que camuflados, nos tempos do Cristianismo quando, por exemplo, Alexandrina de Balasar terá jejuado com o objectivo especifico de chegar a Deus.


O estudo da AN permitiu identificar diversas características típicas desta perturbação que, com frequência, podem ser partilhadas com outras perturbações psiquiátricas. De acordo com diversos estudos, a AN parece estar associada à perturbação obsessiva-compulsiva, partilhando com esta as obsessões e compulsões. Especificamente, a relação da anorexia com a perturbação do espectro do autismo (PEA) surge na década de ’80 com os primeiros estudos genéticos em famílias com PEA a reportarem a presença de casos de AN em familiares de segundo grau.


A relação poderá não ser óbvia, mas iremos tentar explanar esta ligação. De acordo com a literatura, os doentes com anorexia nervosa apresentam dificuldades ao nível da interacção social, peculiaridades ao nível da comunicação, obsessões e compulsões (e.g., cortar a comida em pedaços muito pequenos, comer sempre os mesmos alimentos e na mesma quantidade, comer alimentos da mesma cor, …) e até interesses restritivos (e.g., comer alimentos apenas de uma área específica da roda alimentar).


Se olhássemos apenas para as características mencionadas, qualquer leitor com algum conhecimento sobre as perturbações do neurodesenvolvimento, diria quase automaticamente, estamos a falar das perturbações do espectro do autismo. Pois é verdade que, são várias as características que a anorexia nervosa parece partilhar com as PEA o que tem levado vários autores a fazer esta relação. Mais ainda, especula-se até que, a anorexia nervosa poderá ser uma “manifestação externa de uma perturbação do neurodesenvolvimento” (Gilbert & Rastam, 1992) já pré-estabelecida na infância. Especulações aparte, o que é certo é que têm sido reportados inúmeros casos de meninas com diagnóstico de anorexia nervosa que, chegando à idade adulta, recebem um diagnóstico de PEA, muitas de nível 1 (síndrome de Asperger), o que nos leva a pensar nos possíveis formatos desta relação.


Da minha experiência enquanto profissional que aborda especificamente o comportamento alimentar, têm sido várias os jovens que me chegam à consulta com baixo peso, decorrente de uma pobre ingestão de nutrientes e suspeitas de um possível diagnóstico do espectro do autismo. Ao analisar o perfil de cada um destes jovens é possível compreender esta relação: rejeição de sabores e texturas, receio em experimentar novos alimentos, dificuldades em misturar alimentos, alimentos devem estar cozinhados e servidos sempre da mesma forma, dificuldades em fazer as refeições com outras pessoas que não as do meio familiar mais próximo. São, no fundo, interesses restritivos associados à alimentação e à sua prática que colidem até com as dificuldades na interacção social pelo facto de conduzir ao evitamento social de eventos que envolvam refeições.


Parecem existir de facto evidências na relação entre anorexia nervosa e PEA. Mas uma diferença encontrada frequentemente, é que nem sempre o baixo peso associado à ingestão deficitária de nutrientes parece ser acompanhada do desejo em ser mais magro ou até de uma distorção da imagem corporal, nos casos de PEA. É aqui que devemos então ter cautela! Existem alguns estudos que consideram que a ausência destas características podem fazer a diferença na concetualização das PEA com foco na alimentação, comparativamente com o típico caso de anorexia nervosa.


Esta reflexão permite-nos assim concluir que, tanto a anorexia nervosa e as PEA partilham entre si diversas características e que, há diversos casos registados de jovens com histórico de intervenções específicas para a anorexia nervosa e que, acabou por se concluir que a AN seria apenas um dos sintomas decorrentes de um quadro mais generalizado de PEA.

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