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Foto do escritorpedrorodrigues

O livro dos erros

Os livros nem sempre são o que parecem. Nem os textos, os desenhos e até mesmo a vida. Os erros acontecem, tal como a vida. Mas o certo é que muitas vezes procuramos nos livros o significado das coisas. E nesse caso os livros são como a vida - são tudo e podem ser tudo! Há quem procure nos livros como construir um foguetão para o projecto escolar da disciplina de Física. Mas também há quem se questione sobre como beijar, ou perceber uma emoção e até como a poder sentir. Até mesmo como sonhar e poder transformar as coisas em algo melhor. Dizem que errar é humano, certo? Deveria haver mais livros dos erros! Talvez fossemos mais humanos!

Se há quem possa ter tido curiosidade acerca da sua sexualidade, de explorar o seu corpo e tentar perceber o corpo do Outro, fosse menino ou menina. E um pouco depois começar a ter curiosidade nas relações amorosas e até mesmo sexuais. As pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), ou pelo menos uma determinada percentagem de pessoas nesta condição, passam a sentir esta mesma curiosidade e até desejo mais tarde. E este mais tarde pode ser por volta dos 20's. Até lá os comportamentos observados nos colegas de andar de mão dada, aos abraços e beijos podiam não ser compreendidos ou até mesmo ser considerados aversivos. Mas principalmente não serem compreendidos - o porque é que as pessoas, ou pelo menos algumas precisam de andar de mãos dadas e aos beijos?


E quando se refere que não é uma questão de precisar mas sim de desejar a estupefação e estranheza pode ainda ser maior - desejar? como assim? Quando um jovem com 14 anos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) viu dois colegas seus a beijarem-se no recreio da escola perguntou à sua professora o que estavam eles a fazer. A professora respondeu-lhe que se estavam a apaixonar. Estavam enamorados! As dúvidas não ficaram esclarecidas. Muito pelo contrário. As palavras que este jovem parecia não saber acumulavam-se dia após dia.E por isso o jovem perguntou à sua professora qual seria a idade para que as pessoas se apaixonassem. E ela respondeu-lhe - "Por volta dos 20!". Assim, quando este jovem chegou aos 20 anos de idade passou a dizer a todos, pais, colegas e amigos que já estava pronto para se apaixonar. Muitos ficaram a pensar que seria uma qualquer brincadeira. Outros de que ele deveria estar a ter alguns problemas. Os pais ficam principalmente preocupados. Isto porque o seu filho com 14 anos agora tinha 20 anos e parecia estar mais interessado do que nunca no assunto - nas relações amorosas e sexuais.


Apesar dos adultos com Perturbação do Espectro do Autismo terem geralmente determinadas dificuldades em se comunicar com os outros, a maioria compartilha o mesmo desejo de socializar e formar relacionamentos íntimos, tal qual os seus pares neurotípicos. Muitos, no entanto, lutam para encontrar essa mesma companhia a longo prazo. São vários os estudos que mencionam que uma larga percentagem significativo dos adultos com Perturbação do Espectro do Autismo são solteiros. Mas isto não significa que estes não tenham relações, sejam elas sociais, amorosas ou sexuais.


Há várias questões aqui envolvidas. Muito frequentemente se pensa que as pessoas com Perturbações do Espectro do Autismo são pessoas solitárias ou que preferem frequentemente estarem sozinhas. Ainda que isso possa acontecer, também há uma gama variada de outras situações que ocorrem. Nomeadamente, são muitas as situações em que os jovens, adolescentes ou jovens adultos, na Escola Secundária ou no Ensino Superior que se sentem atraídos pelos pares e que sentem desejo em vir a ter uma relação com aquela pessoa. Muito frequentemente os pais, para alem de outros técnicos, desencorajam esta aproximação. São muitos os receios e as crenças que uns e outros desenvolvem. Desde o pensarem que os seus filhos poderão ser abusados. Justificando que isso poderá acontecer com a mesma certeza que isso já aconteceu com coisas bem mais simples na escola ao longo dos anos. Outros referem que os adolescentes com PEA não sabem o que estão a sentir, tal com em tantas outras situações no quotidiano. Mas o certo é que sentem! E sentem várias coisas e com intensidades diferentes. E as questões são muitas! Tal como nos pensamentos de todos os outros jovens!


Como tal é importante poder fazer algo em relação a isso. E o que podemos pensar que "o isso" significa? Há quem fique desde logo alarmado porque pensa na Educação Sexual. E de esse tema voltar de novo às escolas. E se assim for? Seria óptimo que voltasse a algumas escolas e continuasse em outras. E que fosse alargado e repensado na forma de como está a ser feito. É fundamental falar de aspectos como o corpo e de como ele se desenvolve. E de quais as partes do corpo que são intimas e que precisamos de proteger. Ainda ontem o jornal Público coloca online a noticia de que há cada vez mais um maior número de adolescentes com 11-13 anos que partilham fotos suas nuas ou desnudadas e que uma grande percentagem parecem ser do sexo feminino. E sabemos que na Perturbação do Espectro do Autismo há um número significativo de mulheres nesta condição e que são vitimas de abusos sexuais ao longo da vida por um conjunto de características que tem a ver com a sua condição. Por isso é importante pensar neste aspecto. Mas não no sentido alarmista e fazer soar os sinos para se acabar com a sexualidade e principalmente para as pessoas com estas características.


Mas também é importante haver todo um conjunto de outros tópicos a serem abordados. E que principalmente passam pelos sentimentos, os afectos, o dialéctico próprio das relações amorosas e sexuais. E do respeito pelo Outro, pelo seu corpo e sentimentos. E de como também é possível cometer erros neste processo de descoberta. De descoberta do seu corpo, da sua sexualidade, e do Outro.

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